156.31

Convocar ou não convocar, eis a questão

A convocação para defender a seleção de seu país é, sem dúvidas, um dos momentos mais esperados para um atleta de qualquer esporte. Dessa forma, no futebol, jogadores se preparam por vários e vários anos esperando ver seus nomes nas listas de convocação, vislumbrando jogos internacionais e, quem sabe, uma vaga para uma possível Copa do Mundo. Parece bastante claro nos dias de hoje, considerando o abismo financeiro e, consequentemente, técnico que separa o futebol jogado nas grandes ligas europeias do jogado em nossa liga nacional, que atuar no Brasil pode distanciar um jogador brasileiro de atingir tal sonho. Isso, porém, não diminui a pressão que mídia e torcida exercem nos treinadores da Seleção Brasileira em convocar os jogadores de destaque que atuam por aqui. Pensando nos principais nomes da equipe palmeirense, será que tal pressão se justifica?

Antes de mais nada é preciso tentar entender o que é uma seleção nacional e quais fatores um treinador leva em consideração ao realizar uma convocação. Engana-se quem acredita que a seleção seja uma simples reunião dos destaques do momento. É claro que o momento vivido pelos atletas precisa ser levado em consideração, mas de forma alguma é uma das únicas questões. A formação de um grupo vislumbrando uma Copa do Mundo deve ter como base a ideia de jogo que o treinador busca implementar, para então observar quais jogadores melhor se encaixam em tais características, quais jogadores podem dar boas opções e substituir à altura eventuais baixas e quais atletas podem oferecer variações diferentes para o caso de uma mudança na forma de jogo ser necessária. Tudo isso levando em conta o momento e o potencial de cada um dos atletas observados, que devem entregar ao mesmo tempo bom desempenho e resultados imediatos. Não é uma equação simples de se solucionar.

Na equipe palmeirense atual, três jogadores são (ou foram) motivos de questionamentos frequentes por sua ausência nas listas do treinador Tite, que tem apenas o goleiro Weverton como nome praticamente certo nas convocações para a seleção. São eles o ponta Dudu, o meia Raphael Veiga e o volante Danilo. Acredito que cada um desses três nomes apresenta características particulares, e portanto devem ser analisadas de forma individual. A começar pelo Baixola.

Aos 30 anos de idade, Dudu parece mostrar sua melhor versão na equipe palmeirense desde que chegou em 2015. Hoje fixado pela ponta direita, sempre bem aberto e se aproximando da linha de defesa na saída de bola, Dudu tem se destacado nas assistências, ao buscar o fundo do campo, e nas finalizações com a perna esquerda, mesmo sendo destro, quando corta para dentro. Para isso, o atacante procura se colocar em situação de 1×1 contra o marcador adversário ou tabelar com o meia Raphael Veiga, que sempre cai pelo seu lado. Não à toa é o lado mais forte do ataque palestrino.

Apesar da grande fase, Dudu é provavelmente o menos lembrado do trio que citei anteriormente. Primeiramente porque esse seu desempenho não é algo fora do comum, muito pelo contrário. O atacante foi o principal nome da equipe em todas as temporadas em que esteve no Palmeiras, e mesmo assim quase nunca foi lembrado pelos treinadores da Seleção, tendo apenas sido chamado para o “Jogo da Amizade” contra a Colômbia em Janeiro de 2017 (vitória por 1×0 com gol seu) e para substituir Douglas Costa nas Eliminatórias da Copa em março do mesmo ano, porém sem entrar em campo. Com tão poucas chances em anos anteriores, é realmente difícil acreditar que ele poderia ser lembrado por agora.

O segundo fator, talvez o principal, que afasta Dudu de possíveis convocações é a gigantesca concorrência pela vaga. Por mais que o palmeirense seja versátil, sabendo atuar nas duas pontas ou centralizado como um meia-atacante, a concorrência com atletas como Neymar, Vini Jr, Raphinha, Rodrygo, Anthony e Gabriel Jesus praticamente inviabiliza sua oportunidade. Apesar de achar que o camisa 7 foi muito menos lembrado em convocações anteriores do que merecia, a  falta de espaço na seleção atual é totalmente compreensível.

Dudu Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

Passemos agora para Raphael Veiga. Vivendo a melhor fase de sua carreira desde a chegada de Abel Ferreira ao Palmeiras em 2020, o meia de 27 anos é sem dúvidas o nome mais pedido entre todos os “esquecidos” por Tite. Extremamente decisivo, com gols em praticamente todas as finais que disputou pelo Palmeiras, Veiga gosta de se aproximar de Dudu pela direita para criar tabelas, pisando sempre na área para finalizar. Características que poderiam fazer muito bem à Seleção Brasileira.

Na seleção, porém, teria mais uma vez uma concorrência complicada. Para essa função de meia-atacante, Tite tem apostado em Lucas Paquetá, em excelente fase com a amarelinha, e resgatou Philippe Coutinho do ostracismo, jogada que parecia estranha mas que tem se provado certeira. Um terceiro nome para essa função seria o próprio Neymar, no caso de Tite buscar um esquema ainda mais ofensivo. Como podemos ver, por melhor que seja o desempenho de Veiga com a camisa palmeirense, é difícil hoje imaginar um desses jogadores sendo preterido para sua entrada.

E por fim, temos Danilo. O volante de apenas 21 anos foi a surpresa da última convocação, sendo chamado para os amistosos contra Coreia do Sul e Japão, apesar de não ter entrado em nenhum deles e nem ir ao banco no primeiro jogo. Com grande capacidade de jogar de área a área, intenso na marcação e excelente com a bola nos pés, Danilo é grande revelação palmeirense dos últimos anos e parece ter um grande futuro no futebol europeu na sequência de sua carreira.

Atuando no Palmeiras mais como um primeiro volante, ainda que com liberdade e longe de ser do tipo “cão de guarda”, Danilo teria a concorrência de Casemiro e Fabinho pela Seleção, dois dos maiores volantes do futebol mundial. Outros meias frequentemente chamados e que poderiam entrar na disputa por uma vaga seriam Fred e Bruno Guimarães, jogadores já mais rodados e experientes na Seleção. Dificilmente veremos também Danilo com uma vaga na Copa do Mundo.

A sua presença no grupo da Seleção, mesmo que sem entrar nos jogos, com certeza foi extremamente válida para sua carreira tanto no clube como na própria Seleção visando um próximo ciclo. Discordo das críticas a Tite que afirmam que não valeu de nada sua convocação pelo fato do jogador não ter entrado em campo. Acredito que seja muito mais valioso treinar com um grupo tão qualificado do que jogar por cinco ou dez minutos nesses amistosos que não valem tanta coisa assim. A observação próxima da comissão técnica nos períodos de treinamento é extremamente importante para que o trabalho do jogador seja avaliado e, assim, o atleta continue a se desenvolver.

O fato é, porém, que o único atleta brasileiro do Palmeiras que deve ir a Copa do Mundo é mesmo o goleiro Weverton. Unanimidade como melhor jogador da posição no Brasil nos últimos anos, o arqueiro deve completar com justiça o trio composto também por Alisson e Éderson. E vejo esse fato com total naturalidade de quem entende que, para fazer parte da Seleção Brasileira, não é necessário apenas ser um excelente jogador: é preciso ser um dos dois ou três melhores brasileiros daquela posição. Como disse o próprio Tite, não é difícil pensar em jogadores que merecem ser chamados; o difícil é pensar quem deve sair da lista.

Acredito muito que jogadores como Dudu, Veiga e Danilo, ou até mesmo Marcos Rocha, Scarpa e outros grandes jogadores, por tudo que já fizeram na carreira e fazem hoje nessa grande equipe do Palmeiras, merecem sim ter a honra de vestir a camisa canarinho. Mas é preciso também reconhecer que se esses jogadores não têm as chances que gostaríamos, muito se dá pela altíssima concorrência que todo jogador brasileiro enfrenta. Torço muito para que todos esses ainda possam ter essa realização. Porém, se isso não acontecer, que saibam que em nada suas carreiras serão menores. A história construída por esses jogadores no Palmeiras já está eternizada!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. Convocar ou não convocar, eis a questão. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 31, 2022.
Leia também:
  • 176.19

    Disputas políticas nos clubes de futebol brasileiro: Palestra Itália (SP) e o arquiteto Armando Brasini nos anos 1930

    Jefferson Ferreira do Nascimento
  • 174.7

    A Seleção Brasileira de Fernando Diniz: cultural ou contracultural?

    Gabriel Orenga Sandoval
  • 174.6

    Espaço, tempo e sociedade no futebol de São Paulo: tradição, modernidade e inovação como produtos da globalização

    João Paulo Rosalin, Leandro Di Genova Barberio