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Clubes mexicanos

Fabio Perina 8 de abril de 2021

O maior intercâmbio do futebol mexicano com o sul-americano se inicia nas seleções com a Copa América em 93 e com os clubes na Libertadores em 98. Nessa última, as primeiras participações com clubes mexicanos convidados eram em uma fase preliminar com venezuelanos até que a ampliação dos participantes lhes foi reservando vagas diretas. Porém em 2016 foi o último convite dos mexicanos para ambas competições. O pouco estimulo pelo status de convidado não lhes dava vaga nem na Copa Intercontinental nem no Mundial de Clubes caso saíssem campeões. Mesmo assim, em cerca de duas décadas os clubes mexicanos chegaram a 3 finais de Libertadores, porém perdendo todas: Cruz Azul em 2001 para o Boca; Chivas Guadalajara em 2010 para o Inter e Tigres em 2015 para o River Plate.

Algum destaque ainda ao ano 2000, ainda na esteira da euforia do maior título da seleção em 99 com a Copa das Confederações, quando o América esteve muito perto de chegar à final da Libertadores e o Necaxa também muito perto da final no Mundial de Clubes. O América tinha um forte combinado sul-americano, com os chilenos Estay e Zamorano e o argentino Calderón, além do treinador argentino Alfio Basile. Já o Necaxa tinha dois craques equatorianos que no ano seguinte levariam seu país pela primeira vez a uma Copa do Mundo: Aguinaga e Delgado. Por contraste a maioria das participações através do acesso ao Mundial de Clubes (o qual desde 2006 os mexicanos dominaram todas as vagas) pelo torneio da Concacaf foram de clubes médios de fora da capital e com menor destaque na Libertadores: Pachuca e Monterrey. O mesmo Pachuca que também conseguiu em 2006 o único título mexicano em competições da Conmebol ao vencer a Copa Sul-Americana contra o Colo Colo de virada fora de casa.

Os novos ares repercutiam profundamente no futebol local, mergulhando no ‘futebol moderno’ em suas duas caras: copiando do sul o ‘aguante’ e copiando do norte a mercantilização. Fora de campo, justamente no final dos anos 90 as arquibancadas passaram de uma organização torcedora de tipo carnavalesco conhecida como ‘porras’ para copiarem o modelo das barras da América do Sul de mais vibração. A primeira experiência ocorreu com o recém rebaixado Pachuca através de uma mistura bem latina com um executivo argentino promovendo um “tutorial” de barrismo através de chilenos e costa-riquenhos. Coincidência ou não, na década seguinte o clube encontrou conquistas inéditas e o novo estilo de torcer se generalizou nas demais arquibancadas. (Obs: pouco se sabe mas há uma pequena tradição de inovações dos torcedores mexicanos: em 57, em um amistoso Botafogo x River Plate inventaram o grito de ‘olé’; em 86, inventaram o movimento coreográfico de ‘ola’ percorrendo todo o estádio; e no início dos anos 2010 inventaram o grito ‘puto’ quando o goleiro adversário bate um tiro de meta). Como prova do intercâmbio sul-americano dentro de campo também influenciar fora dele através da compra de vários jogadores brasileiros e argentinos talentosos (Vide também a contratação de treinadores argentinos para a seleção como Menotti e La Volpe, além dos vários títulos recentes do brasileiro Ricardo Ferretti. Outro brasileiro de grande destaque foi o atacante Evanivaldo, quem entre os anos 70 e 80 se tornou o maior artilheiro do campeonato local com mais de 300 gols, superando até mesmo grandes artilheiros da seleção mexicana como Hermosillo e Borghetti).

Evanivaldo
Evanivaldo e Hugo Sánchez, goleadores do Pumas nos anos 70. Foto: Reprodução

Apesar desse aspecto positivo, o negativo é que os estádios e as camisas dos clubes se tornaram uma enxurrada de patrocínios. É sobretudo o contexto em que o agressivo processo de empresarização dos clubes e da liga fazem que a Capital Federal perca dois clubes tradicionais “removidos” para regiões distantes por decisão das empresas que os controlam sob alegação de promover uma “expansão de mercado”. Foram os casos do Necaxa para Aguascalientes e do Atlante para Cancún (no extremo leste). Esse último ironicamente é conhecido como o clube do povo porém durante décadas foi um peregrino em diversos estádios na própria capital. Assim como a mais recente “remoção” do Monarcas Morelia para a cidade de Mazatlán (no noroeste) e passando a adotar novas cores e o novo nome de Delfines.

Casos de fusões e falências de clubes médios foram bem comuns ao longo das décadas. Certamente um trágico paralelo com a intensificação das migrações forçadas de camponeses nas últimas duas décadas dentro do México e cruzando a fronteira norte, por conta de uma mercantilização da sociedade sem freios. O aumento da importância econômica nas províncias de fronteira (terra das famosas indústrias ‘maquiladoras’ para venda ao mercado estadunidense) se refletiu no maior poder econômico e esportivo de clubes dessas regiões: como o Xolos de Tijuana e Dorados de Sinaloa no noroeste e principalmente os rivais Tigres e Monterrey, ambos no nordeste. Desafiando o tradicional monopólio das metrópoles Cidade do México e Guadalajara. Ironicamente, o impulso para a contravenção na atual sociedade mexicana contagiou os megaempresários do futebol com uma monopolização, pois se a FIFA não permite um único proprietário para mais de um clube isso na prática vigora no campeonato local!

Vale a pena destacar a seguir 3 causos curiosos sobre participações mexicanas na Libertadores:

O primeiro é de 2004, edição surpreendentemente vencida pelo Once Caldas da Colômbia. A rivalidade ‘pontual’ mais quente daquela edição foi entre São Caetano e o América. O Azulão, treinado por Muricy Ramalho, naquele ano foi campeão paulista, porém perdeu as duas partidas da fase de grupo para os mexicanos. Quem contavam com um bom centroavante chileno Reinaldo Navia e várias peças experientes da seleção mexicana: Duilio Davino, Pavel Pardo, German Villa e sobretudo o craque Cuauctemoc Blanco. No reencontro nas oitavas de final, o Azulão se superou e arrancou uma classificação heroica em um estádio Azteca lotado. Porém logo depois a confusão (ou “desmadre”) foi enorme: pela cotovelada de Blanco que nocauteou o lateral Anderson Lima e logo depois do apito final a provocação do atacante Fabrício Carvalho imitando uma águia para a torcida local. A imagem folclórica que ficou foi de um carrinho de mão (ou “carretilla”) atirado no campo! Mas também houve confrontos entre jogadores e roupeiros (ou “utilleros”) e a rápida invasão de torcedores ao gramado (uma evidência da influência barra brava sul-americana já presente naquela época) e por fim o vestiário se tornando uma trincheira para os jogadores paulistas.

Depois, o de 2008, é certamente o mais recordado pelos brasileiros. Pela grande surpresa da eliminação do Flamengo, recém campeão carioca, no Maracanã, e com show do gordinho paraguaio Salvador Cabañas. A partida na ida no Azteca deu aos rubro-negros a ótima vantagem de 4 a 2, porém visivelmente a ‘ressaca’ do título levou ao relaxamento na segunda partida: 3 a 0 com um gol de Esqueda e dois de Cabañas em chutes de fora da área desviados para vencer o goleiro Bruno. Fato poucos dias antes do atacante ser baleado na cabeça e milagrosamente sobreviver, porém tendo que se afastar do futebol profissional. A façanha do América continuou na fase seguinte eliminando outro brasileiro, o Santos, e somente parou nas semifinais para o futuro campeão LDU do Equador.

Por fim, em 2009, vencida pelo Estudiantes da Argentina, um fato inusitado que durante a transição da fase de grupos para o mata-mata o México foi tão atingido pela gripe (ou “suína que a solução ‘capenga’ encontrada pela Conmebol foi aceitar a desistência de San Luis e Chivas e automaticamente classificá-los para a edição seguinte. Com isso São Paulo e Nacional do Uruguai se beneficiaram com a vaga nas quartas de final sem ter que jogar as oitavas.

O cenário dos clubes no país possui basicamente quatro clubes considerados ‘nacionais’ por conta da concentração histórica de torcedores em várias regiões do país. E ainda com a vantagem de nunca terem sido rebaixados. Assim como são clubes que tem em comum identidades de cores e regiões que passaram intactas às mudanças empresariais já comentadas. Começando pelo América (ou “Águilas”), o clube mais popular por ter sido o escolhido para os investimentos da Televisa antes mesmo da Copa de 70 com sua famosa inovação da televisão a cores. Justamente a emissora que a cerca de 50 anos produziu os seriados Chaves e Chapolin e difundiu esse sucesso mundial—o que é certamente um dos legados culturais mais populares mundialmente do apogeu econômico mexicano de décadas anteriores. O México naquele contexto já era uma sociedade contraditória o suficiente para ter no futebol uma rara compra de um clube por uma empresa como essa citada (o que depois em tempos neoliberais se tornou banalizado).

Se o América se apresenta como o mais cosmopolita ao comprar estrelas internacionais, o Chivas de Guadalajara (que tem como rival “de patio” na cidade o Atlas), é o único fora da Capital Federal entre os grandes ‘nacionais’. Assim como se orgulha de ter sido fundado antes mesmo que o América. É o seu maior rival no país por representar rivalidades entre as cidades que vão além do futebol—sobretudo ao privilegiar os jogadores nacionais e por isso se apresenta como “los puros criollos” ou “sagrado rebaño”. Ironicamente houve entre 2004 e 2014 uma curta experiência que não permite falar que os Chivas sejam sempre tão ‘puros’ assim: instalaram uma franquia na Califórnia para aproveitar a forte migração de mexicanos para a região. Também na capital completam a quadra dos grandes: o Cruz Azul, identificado com a classe trabalhadora por conta da cooperativa de cimento em sua fundação; e o Pumas, identificado com os estudantes (o que inclusive o faz ter a primeira e mais organizada barra antifascista) por conta da imensa Universidad Nacional Autónoma de México. (Curiosamente durante os anos 50 e 60, portanto antes da construção do Azteca, o maior estádio do país era o Olímpico Universitário dentro do campus).

Essa lista não é proporcional aos títulos por deixar de fora alguns dos clubes mais vencedores porém vindos de regiões metropolitanas menores: como Toluca e León (o atual campeão). E sobretudo o Tigres, que tanto se agigantou na última década tanto com os vários títulos nacionais quanto a projeção continental com o vice na Libertadores de 2015 e finalmente o primeiro título da Concacaf de 2020, após seguidos vices. Logo depois obtendo a primeira classificação de um clube mexicano para a final do Mundial de Clubes, perdendo para o Bayern apenas por um erro flagrante de arbitragem. Equipe que tem como destaques já há algum bom tempo no clube o treinador brasileiro Tuca Ferreti, o goleiro argentino Guzman e o atacante francês Gignac.

Tigres
Tigres no Mundial 2020. Foto: Reprodução Facebook

Em síntese, entre futebol e política muitos desencontros nas últimas três décadas. Pois quando o intercâmbio futebolístico com os sul-americanos foi mais intenso isso dentro de campo intensificou a transferências de jogadores e treinadores, enquanto fora de campo contagiou com ‘aguante’ apenas as ‘porras’ que se tornaram ‘barras’. Mas no restante da estrutura do futebol mexicano ele se mostrou cada vez mais submisso ao ‘futebol moderno’. Muito por conta que foi quando também se intensificou a dependência objetiva e subjetiva com os inimigos do norte.

 

Leituras de Apoio

MAGAZINE, Roger; LÓPEZ, José Samuel Martínez. Las rivalidades futbolísticas y la distribución inter-urbana de poder: El caso de México. Esporte e Sociedade. Rio de Janeiro, n.17, 2011.

https://globoesporte.globo.com/blogs/meia-encarnada/post/2021/02/05/andre-pierre-gignac-o-frances-idolo-do-tigres-que-pode-ser-uma-pedra-no-sapato-palmeirense.ghtml

https://www.ludopedio.org.br/arquibancada/para-ler-o-mexico-atraves-de-seus-estadios-e-uma-pitada-de-david-harvey-na-conversa/

https://apuntesderabona.com/atlante-futbol-mexicano/

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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Clubes mexicanos. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 15, 2021.
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