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Como viver sem futebol?

Leitor, leitora, talvez, em algum momento, você já teve contato com a seguinte máxima: a gente só dá valor quando perde. Ultimamente, em tempos de pandemia da Covid-19, distanciamento social e mudanças drásticas em minha rotina agitada, venho pensando muito nesse dito popular. Mesmo que seja uma frase um tanto clichê e reducionista, ela pode até funcionar em alguns contextos: faculdade, barzinho, cinema, teatro, festa… mas não no futebol. Afinal, desde que me entendo por gente, dou (muito) valor a ele, independente do que esteja acontecendo no mundo. O futebol é presente em minha vida desde criança, e não imagino minha existência sem ele; aliás, repare esta injustiça: antes de sequer tentar imaginar tal realidade, já estou passando por ela.

Porém, de certa forma, a frase que citei no primeiro período deste texto pode ser válida a partir da seguinte perspectiva: quando estamos sem o futebol, experienciamos nossa vida sem ele, e evidentemente, não gostamos. E aqui, não me refiro àquelas semanas (chatas, por sinal) entre as temporadas, porque nesse caso, mesmo desamparados (as), sabemos que o futebol irá voltar – e o mais importante, quando irá voltar. Atualmente, a maior angústia concentra-se no fato de que ainda não há previsão para seu retorno. Agora, a prioridade é, evidente e corretamente, a saúde pública: eventos esportivos também atraem aglomerações, portanto, precisam permanecer paralisados até que a situação seja normalizada e a pandemia passe.

Fato é que nos acostumamos a assistir a jogos toda semana, ir ao estádio, acompanhar comentaristas, ler notícias, tweets e rumores do mercado da bola, e por aí vai. Porém, logo em meados de março deste ano, milhões de pessoas em todo o mundo tiveram suas rotinas mudadas repentinamente, e o futebol, parte considerável do cotidiano, consequentemente, foi atingido. Fato tão imprevisível quanto um time com 4 jogadores expulsos ganhar de goleada de outra equipe completa.

Até o presente dia em que escrevo este texto, estamos sem o futebol ao vivo e a cores. Bom, por enquanto, só temos a parte do “a cores”. Com os campeonatos paralisados, o SporTV, por exemplo, está fazendo enquetes com os torcedores nas redes sociais. Essa “democracia virtual” está gerando engajamento e decidindo quais jogos históricos, finais de campeonato e/ou clássicos inesquecíveis são veiculados para quem pode ficar em casa durante o distanciamento social. E no último dia 26 de abril, a Globo reprisou o tetra do Brasil, na Copa de 1994. O morno empate sem gols contra a Itália, que foi para os pênaltis, finalizados por aquela fatídica cobrança, isolada por Roberto Baggio. 

 

26 anos depois, Arrigo Sacchi comanda a Itália contra o Brasil em amistoso das seleções de master. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Certa vez, Arrigo Sacchi, o técnico da seleção italiana vice-campeã dessa Copa, disse: il calcio è la cosa più importante delle cose non importanti. Traduzindo: o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes. A frase se tornou uma máxima, e já perdi a conta de quantas vezes a li em textos e posts nas redes sociais. Mesmo assim – e talvez por isso mesmo – , discordo dela.

Analogamente ao que penso da frase do primeiro parágrafo deste texto, defendo que o ex-técnico da Itália foi superficial em sua fala. O futebol é sim, algo importante; mas não, não vem em segundo plano. Ele perpassa por vários contextos das nossas vidas, está na política, na cultura, na sociedade. Está em nossos modos de pensar, e até de interpretar uma determinada situação, mesmo que de modo inconsciente. Pensá-lo meramente como um pano de fundo pode omitir inúmeras conexões, cruciais para entendê-lo como algo além da condição (já importante, por si só) de esporte. Sendo o futebol indissociável da sociedade, arrisco dizer que ele é a coisa mais importante, dentre as mais importantes.

https://twitter.com/gustavovillani/status/1254801503551926272

Diante desta breve ode ao futebol, me resta afirmar: meus principais questionamentos neste angustiante período estão sendo resumidos a: “Como viver?” e logo depois, “Como viver sem futebol?”. Ainda estou tentando descobrir.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Beatriz Kalil Othero

21 anos | Jornalismo (UFMG).Produtora, apresentadora e comentarista e do programa esportivo Óbvio Ululante, da Rádio UFMG Educativa. Faz parte do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcida (GEFuT) e integra a equipe de Jornalismo da Rádio UFMG Educativa. Também escreve crônicas sobre jogos de futebol para o Portal BHAZ.

Como citar

FERNANDES, Beatriz Kalil Othero. Como viver sem futebol?. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 12, 2020.
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