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Como o acervo de um clube pode contribuir na produção de conhecimento histórico

João Paulo Streapco 6 de janeiro de 2010

Nas últimas décadas, os métodos de produção de conhecimento histórico sofreram alterações consideráveis, dentro daquilo que alguns estudiosos chamam de quebra de paradigma. Não foi uma mudança restrita ao campo de atuação dos historiadores e implicou no alargamento de fontes, temas e métodos e na incorporação de metodologias utilizadas por outras disciplinas acadêmicas como a antropologia e a psicologia.

O futebol entrou na agenda acadêmica em decorrência destas mudanças. Salvo algumas iniciativas, o futebol não despertava o interesse da comunidade historiográfica brasileira, até então. Este cenário se alterou nos últimos anos, com a publicação de diversas pesquisas em centros acadêmicos importantes como Unicamp, PUC-SP e a USP, a criação de disciplinas de pós-graduação com vistas à fundação de núcleos de pesquisa (História Sociocultural do Futebol, no Departamento de História da USP) e o aparecimento de diversos grupos de estudo sobre o tema (na USP, na Unicamp e em outras universidades do país).

Alguns autores afirmam que se trata de um fenômeno cultural especial em nossa sociedade, aquele momento em que ela se descortina e se deixa perceber em seus preconceitos, conflitos, arranjos políticos, econômicos e sociais . Momento ímpar para se debater todos seus aspectos constituintes.

No entanto, além de ser um importante fenômeno cultural brasileiro do século XX, produziu um acervo documental vasto que permanece pouco trabalhado. Documentos escritos como atas, jornais, revistas e livros, coleções de imagens como filmes e fotografias, bandeiras, taças e troféus que podem apresentar informações importantes sobre a sociedade brasileira dos últimos cem anos esperam o contato com os pesquisadores.

Estudos de toda ordem podem ser desenvolvidos e nesse artigo gostaria de me fixar em torno da importância dos Memoriais de Conquistas ou Salas de Troféus dos clubes para a preservação da memória de uma determinada coletividade e para a produção de conhecimento em história. Em outras oportunidades analisaremos outras fontes documentais.

Nos últimos anos, alguns clubes perceberam o potencial turístico representado pela própria história do time de futebol e transformaram a antiga Sala de Troféus em Memorial de Conquistas, um pequeno museu com curiosidades dos times, documentos relevantes, ampla iconografia, taças e troféus, e em alguns casos, acesso ao estádio, nas proximidades do gramado.

O volume de documentação disponibilizado nestes espaços prova que existe um vasto material que deve ser analisado e transformado em conhecimento pelos especialistas. Parte importante da memória brasileira está guardada dentro destas coleções e podem contribuir para uma melhor compreensão de nossa sociedade e seus dilemas atuais.

Surpreende a inexistência de estudos sobre as coleções de taças e troféus, uma análise sobre as formas, materiais utilizados e tamanhos, seus significados e significantes. As fotos dos times campeões ou simplesmente marcantes apresentam o formato dos uniformes e as mudanças da corporeidade no decorrer do século XX. Também contribuem para a compreensão da expansão urbana nos arrabaldes dos campos e estádios de futebol.

As áreas destinadas às fotos de presidentes permitem uma análise da estrutura diretiva do futebol brasileiro desde seus primórdios, suas relações com as demandas econômicas e políticas da sociedade, além de sugerir eventuais alterações no perfil dos aficionados de determinado clube. A análise de atas, além de desvendar a prática cotidiana de poder dentro dos clubes, pode ajudar a esclarecer aspectos econômicos fundamentais nos processos administrativos.

A intelectualidade brasileira despertou para esta demanda, e existe espaço para diversos projetos que devem ser levados adiante mediante o rigor dos métodos científicos que cada disciplina acadêmica desenvolveu. É preciso, no entanto, que todos que gostam de futebol, sócios, dirigentes, intelectuais ou torcedores, tenham a consciência da importância destes espaços e contribuam no enriquecimento e preservação destes espaços de memória de nossa sociedade.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Paulo Streapco

Mestre em História Social pela FFLCH - USP, onde apresentou a dissertação intitulada "Cego é aquele que só vê a bola. O futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S. E. Palmeiras e São Paulo F. C. (1894 - 1942)."

Como citar

STREAPCO, João Paulo. Como o acervo de um clube pode contribuir na produção de conhecimento histórico. Ludopédio, São Paulo, v. 07, n. 1, 2010.
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