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Contos de Futebol no Brasil – Parte III

Hoje, daremos continuidade à série “Contos de Futebol no Brasil”, que foi iniciada em 06 de dezembro de 2021 (Parte I) e teve uma segunda parte publicada em 17 de janeiro de 2022 (Parte II). Seguindo o mesmo procedimento, selecionamos mais cinco contos, todos publicados na década de 1980, que serão apresentados, brevemente, a seguir: “Que horas são” (1985), de Edla van Steen, “Pênalti!” (1984), de Marcos Rey, “A solidão do goleiro” (1984), de Flávio Moreira da Costa, “Escanteio” (1983), de Anna Maria Martins, e “É gol”, de Ignácio de Loyola Brandão.

Edla van Steen
A escritora e dramaturga Edla van Steen. Foto: Facebook/Reprodução

 

“Que horas são” (1985), de Edla van Steen – a dura realidade do presente e a memória do passado de glória

O conto “Que horas são?” foi publicado, originalmente, no livro Até sempre (1985), da escritora catarinense Edla van Steen. Filha de um diplomata belga, Edla nasceu em 1936 na cidade de Florianópolis e faleceu em 2018, em São Paulo. Os vários prêmios recebidos ao longo de sua carreira, nas áreas de cinema, literatura, artes e teatro, atestam o reconhecimento que Edla van Steen recebeu da crítica. Entre os mais de 30 livros publicados, encontram-se contos, romances, entrevistas, peças de teatro e livros de arte. Entre eles, figuram os romances Antes do amanhecer (1997) e Madrugada (1992), o livro de contos Cheiro de amor (1996), e o livro infanto-juvenil O presente (2001).

No conto “Que horas são?”, um narrador em 3ª pessoa, onisciente e extradiegético, narra sobre a trajetória de duas personagens referenciadas, inicialmente, pelos pronomes “ele” e “ela”. “Ele”, Edu, é um “ex craque”; “ela”, Rosa, é sua esposa. Aliás, o ponto de vista do narrador, em determinados momentos do conto, parece se confundir com os pontos de vista das personagens, demonstrando seu alto grau de literariedade. No primeiro dia de uma edição de Copa do Mundo, Rosa percebe o sofrimento do marido em lidar com a memória do passado:

Rosa se vira na cama. Sabe que Edu está nervoso. Tem um detalhe que não falha: o assobio de quem não quer nada. É um som fininho, abafado, monótono. Um ruído para distrair a tensão, se é que existe alguma naquela cuca infeliz, além de fantasmas e alucinações, claro. Um gramado verde, ele correndo atrás da bola, a torcida delirante de pé? A copa do mundo – mais uma – começa esta tarde. E ele sofrerá e beberá até cair. As garrafas de pinga estão prontas no aparador. É pegar e encher a cara. (STEEN, 1998, p. 99)

Essa passagem do conto evidencia também todo o trabalho com o eixo temporal, em que se afiguram o passado (através da memória do ex craque), o presente (a percepção do sofrimento de Edu por Rosa) e o futuro (o pressentimento de que Edu buscará uma fuga na bebida). Nesse jogo entre um “antes” e um “agora”, restam as lembranças de um passado de glória, documentado pela imprensa da época e registrado em fotos, e a dura realidade do presente e a amargura do fim da carreira. As manchetes aparecem em caixa alta e as fotos são indicadas, em sua ausência, de maneira sucinta e descritiva, entre parênteses:

EDU, FUTURO ASTRO DO FUTEBOL BRASILEIRO?

O CHUTE QUE VALE OURO. E A MAIS IMPRESSIONANTE

REVELAÇÃO DESDE LEÔNIDAS DA SILVA

(Fotos do jogador sorridente, no vestiário/no campo/no estádio)

Antes, abraçado pela multidão e aplaudido nas manchetes dos jornais. E agora? Agora ele se senta sozinho no sofá (as molas quebradas rangem) porque tem mania de comer olhando a rua. Bem feito. (STEEN, 1998, p. 99-100)

Mas Rosa também tem sua insatisfação. O narrador onisciente, que parece assumir a perspectiva de Rosa, pontua, em um procedimento de simetria em relação à trajetória do jogador, o fim da carreira da esposa de Edu, uma atriz de teatro de revista, com o casamento, igualmente noticiado e registrado em fotos pela imprensa:

ROSA DE CARLI ABANDONA A NOITE POR EDU.

A VIDA NOTURNA PERDE UMA ESTRELA.

EDU E ROSA: MARIDO E MULHER

(Fotos dos noivos no carro/na escada/no altar)

Ela vive lembrando coisas – afunda o rosto no travesseiro. A cabeça como que flutua no espaço, por alguns instantes. Os flocos de espuma parecem o quê? Vísceras. Que idéia mais louca. Acabei tão doida quanto ele. (STEEN, 1998, p. 100)

O conto “Que horas são?” parece apontar para três momentos específicos: o da década de 1950, quando Edu era considerado um craque e quase disputara a Copa; o do final de carreira, após uma lesão fatal, registrada pelas manchetes e fotos; o outro seria o contexto final do conto, quando Edu está diante da televisão, para assistir a uma partida de Copa do Mundo:

EDU EM PERIGO: VOLTARÁ A JOGAR?

OPERADO ONTEM O ATACANTE DA VILA.

SEIS MESES DE MOLHO PARA EDU

(Fotos do craque se contorcendo no campo / na padiola / e no hospital) (STEEN, 1998, p. 102)

O conto de Edla van Steen é uma descida às profundezas do sentimento humano, em que a angústia e a insatisfação do casal se tornam onipresentes em uma crise conjugal: “― Que horas são? Ela finge dormir. Dia de jogo é um inferno, ele pergunta as horas sem parar.” (STEEN, 1998, p. 100). O final trágico já se anunciava: Edu sofre um infarto fulminante diante da TV, que exibe imagens dos jogadores brasileiros perfilados para cantar o Hino Nacional, em partida pela Copa da Argentina:

No vídeo os times entram em campo. Estádio argentino lotado. Enquanto o locutor anuncia a escalação, ele prepara mais alguns goles. Edu fixa a TV, pálido. Branco que nem vela: estaria vendo a si a se perfilar para o Hino Nacional? Um fio de baba escorre da boca e no olhar, a expressão de quem já se foi.

ENFARTE MATA EX-CRAQUE. ÍDOLO DOS ANOS 50

MORRE DE EMOÇÃO DURANTE A COPA DE 78.

(Sem fotos) (STEEN, 1998, p. 103-104)

Por fim, o título do conto aparece como uma espécie de bordão repetido constantemente por Edu. A preocupação com o tempo só cessa com a morte da personagem, ao final do conto. Mais uma vez, evidencia-se algo muito comum na ficcionalização do futebol: a curva trágica das personagens, que se reflete em carreiras interrompidas (pelo casamento, no caso de Rosa, e pela lesão grave, no caso de Edu) e na morte do ex craque, após anos de memórias dolorosas de um passado de glória que ficou para trás e de fuga na bebida. Ao final, não há mais fotos, apenas as manchetes que anunciam o fim trágico de Edu.

Marcos Rey
Marcos Rey. Foto: Wikimedia Commons

 

“Pênalti!” (1984), de Marcos Rey – uma partida de futebol envolta em tensão e com desfecho inusitado

O conto “Pênalti!”, do escritor, jornalista, redator de rádio e TV e roteirista paulistano Marcos Rey (pseudônimo de Edmundo Donato; 1925-1999), foi publicado, originalmente, no livro Os especiais (1984). Entre suas várias obras, destacam-se os romances Café na cama (1960), Memórias de um gigolô (1968) e A sensação de setembro (1989), e os livros de contos Soy loco por ti, América (1978) e Cão da meia noite (1998). Um dos grandes nomes da série literária brasileira, Marcus Rey sempre destacou o contato com a escrita e a leitura desde muito cedo, além de ter, mais tarde, atuado nos âmbitos do Rádio e da TV, e se dedicado à literatura. Sua produção literária, em geral, é ambientada no espaço urbano de São Paulo, sua cidade natal.

Inicialmente, ressalta-se que o conto “Pênalti!” se configura por uma narrativa estruturada a partir de um narrador em 3ª pessoa, onisciente e extradiegético, marcada por um linguajar coloquial e por expressões do jargão futebolístico. Duas personagens se destacam no conto: o atacante Beto, dos “preto e branco”, e o goleiro Almir, dos “verdes”. Como o próprio título do conto indica, o momento decisivo para o desenvolvimento narrativo é o pênalti, a infração capital frequentemente explorada em termos estéticos, por representar o ápice da tensão, sempre bem vinda à ficção, podendo ser o momento de consagração ou fracasso do goleiro e do batedor, portanto, com possibilidade de euforia ou disforia, ainda mais nos últimos minutos de uma partida decisiva:

Estava zero a zero no final, o público se retirando, o juiz já de charuto na boca. Aquele empate doía para os preto-e-branco, era o último jogo. Sem vitória, miau o campeonato.

O Beto, o mais afoito dos bicolores, queria sair de campo carregado, de herói. Decidiu residir na área, chutar todas de primeira e cabecear qualquer bola que pingasse no chuveiro, operando na base do pontapé e da cotovelada. Desespero, sim, mas não podia dar outra. (REY, 1998, p. 33)

Desse modo, Beto, o atacante dos “preto-e-branco”, tenta se impor de diversas formas sobre os adversários: “Beto não engolia os verdes, todos conheciam sua velha bronca, a antiga marra que lhe dava aquele fôlego, aquelas pernas que faziam dele o furacão da linha bicolor.” (REY, 1998, p. 33). E é dessa insistência que Beto acaba por sofrer um pênalti ao ser derrubado dentro da área por um zagueiro adversário, infração prontamente assinalada pelo árbitro:

O juiz, em cima do lance, viu e registrou: pênalti.

A confusa se estabeleceu. Fanáticos, dum lado e de outro, invadiram o campo. Aquilo de valeu, não valeu. Edmar, o ignorante que fizera o pênalti quis questionar. Zico roubou a bola. Almir, encagaçado, ameaçava abandonar o gramado. O juiz não queria papo e apontava para a marca. (REY, 1998, p. 34)

Todavia, o maior problema foi definir o cobrador da penalidade máxima, pois, segundo o narrador, ninguém queria assumir a missão, nem mesmo Beto. Porém, como nenhum companheiro do time “preto-e-branco” se apresentou e o público clamava por Beto, não teve outro jeito: “― Beeeeto! Beeeto! Beeeto!” (REY, 1998, p. 35) Toda a preparação para a cobrança do pênalti é marcada por grande tensão gerada pelo enfrentamento entre Beto e Almir, e pelos gritos da assistência, “o publicão”, conforme relata o narrador:

Beto foi para a marca com uma sensação esquisita no estômago. Viu o couro nas mãos do Dudu e o juiz atento. Preferia que os verdes partissem pra baderna, não aceitassem o pênalti. Mas já pareciam conformados e com muita esperança que ele chutasse fora ou nas traves. Almir se movimentava, flexionando. Em todo o campeonato fora o melhor goleiro, o menos vazado e defendera um montão de pênaltis. Sempre adivinhava de que lado vinha o tiro. Olhou o publicão. Sabia que era meio a meio. A metade apostava que saía gol e a outra rezava para que errasse. (REY, 1998, p. 35)

Embora Beto perca o pênalti, em chute defendido facilmente por Almir, o juiz determina que a cobrança seja repetida: “― O goleiro se mexeu antes do apito.” (REY, 1998, p. 36). Dessa forma, prolonga-se a tensão narrativa a partir da necessidade de uma nova cobrança de pênalti e com todos os preparativos para ajeitar a bola e, finalmente, desferir o chute. Entretanto, a longa tensão é interrompida pela presença de duas figuras inusitadas à beira das quatro linhas:

Beto ia soltar a bomba quando viu D. Guimar. Era sua mãe e outra mulher, D. Alzira, a mãe do Almir.

― Cabulando a escola outra vez! ― gritou D. Guiomar.

A mãe do Almir, a conhecida gorda, entrou na área e deu uma bofetada nele. Mas não ficou só, foi levando ele de orelha para fora do campo. […] Beto não deixou D. Guiomar pôr a mão nele, driblou a velha e pinicou para a rua. Vexame! Num minuto não tinha mais ninguém no terreno baldio. (REY, 1998, p. 37-38)

Portanto, o conto se encerra inesperadamente sem a cobrança do pênalti, pois o jogo é interrompido pelas mães de Beto e de Almir. Com isso, revela-se o caráter daquela “partida”: um jogo entre garotos num terreno baldio, e não um jogo de várzea com torcedores ao redor do gramado. Inclusive, é inevitável a associação do âmbito ficcional em relação aos times e suas cores, enquanto características identitárias, com equipes da cidade de São Paulo: o Sport Club Corinthians Paulista, os “preto e branco”, e a Sociedade Esportiva Palmeiras, os “verdes”, e essa suposição ganha respaldo quando consideramos que, no conto, por algumas vezes, o termo “timão”, um dos epítetos do Corinthians, é enunciado pelo narrador como alusão aos “preto e branco”. Com isso, o conto transmite uma imagem do futebol brasileiro como esporte e lazer que tanto fascina aos garotos.

Todavia, o leitor é convidado a revisitar algumas passagens pouco antes desse desfecho inusitado com a chegada das mães de Beto e de Almir, que já traziam indícios de que havia algo de estranho naquela partida, que seria encerrada de forma abrupta: “[…] O juiz enfiou o charuto na boca, ia trilar. Beto ficou vai-não-vai. Recuou dois metros. Ia chutar no lado direito e não com muita força para a bola não subir sobre o muro e quebrar alguma vidraça” (REY, 1998, p. 37). “Muro”? “Vidraça”? Não é um estádio? Não é um campo? O que esse aspecto representa para a estrutura do conto? Até então, não havia qualquer indício de que a partida não estava sendo disputada por adultos em um campo de futebol, mesmo que de várzea, sem construções próximas em seu entorno, e com público acompanhando o jogo. Assim, percebe-se que o final inusitado acaba iluminando outras passagens da história, anteriormente enunciadas, ressignificando-as.

Permanece, entretanto, uma questão em aberto, significativa para a própria estruturação do conto: de quem seria a perspectiva? Dos garotos, que fantasiam a importância da partida? Do narrador? Seria uma mimetização de uma partida de futebol, com equipes, arbitragem e assistência, em um jogo disputado como entretenimento e lazer por garotos ao “cabularem” a aula do colégio? Essa indecidibilidade, aliás, é resultado do alto grau de literariedade do conto de Marcos Rey, um mestre dos disfarces e da narrativa urbana.

Flávio Moreira da Costa
Flávio Moreira da Costa. Foto: Reprodução

“A solidão do goleiro” (1984), de Flávio Moreira da Costa – a solidão na vida e debaixo das traves

O conto “A solidão do goleiro”, do escritor, jornalista, editor e crítico gaúcho Flávio Moreira da Costa, foi publicado, originalmente, no livro de contos Malvadeza Durão (1982). Entre suas várias obras, destacam-se os romances A perseguição (1973), Às margens plácidas (1978) e O país dos ponteiros desencontrados (2004), e os livros de contos Os espectadores (1978) e Nem todo canário é belga (1998). Flávio Moreira da Costa notabilizou-se também por ter organizado duas antologias de contos de futebol: Onze em campo e um banco de primeira (1998) e, respectivamente, 22 contistas em campo (2006), conforme bem aponta Walter Serpa no artigo “Moreira da Costa F.C.”, publicado em 08 de novembro de 2021.

O conto “A solidão do goleiro” se inicia com uma locução de rádio que anuncia a partida e a tensão de uma cobrança de pênalti contra a Seleção Brasileira em uma final de Mundial:

LOCUTOR – ‘… pois não se desesperem, amigos e torcedores. […] Espanha e Brasil neste final dramático de segundo tempo, dois a dois no marcador; […] Brasil e Espanha num jogo decisivo pelo título mundial, e o Brasil agora com este pênalti atravessado na garganta; Pra frente, canarinhos! O Brasil confia em vocês. Agüenta a mão, Goleiro de Ouro, fecha tuas portas…’ (COSTA, 1998, p. 93)

A voz de locução, no texto, é grafada em itálico, diferindo-se, visualmente, das passagens em que predominam a voz narrativa e os diálogos entre as personagens. Como se nota, trata-se de uma partida fictícia reunindo as seleções do Brasil e da Espanha em uma final de Mundial, em que, mais uma vez, um lance capital surge como aquele que pode ser de euforia ou de tragédia: o pênalti. E, conforme o próprio título destaca, uma personagem é o foco das atenções: o goleiro em sua solidão. Devemos lembrar que a própria função do goleiro abre margem para esse tipo de interpretação. Pois o goleiro, segundo José Miguel Wisnik, “é um ser de exceção e, nos momentos cruciais, um solitário”, e, “[s]e for feliz, o goleiro transforma-se de tabu em totem”; “Se não for, é o favorito natural para o bode expiatório” (WISNIK, 2008, p. 137-138).

Ainda sobre a partida fictícia, é de conhecimento geral de que, nas edições da Copa do Mundo disputadas até o presente momento, o Brasil nunca decidiu título contra a Espanha. As duas seleções se enfrentaram em algumas edições, entre elas, na Copa de 1950 (e o famoso episódio da marchinha de carnaval “Touradas em Madri”, entoada por milhares de torcedores nas arquibancadas do recém-inaugurado Estádio Municipal, em uma goleada categórica pelo placar de 6 a 1, na fase do Quadrangular Final) e na Copa de 1978 (empate por 0x0, em partida disputada pela 2ª rodada do Grupo C, em Mar del Plata), mas nunca em uma Final de Copa do Mundo. Portanto, para um leitor versado na história dos Mundiais, o caráter fictício do conto, de início, salta aos olhos. Aliás, o placar no momento em que o árbitro marca pênalti, aos 35 min. do segundo tempo, em favor da Espanha é de 2 a 2 (COSTA, 1998, p. 93).

Em seguida, temos o início da narrativa propriamente dita. O conto “A solidão do goleiro” se estrutura a partir de um narrador em 3ª pessoa, onisciente e extradiegético. Ao longo do conto destacam-se duas personagens que permanecem inominadas: o “Goleiro” e o “Técnico” da Seleção Brasileira, que assume uma posição paternal em relação a seus comandados. Há dois eventos centrais no conto: um deles, extra-campo, diz respeito à vida íntima do goleiro: sua esposa teria um amante; o outro, uma partida – fictícia – de decisão de campeonato, disputada no Maracanã entre as seleções do Brasil e da Espanha. Esses eventos correspondem também à própria estrutura do conto, que apresenta duas partes: “CONCENTRAÇÃO” (COSTA, 1998, p. 94-97) e “O JOGO DECISIVO” (COSTA, 1998, p. 97-98). Além disso, com relação ao eixo temporal, o conto “A solidão do goleiro” se inicia no momento tenso que antecede à cobrança de pênalti, porém, o narrador anuncia entre parênteses, como se fosse algo partilhado, intimamente, com o leitor, que um flashback seria necessário: “(Mas, não, esta história precisaria começar antes. Não muito, apenas um dia antes, quando os jogadores do Brasil ainda se encontravam na / CONCENTRAÇÃO)” (COSTA, 1998, p. 94). E será a partir desse ponto que a trama se desenvolverá, até que se retorne, novamente, ao ponto inicial: o da cobrança do pênalti.

Na concentração da Seleção Brasileira, o goleiro é vencido pela insônia motivada pela desconfiança de que sua esposa teria um relacionamento amoroso extraconjugal, de modo que o sentimento de solidão se estabelece em dois níveis: na vida e no jogo. Incomodado pelos pensamentos, o goleiro tem permissão do técnico para sair da concentração de madrugada e ir até sua casa, no bairro das Laranjeiras. Inclusive, o próprio treinador o leva até lá de carro:

― Pois então põe a roupa.

O Goleiro olha pro Técnico, sem entender.

― Anda, veste a roupa. Vamos até a tua casa, pra terminar com esta cisma. Num pulo a gente volta. Mas não conta pra ninguém, porque jogador meu eu não permito sair da concentração. Teu caso agora é excepcional, prefiro te ver tranquilo, sem esse grilo, senão amanhã vai ser uma tragédia. (COSTA, 1998, p. 95-95)

Preocupado com a insônia do goleiro, que, certamente, comprometeria seu desempenho na partida, o treinador acaba por se envolver em algo de foro íntimo, acompanhando-o até sua casa. Todavia, a cisma do goleiro se confirma:

[…] O Técnico apaga o cigarro e, meio sem jeito, segue o Goleiro. Vão até a porta do quarto, semi-aberta.

Dormiam. Na cama, dois corpos: um homem deitado ao lado da mulher, da mulher do Goleiro.

Como entraram, os dois saem: na ponta dos pés, em silêncio. Já na rua, o Técnico procurava palavras:

― É, parece que você tinha razão…

― Tudo bem, eu só queria ter certeza. Agora que sei mesmo, é só passar esse jogo e me separo. Nem volto pra casa. Eu tava querendo mesmo viver sozinho. (COSTA, 1998, p. 96)

Portanto, no conto de Flávio Moreira da Costa, o extra-campo é decisivo para estabelecer uma relação trágica para o goleiro dentro das quatro linhas. Ao contrário de outros contos, em que o trágico no momento do pênalti, em geral, recai sobre o batedor, em “A solidão do goleiro” quem sofrerá é o goleiro, ao fracassar na tentativa de defender um pênalti assinalado contra a Seleção Brasileira, por não ter aceitado o conselho do treinador que queria barrá-lo e substituí-lo após o ocorrido na madrugada:

[…] Não vai ser no banco de reservas que eu vou dar a volta por cima. Eu estou bem, pode acreditar, se ainda estivesse na dúvida, ia ser pior. Agora eu sei que estou sozinho mesmo, sozinho na vida e sozinho debaixo das traves. Isso é uma característica nossa, dos goleiros: quando vem a bola, se está sempre sozinho de frente do chute. E é assim que ele tem de aprender a se virar. (COSTA, 1998, p. 97)

Por fim, há um emolduramento do conto através da locução de rádio inicial e final. O goleiro não consegue defender o pênalti, e a derrota da Seleção Brasileira se anuncia. Porém, o conto se encerra em aberto:

LOCUTOR – … o que é isso, minha gente! Não dá para entender, simplesmente não dá pra entender; o melhor goleiro do Brasil nem sequer se mexeu, senhores. […] É o maior frango da história do futebol brasileiro, meus amigos. O que é isso, Goleiro de Ouro? […] Faltam agora poucos minutos para terminar a partida, a única possibilidade que nos resta é o empate, assim mesmo vai ser difícil… O desânimo começa a descer sobre os brasileiros… (COSTA, 1998, p. 98)

O tom final do conto de Flávio Moreira da Costa é de pessimismo enunciado na locução radiofônica, frente a uma premonição da irreversibilidade do resultado, como, aliás, aconteceu em alguns momentos trágicos da Seleção Brasileira: no “Maracanazo”, em 1950, e na “Tragédia do Sarriá”, em 1982, famosos momentos disfóricos (da perspectiva brasileira) que alimentaram por décadas mitos da derrota.

“Escanteio” (1983), de Anna Maria Martins – conflito de gerações e futebol como “ópio do povo”

O conto “Escanteio”, da escritora, ensaísta e tradutora paulistana Anna Maria Martins, foi publicado pela primeira vez no livro Katmandu e outros contos (1983). Entre suas várias obras, destacam-se A Trilogia do Emparedado e outros Contos (que recebeu o Prêmio Jabuti na categoria autora revelação, e o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, em 1973), Sala de Espera (1978); Katmandu e outros contos (que recebeu o Prêmio Instituto Nacional do Livro, 1983), Retrato sem Legenda (1995) e Mudam os Tempos (2003).

Primeiramente, cabe ressaltar que “Escanteio” possui uma estrutura narrativa muito elaborada, em que há, em seu decorrer, uma alternância constante do foco narrativo, da 3ª pessoa (narrador onisciente e extradiegético) para a 1ª pessoa (narrador intradiegético; a personagem principal). Algumas personagens surgem ao longo do conto, com destaque para a protagonista, uma senhora idosa e viúva de “Bonifácio”, que possui netos, e que detém um dos focos narrativos. Logo de início, evidencia-se tal estrutura narrativa, sobretudo em expressões que revelam juízos de valor atribuídos pela protagonista inominada a uma aparente comemoração esportiva:

Andou a esmo pela casa. Sentia-se completamente deslocada nesse dia. Nem mesmo em seu quarto conseguira permanecer. Risadas e gritos atravessavam as paredes e a porta, foguetes pareciam escolher o teto de seu quarto para estourar. Saiu pela porta dos fundos, fez a volta pelo jardim e deu uma espiada na rua: deserta. Nenhum eventual responsável pelo foguetório. De onde viriam os malfadados rojões? Essa mania do brasileiro de tudo comemorar arrebentando os tímpanos. Por que somos um povo tão ruidoso? […] (MARTINS, 1998, p. 49; grifos nossos)

O conto de Anna Maria Martins parece transmitir também um conflito de gerações, em que se pode identificar algumas características e posturas da personagem principal: além de não compreender os netos, a narradora-personagem parece adotar uma postura conservadora e avessa a tudo o que seja popular. Assim, em tom saudosista, ressalta a diferença do futebol amador (representado pelo Paulistano nas primeiras décadas do século XX) em relação ao futebol profissional e popular (representado pelo “Curíntians”, assim indicado em um tom depreciativo):

O “Timão”, o “Curíntians”, carros em disparada, motoristas bêbados, as bandeiras freneticamente balançadas na cara da gente. Tenho medo. Passei pelo Pacaembu num domingo, em final de jogo. Apavorada e muda. E meu neto exuberante: o Corinthians acabara de vencer. Corintiano roxo, ele, os irmãos, essa meninada toda. Que diria Bonifácio, se fosse vivo, vendo os nossos misturados a essa cafajestada, comemorando aos berros, insultando os outros? Nem quero pensar. Bonifácio gostava de futebol, e até gostava muito. Não perdia jogo do Paulistano. Conhecia bem alguns jogadores: Mário de Andrada, Friedenreich, Sérgio, Formiga, Netinho. Mas era tudo diferente. Em profissionalismo ninguém falava e não se vendia jogador como carne de açougue, como se faz hoje em dia. E a peso de ouro. Acho um absurdo. Com isto não me conformo. (MARTINS, 1998, p. 50)

Ao contrário dos netos, a senhora idosa e viúva não quer saber de futebol, está muito mais interessada em assistir à novela na TV: “Será que hoje não vai ter novela outra vez? A semana toda esta amolação de futebol; por que não antecipam o horário da novela?” (MARTINS, 1998, p. 50).

Por sua vez, o contexto do conto “Escanteio” parece ser o dos chamados “anos de chumbo”. Do diálogo, em discurso direto, entre os jovens pode ser depreendido que alguém foi vítima da repressão por parte de agentes do Estado:

― …literalmente arrebentado. Irreconhecível.

― E depois os filhos da puta se irritam quando a imagem lá fora não é tão limpinha como eles querem que seja.

― Quando vi o estado em que ele ficou, quase vomitei. (MARTINS, 1998, p. 51)

Mais uma vez, revela-se a postura conservadora da narradora-personagem, que não entende o envolvimento de seu neto com os “cabeludos”, diferindo do outro neto, “de paletó e gravata num cargo bem remunerado” (MARTINS, 1998, p. 51). Todavia, a senhora idosa é tratada como uma serviçal pela neta, à disposição para atender prontamente a seus pedidos:

Camiseta colada, calça atarraxada aos quadris (como é que esta menina consegue respirar?), a neta surgiu na porta lateral, oi você bem que podia providenciar um café pra gente, agora no intervalo, ta legal? Tava sim, tava. Não estava mesmo fazendo nada, pelo menos se ocuparia em alguma coisa. (MARTINS, 1998, p. 50)

Portanto, há, no conto, um modo muito sutil de crítica social. Evidencia-se no ponto de vista da narradora-personagem uma postura da classe média avessa a tudo o que é popular. Sua preferência pelo neto “ordeiro” e “bem sucedido” frente ao neto “pródigo” é, ao mesmo tempo, a preferência pela manutenção do status quo, frente à ameaça daquilo o que ela não parece compreender bem: o caráter questionador do outro neto, crítico da própria classe e da injustiça oriunda da estrutura social.

Ao final do conto, o “escanteio” do título parece indicar a visão da própria narradora-personagem, jogada para “escanteio”, em seu sentido metafórico, só sendo útil para servir o café e ficando em seu quarto, sem poder assistir à novela na sala devido ao futebol: “É, suspirou, com certeza hoje não vai ter novela outra vez. Passam o videoteipe do jogo, na certa.” (MARTINS, 1998, p. 51). Aliás, se o futebol aparece como entretenimento para aquele que está assistindo à partida, no conto, pela TV, assistir à novela também é um modo de entretenimento, e ambos, por assim dizer, também podem ser associados à máxima “ópio do povo” como referência à suposta alienação, como bem define, de uma perspectiva crítica, o antropólogo Roberto DaMatta em seu famoso ensaio de 1982, “Futebol: ópio do povo ou drama de justiça social”, que ainda mantém sua atualidade: “Se você entrevistar dez membros da elite brasileira, pedindo a cada um a lista do que gosta e do que odeia, certamente o futebol, o carnaval, o jogo do bicho e a cachaça surgirão na coluna das coisas detestáveis, do lado massificador e alienante da vida em geral e do Brasil em particular” (DAMATTA, 1982, p. 54).

Ignácio de Loyola Brandão
Ignácio de Loyola Brandão. Foto: Wikipédia

 

“É gol”, de Ignácio de Loyola Brandão – uma narrativa dialógica

O conto “É gol”, do romancista, contista, cronista e jornalista paulista Ignácio de Loyola Brandão, foi publicado pela primeira vez em 1982 na obra É gol: torcida amiga, boa tarde!. Entre várias obras desse renomado escritor da série literária brasileira, destacam-se os romances Bebel que a cidade comeu (1968), Zero (1975), Dentes ao sol (1976), Não verás país nenhum (1983) e A altura e a largura do nada (2006).

Em primeiro lugar, cabe destacar que o conto “É gol” apresenta estrutura narrativa sofisticada e complexa, embora fundamente-se no próprio meio futebolístico, com jogadores, árbitro, treinadores, cartolas e, principalmente, o pessoal responsável pela cobertura radiofônica de uma partida reunindo as equipes do AFJFC e do UDVFC (nomeados apenas por essas siglas):

TORCIDA AMIGA,

BOA-TARDE:

Vamos iniciar mais uma

Tarde esportiva.

 

Esse futebol que é a alegria do povo.

Futebol arte.

Futebol glória.

(BRANDÃO, 2006, p. 36)

No conto, não há apenas um, mas, sim, vários narradores: Mário, o locutor de cabine; Flávio, o repórter de campo; Carlos Farias, o comentarista. Além destes, recebem voz também (nas entrevistas com Flávio) o treinador Moacir, o cartola Comendador Bergamini, o zagueiro Luisão, do time adversário, e Cacalo, que marcou o gol e deu a vitória a seu time:

e

é gol.

gol gol gol gol

gooooooool

finalmente,

é GOL.

GOOOOOOOOOOOOOOOL

de Cacalo,

uma beleza de gol, torcida,

Cacalo, um a zero. Cacalo.

(BRANDÃO, 2006, p. 36-37)

A estrutura narrativa complexa possibilita a apresentação de versões diversas para o mesmo lance de gol, algo que produz um efeito dialógico a partir de diversos pontos de vista: há, pelo menos, cinco versões: as de Mário, Flávio, Carlos Farias, do zagueiro Luisão, e a do próprio Cacalo, autor do gol. A primeira delas é assim narrada pelo locutor de cabine, Mário:

Uma beleza de gol, torcida. As bandeiras se agitam. O estádio explode. Gol de Cacalo a um minuto e meio do final. O gol da esperança. Da classificação. O gol que pode significar o campeonato. O gol que estava sufocado em todos os corações. Gol de craque. Cacalo. […] (BRANDÃO, 2006, p. 37)

Como é recorrente em vários contos, mais uma vez, um gol é assinalado nos últimos minutos de uma partida, em uma construção eufórica. Em seguida, Flávio, o repórter de campo, tem a palavra:

[…] Fala Flávio, você que está aí atrás da área, atento ao lance.

Muito bem, Mário. Você narrou a jogada com exatidão. A exatidão que faz da nossa equipe esportiva a melhor do rádio brasileiro. O goleiro ainda está tentando entender. O beque procura a bola. A jogada do centroavante que o técnico Moacir lançou hoje foi fenomenal. […] (BRANDÃO, 2006, p. 37; destaque no original)

Por sua vez, a terceira versão do lance de gol é narrada por Carlos Farias, o comentarista da partida: “[…] Isso é o que faz o craque, queridos amigos. É o que reflete, arrisca, calcula, pensa diferente, contraria a lógica do futebol. Uma arte que não tem lógica. Fala Mário.” (BRANDÃO, 2006, p. 38; destaque no original)

Por se tratar de uma transmissão radiofônica da partida, não falta nem mesmo a publicidade:

Depois dos comerciais, vamos ouvir a opinião de Carlos Farias, o homem das oito copas. O comentarista que mais entende de futebol neste país.

(Continental: preferência nacional; O cigarro das multidões.)

Com vocês, Carlos Farias. (BRANDÃO, 2006, p. 38; destaque no original)

Ressalta-se também que o conto “É gol” transmite uma ampla imagem do futebol brasileiro, em que não só se revelam determinados comportamentos – o autoritarismo do cartola, Comendador Bergamini, a atitude duvidosa do árbitro Alencar, indícios de racismo nas palavras do treinador Moacir, a simplicidade do jogador Cacalo e do chefe da torcida –, mas também as diversas opiniões dos narradores, que chegam a discordar no ar e fora dele.

O final do conto “É gol” ilumina toda a narrativa: o que parecia um lance de “gênio”, de “craque”, de extrema habilidade de Cacalo, revela-se nas palavras do próprio jogador como algo fortuito e acidental, em entrevista concedida ao repórter Flávio após o final da partida:

Olha, nem sei dizê. Eu tinha levado um soco no rosto, estava tontão. Vi quando a bola subiu e desceu. Nem sabia onde tava. […] Fechei o olho, não dava pra fazê nada, estava sem equilíbrio. Ia me batê na minha cara. Esperei a pancada. Mas a bicha veio mansa, raspô em mim. Nem sei como. Só sei que o becão gritou seu filhodaputa de merda, na próxima te quebro inteiro. Eu ouvi o povão gritando e quando abri o olho e olhei, vi as faixa, as bandeira, os meu companheiro pulando em cima de mim. Procurei a bola e vi ela no fundo do gol. (BRANDÃO, 2006, p. 46)

Para além da própria narrativa complexa, a estrutura do conto possibilita revelar algo mais: não há apenas uma versão para o narrado, mas sim várias versões, e cada uma se distingue a partir da postura e da perspectiva de seus enunciadores.

 

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Ignácio de Loyola. É gol (1985). In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). 22 contistas em campo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 36-46.

COSTA, Flávio Moreira da. A solidão do goleiro (1984). In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). Onze em campo e um banco de primeira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 93-98.

DAMATTA, Roberto. Futebol: ópio do povo ou drama de justiça social. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, v. 1, n. 4, p. 54-60, nov. 1982. Acesso em: 25 fev. 2022.

MARTINS, Anna Maria. Escanteio (1983). In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). Onze em campo e um banco de primeira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 49-51.

REY, Marcos. Pênalti! (1984). In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). Onze em campo e um banco de primeira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 33-38.

STEEN, Edla van. Que horas são? (1985). In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). Onze em campo e um banco de primeira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 99-104.

WISNIK, José Miguel. O goleiro. In: WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 136-140.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Como citar

CORNELSEN, Elcio Loureiro. Contos de Futebol no Brasil – Parte III. Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 6, 2022.
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