107.6

Coelhão campeão brasileiro de 2017: contra tudo e contra todos!

Marcus Vinícius Costa Lage 6 de maio de 2018

Quem já viu seu clube do coração disputar a Série B do Campeonato Brasileiro provavelmente há de convir comigo: mais importante que vencer a competição é (re)conquistar o lugar na elite do futebol nacional. Esse lema é válido até mesmo para os chamados “grandes clubes” brasileiros, que ao serem eventualmente rebaixados, iniciam o campeonato com todas as credenciais de postulante – para não dizer favorito – ao título. E, se ele é válido para os “todo-poderosos” do nosso futebol, também haveria de valer para o meu América, um dos clubes que mais vezes frequentou o segundo escalão do futebol nacional e que, desde a instituição dos pontos corridos, consolidou-se como um dos participantes mais competitivos desse certame.[1]

Por isso, quando o árbitro Luiz Flávio de Oliveira apitou pela última vez no Independência, no dia 25 de novembro de 2017, decretando a vitória americana por 1 a 0 sobre o CRB diante de mais de 22 mil espectadores, aliás novo recorde de público do estádio, nosso sentimento era o de que havíamos, mais uma vez, alcançado um grande feito. Com esse resultado, obtido na 38ª e última rodada da competição, pudemos soltar o grito de “bicampeão” brasileiro da Segundona depois de vinte anos de nossa primeira conquista, nos igualando, assim, a outros cinco clubes brasileiros (Coritiba – 2007 e 2010; Goiás – 1999 e 2012; Palmeiras – 2003 e 2013; Paraná – 1992 e 2012; e Paysandu – 1991 e 2001) na condição de maiores vencedores da Série B.

Nosso título veio após uma campanha irretocável: nas 38 rodadas disputadas, vencemos 19 confrontos, empatamos outros 13 e fomos derrotados em apenas cinco oportunidades, o que nos rendeu 73 pontos e a dianteira isolada na tabela de classificação. Nossa sólida dupla de zaga, formada por Messias, jovem revelação da base, e o experiente capitão Rafael Lima, autor do “gol chorado” do título marcado com a coxa, e que, por pouco não esteve a bordo do fatídico voo que levava a delegação da Chapecoense à Medellín, ainda garantiu ao Coelhão o título simbólico de defesa menos vazada do Brasil em 2017 – se somados os clubes das Séries A e B –, com apenas 25 gols sofridos.

20171125191204_2
Rafael Lima comemora, com a torcida americana, o gol do título. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

De quebra, nosso acesso antecipado, conquistado na 35ª rodada do campeonato após vitória sobre o Figueirense por 2 a 1 em pleno Orlando Scarpelli, pôs fim à sina americana de jamais conseguir voltar à Primeira Divisão do Brasileiro logo no ano seguinte ao rebaixamento. Arriscaria a dizer, a esse respeito, que o América de 2017 foi um dos poucos clubes, à exceção dos “grandes”, que conseguiu essa façanha.

Mas, para que nossa campanha fosse verdadeiramente memorável, não nos bastaria quebrar tabus e prognósticos. Faltava-nos, nesse sentido, ao menos um último ingrediente. Um ingrediente que fosse capaz de atualizar, de forma ainda mais latente, uma das representações simbólicas centrais que nos une enquanto membros da “família americana”: a de que somos a resistência; que carregamos em nosso DNA a marca do protesto!

Mas o que isso, de fato, significa?

Traduzir sentimentos em palavras, por certo, não é tarefa das mais simples. De todo modo, me arriscarei nesse sentido apresentando alguns exemplos que representariam o significado simbólico dessa resistência do América e dos americanos. A começar, nesse texto, por uma situação que envolve a competição que venho descrevendo.

Provavelmente muitos se lembrarão que, antes mesmo que a bola rolasse, todos já previam qual seria o campeão da Série B de 2017. E esse favorito nem de longe éramos nós. Isso não apenas porque, no ano anterior, havíamos frequentado a zona da degola do Brasileirão durante quase toda a competição, sendo rebaixados com algumas rodadas de antecipação e com a pecha de pior competidor da história da Série A desde o ano de 2003. Tampouco porque, como já mencionei, jamais havíamos conquistado o acesso no ano seguinte ao rebaixamento. Ao contrário disso, não éramos considerados favoritos principalmente porque, entre nós, havia um clube da estirpe do Internacional de Porto Alegre. Um dos cinco clubes do país que ostentava a fama, até 2016, de nunca ter sido rebaixado no Brasileirão. Um clube também conhecido como o “campeão de tudo”, o “clube do povo”, o “rolo compressor”. Aquele, dentre todos os participantes da Segundona de 2017, que possuía o maior apelo midiático e a maior capacidade de investimento em seu plantel.

Apesar disso, o primeiro turno do Colorado não foi um dos mais alentadores para suas pretensões. Mesmo sem se afastar por completo do grupo dos quatro primeiro colocados, ao longo das primeiras 19 rodadas o desempenho da equipe gaúcha oscilou muito, especialmente dentro de casa. A ponto da imprensa estampar em manchete, na 12ª rodada, que atuar no “Beira-Rio [havia] vir[ado] um pesadelo para o Inter na Série B”[2]. Sem conquistar as tão almejadas vitórias em seus domínios, das arquibancadas, a equipe era hostilizada pelos torcedores que, não raras vezes, levavam sua fúria também para fora do estádio, confrontando a Polícia Militar e depredando o patrimônio do clube.

Sofrendo forte pressão de seus seguidores e dos jornalistas esportivos, logo na 3ª rodada a direção do clube demitiu o técnico e ex-zagueiro colorado, Antônio Carlos Zago. Vale lembrar que Zago havia conduzido a equipe à final do Gauchão no primeiro semestre com uma campanha razoável, sendo derrotado na decisão pelo surpreendente Novo Hamburgo. Para seu lugar, trouxeram Guto Ferreira, que, muito embora viesse comandando satisfatoriamente o Bahia na Série A, não teve a recepção mais calorosa do mundo em Porto Alegre.

Mesmo que aos trancos e barrancos, como era de se esperar, o Inter foi impondo-se aos adversários, especialmente no segundo turno. Enquanto isso, e com muito mais discrição, o América se gabaritava ao acesso e à conquista do campeonato, terminando o primeiro turno na liderança, seguido de perto pelos gaúchos. Nesse momento, começava engrossar, junto às fileiras americanas, uma tese comumente veiculada entre os arquibaldos do Independência, de que o poderio do favorito não se restringia ao campo de jogo.

20171125182333_1
Rafael Lima durante a partida contra o CRB. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Traduzindo essa voz, no dia 25 de agosto, Paulo Vilara, colunista do portal Super Esportes e do jornal Estado de Minas, escreveu uma crônica, sugestivamente intitulada “Atenção! Já sei quem vai ser o campeão”[3], denunciando o que ele chamou de “esquema da manipulação” em favor dos gaúchos tramado pelas “apodrecidas” “CBF, responsável pela Comissão de Arbitragem, e Rede Globo, que ‘comanda’ os desmandos no Brasil e no futebol brasileiro”. Na ocasião, a competição chegava à sua 22ª rodada e o Internacional reassumia a dianteira da tabela de classificação, desbancando justamente o América, líder desde a 16ª rodada.

Muito embora o Colorado permanecesse no topo da classificação entre a 24ª e 34ª rodada, a partir de então América e Inter passaram a travar um duelo a parte na Série B. Enquanto isso, nós, americanos, continuávamos denunciando, rodada após rodada, o funcionamento do que acreditávamos ser o “esquema pró-Inter”. Nesse sentido, concluída a 31ª rodada, Paulo Vilara publicava outra irônica crônica intitulada “Continuo sabendo quem vai ser o campeão”[4], recuperando e atualizando algumas trapalhadas da arbitragem a favor dos gaúchos. E, dias antes da rodada derradeira, ainda temerário quanto aos destinos da competição, o representante americano na imprensa esportiva local tornava ainda mais ácida sua denúncia às possíveis manipulações existentes no futebol brasileiro, publicando o texto “América x Rede Globo/CBF”[5], cujo subtítulo ostentava a seguinte afirmação: “Torço para que o América derrote o CRB e jogue uma pá de cal na podridão alheia”.

Muito provavelmente o nobre leitor irá dizer que essa estratégia discursiva de estender o favoritismo de alguns clubes para os bastidores do futebol não é exclusividade dos americanos. E eu terei de concordar, em partes, com isso. Todavia, em uma outra oportunidade, que, espero, aconteça em breve, tentarei demonstrar como o título de 2017, e outras situações semelhantes, contribuem para reforçar a ideia de que, independente da disputa em que nós, americanos, estamos envolvidos, temos que lutar sempre, contra tudo e contra todos!

Dá-lhe Coelho!

[1] Ver a esse respeito, o post “Somos força de primeira na Série B, mas queremos nos manter na Série A”, de Sérgio Tavares Salviano, publicado no blog americano “Decadentes”. Disponível em: <goo.gl/V58CkL>.

[2] Ver matéria “Como Beira-Rio virou um pesadelo para o Inter na Série B”, da espn.com.br, em: <goo.gl/9MKdZA>.

[3] Disponível em: <goo.gl/VeaHjz>.

[4] Disponível em: <goo.gl/1ndB8p>.

[5] Disponível em: <goo.gl/gTpBhc>.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Marcus Lage

Bacharel, Licenciado e Doutor em História. Mestre em Ciências Sociais. Pós Doutor em Estudos Literários. Professor do Instituto de Educação Continuada da Puc Minas. Torcedor-militante do América! Se aventurando pelo mundo da crônica!

Como citar

LAGE, Marcus Vinícius Costa. Coelhão campeão brasileiro de 2017: contra tudo e contra todos!. Ludopédio, São Paulo, v. 107, n. 6, 2018.
Leia também:
  • 169.20

    Quem já viu Sissi, Julianas e companhia…

    Marcus Vinícius Costa Lage
  • 168.16

    Éder Aleixo medroso, só na “Roça Grande”

    Marcus Vinícius Costa Lage
  • 154.34

    Gil César Moreira de Abreu e os estádios da ditadura

    Lucas Ferreira Estillac Leal, Marcus Vinícius Costa Lage