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Rupturas e permanências: reflexões sobre a cobertura midiática da seleção brasileira masculina após o 7 a 1

Rodrigo Nascimento Reis 13 de abril de 2021

Teve dor, teve meme, teve especulações, teve um mar de informações e críticas quando a seleção brasileira masculina perdeu por 7 a 1 para Alemanha na Copa do Mundo de 2014. Naquele momento, a sensação era de que haveria uma ruptura da cobertura midiática a respeito do futebol brasileiro, que poderia se tornar mais crítica e menos saudosista. E ocorreu? É essa reflexão que gostaria de apresentar, tendo como base um artigo apresentado no Seminário Internacional Copa América 2019 e que vai ser publicado no ebook intitulado ‘Copa América’ no ano de 2021. Devido aos parâmetros de espaço, tudo que eu gostaria de comentar lá, não foi, segue inédito aqui.

Para responder a pergunta, decidi fazer uma análise televisual da cobertura do Jornal Nacional da cobertura da Copa de 2018 sobre a participação da seleção brasileira masculina. Julguei que quatro anos depois, com ânimo mais calmo, poderíamos avaliar melhor a próxima cobertura da Copa com foco na seleção. A metodologia utilizada foi a Análise Televisual proposta por Becker (2012) que aplicado ao corpus empírico significa assistir todos os dias o jornal nacional, quantas vezes fossem necessárias para fazer uma descrição/contextualização, depois quantificar o tempo dado a cobertura da Copa, e detalhar a estrutura do texto, enunciadores, temáticas, visualidades, edição e som.

Toda essa parte da metodologia já rendeu o artigo do ebook. Todavia, ainda há uma parte qualitativa que significa perceber a fragmentação (em breve explicarei), a dramatização e a definição de identidade e valores

Antes de prosseguir, recupero que quantitativamente, das 20 edições veiculadas pela Rede Globo entre 14 de junho a 06 de julho de 2018, o tema Copa ocupou na maioria delas mais da metade do telejornal com ápice de 80,73%. A estrutura do Jornal Nacional foi remodelada para veiculação das notícias da Copa do Mundo 2018. A tradicional escalada, além da inserção das chamadas sobre o evento, era encerrada com as melhores imagens do dia. Desse modo, as imagens de gols, torcedores, estádios, seleções, lances, performances entre outras davam a tônica do que iria ser veiculado durante o telejornal.  É o clima de Copa.

Fragmentação

Avançando para análise, observamos que a “fragmentação” geralmente “resulta em percepções ainda mais significativas porque a curta duração de cada unidade informativa nem sempre permite que se compreenda o fenômeno noticiado em toda a sua complexidade” (BECKER, 2012, p. 224). Desse modo, o noticiário da Copa 2018 no JN teve longos momentos de duração principalmente em jogos da seleção com informes da Copa chegando a ocupar dois blocos seguidos. As sequências permitiram uma apreensão mais contextualizada do evento e da atuação da seleção brasileira no jornal, sendo o ritmo quebrado devido a outros assuntos do dia. 

Gabriel Jesus
Gabriel Jesus se esconde após perder gol na Copa de 2018. Foto: André Mourão/MoWA Press.

O que quereremos frisar é que, o noticiário da Copa não finalizava a cada bloco para ser coerente quando William Bonner precisava passar para outros assuntos. A temáticas finalizam ora sim no fim dos blocos, mas ora no meio, quando conveniente. Por vários momentos, a apresentadora da previsão do tempo, Maria Júlia Coutinho, encerrava sua participação se dirigindo a Renata e Galvão na Rússia, que complementavam com meteorologia em dias de jogos importantes.

Essa situação mostra uma tentativa do JN de interligar os assuntos a fim de não quebrar o ritmo de contextualização da Copa, assunto carro-chefe da emissora. A agenda de jogos e o fato de ser um único esporte, diferente da cobertura das Olimpíadas, favoreceu para que a narrativa do JN fosse mais coesa e o mosaico de pautas fizesse sentido para o telespectador que não conseguiu acompanhar todas as partidas do dia.

Dramatização

Na categoria “dramatização”, futebol e telejornalismo juntos potencializam as emoções do público, e tratando-se de Copa de Mundo, como narra Galvão Bueno “haja coração”. O drama faz parte da rotina futebol como assinala Roberto DaMatta (1982). Para o autor, o futebol dramatiza em campo o cotidiano das pessoas, pois o esporte é regido pelo imprevisível, pode haver alegrias, mas também pode haver muitas lágrimas, o time mais preparado pode perder por um azar e atos de fé dos jogadores podem colaborar ou não na partida.

Não há leis racionais para caracterizar o desfecho de uma partida de futebol. Várias simulações e utilização de algoritmos em 2018 apontaram a Bélgica na final da Copa, quase. De fato, futebol é drama repleto de sofrimento, comoção, suspense na qual sempre, reviravoltas, na qual apenas um a cada partida e apenas um ao final da competição experimenta a alegria da vitória. Chega a ser clichê, mas é o que move as narrativas e a torcida.

O telejornalismo dramatiza o futebol principalmente pela exibição das emoções. Na teoria, “quando a emoção nos atravessa, nossa alma se move, treme, se agita, e o nosso corpo faz uma série de coisas que nem sequer imaginamos” (Didi-Huberman, 2013, p. 26). Na prática, a emoção do gol do jogador Phillipe Coutinho em jogo sufocante contra a Costa Rica no dia 22 de junho, fez com que a comemoração do técnico Tite acabasse em tombo. Por muitas vezes, o noticiário frisou as demonstrações de emoções dos jogadores que contagiavam o público, desde o pulo no ar, o abraço coletivo, o grito, as lágrimas, as orações, os gestos para a pessoa amada na arquibancada.

As emoções expressadas por gestos geram imagens bastante aproveitadas para dá ritmo a narrativa televisiva. No dia 2 de julho, por exemplo, após o gol de Neymar sobre o México, o jornalista Tino Marcos descreve a comemoração do jogador: “Na comemoração Neymar fez um coração, mandou beijo, socou o ar, pediu silêncio e foi erguido nos ombros por Paulinho. É o gol 227 da seleção em copas do mundo …”. As imagens exibidas durante a narração expressam a emoção do jogador, a inesperada forma de comemorar e a experiência compartilhada de alegria dos outros jogadores e principalmente da torcida.

Neymar e Paulinho Copa 2018
Neymar comemora gol com Paulinho na partida contra o México na Copa de 2018. Foto: André Mourão/MoWA Press.

As emoções do passado também tiveram destaque no JN por meio do resgaste de momentos importantes da seleção em outras Copas. Conforme Baitelo e Christoph (2014), a memória contribui para o compartilhamento de emoções e formação de comunidades.  Nesse sentido, o JN trouxe, no dia 30 de junho, imagens da trajetória de Pelé até o momento em que ele recebeu o título de ‘rei’ dado por um goleiro russo. Imagens da Copa 58 em preto e branco fizeram parte da reportagem além de entrevista com Pelé. No dia 28 de junho, antes da partida contra o México, o repórter André Gallindo trouxe várias imagens de disputas entre Brasil e México tanto em Copas quanto em outras competições. A memória que se compartilhou aqui e quase sempre, era de uma seleção favorita por vitórias contra seus adversários no passado.

No JN, os jogos por si só dramáticos, foram potencializados nas narrativas do telejornal. Para ilustrar, recorremos ao principal medo brasileiro: ser eliminado da Copa. Quando isso ocorreu no dia 6 de julho em derrota para a Bélgica, Renata Vasconcellos fez uma chamada para a primeira reportagem do episódio com os dizeres, “O Brasil pressionou, lutou até o último minuto, mas os nossos adversários eram fortes”. Neste dia, Galvão Bueno mesmo rouco, enalteceu a derrota brasileira em comparação a da Alemanha, afirmando que os jogadores não se entregaram, encerrando com frases como “venceu quem jogou mais bola” e “vencer ou perder faz parte do jogo”.

Neymar Copa 2018
Neymar chora após a derrota para a Bélgica na Copa de 2018. Foto: Pedro Martins/MoWA Press.

Na reportagem de Eric Faria, as imagens repetidas das tentativas de Neymar fazer o gol ganharam o texto “Neymar, o craque que não estava inspirado”. O telejornalismo da Globo aderiu a comparação do futebol como drama da vida. Tadeu Schimdt, quando a Alemanha foi derrotada ainda na primeira fase da Copa de 2018 e o Brasil passava oitavas de final, disse que o “o futebol é como a vida, todo mundo tem o seu dia de sofrer, o seu dia de ser feliz”. No contexto da fala, era uma alusão a momentos festivos da Alemanha na vitória na Copa de 2014.

Mesmo buscando um padrão equilibrado, o âncora William Bonner por muitas vezes em diálogo com Renata e Galvão soltou o bordão “tá nervoso, eu tô”. Tentando sintetizar os vários dramas televisionados pelo JN, podemos destacar que no que compete a seleção brasileira, a narrativa dramática e recorrente ficou focada na recuperação de Neymar, na ansiedade própria de cada partida e no ‘receio’ de enfrentar a Alemanha novamente, este drama logo resolvido com a saída prematura dos alemães do torneio.

Definição de Identidade e Valores

A respeito da Definição de Identidades e Valores, observamos no JN a concepção dos jogos como lugar de fair play, ambiente familiar e espaço para a vivência das emoções. Helal (1997), concebe o futebol como forma cultural de integrar o país, sendo as narrativas jornalísticas responsáveis pela crença de que onze jogadores seriam os representantes do país e o campeonato um duelo de nações. Nesse sentido, observamos na narrativa do JN o uso de frases como “a responsabilidade de defender a camisa mais vitoriosa do futebol”. O enunciado revela um dos valores relevantes do JN para o torneio: que o Brasil levava em campo, o sonho do hexacampeonato.

Acreditamos que o conceito de nacionalismo banal concebido por Billig (1995) dialoga com a cobertura do JN durante a Copa 2018. A definição indica que o conjunto de crenças, hábitos e práticas vivenciados por muitas pessoas ao mesmo tempo sinalizam o pertencimento ou mesmo lealdade a determinada nação. São práticas banais, do cotidiano, mas com força para sustentar o nacionalismo de estados-nação consolidados. Bandeiras, emblemas, fotografias, frases e outros artifícios são usados para informar dia após o dia o lugar de origem, de fala, de traços culturais. Sem essa recordação diária, o indivíduo pode ficar a esmo, em um não-lugar, na transversalidade, assim em um mundo cada vez mais interconectado com internet de alta velocidade, com a possibilidade de migração, decidir ser ‘outro nacional’ é uma escolha ao alcance de muitos.

Copa 2018
Bandeira do Brasil e da Bélgica antes da partida válida pela Copa 2018. Foto: Bruno Egger/MoWA Press.

A seleção brasileira reconhecida mundialmente por ter participado de todas as Copas e ter ganhado cinco dela raramente foi identificada na narrativa do telejornal como “Pátria de Chuteiras” ou mesmo o Brasil como “País do Futebol”. A França, ao ser campeã, projetou uma imagem positiva do seu nacionalismo para o resto do mundo. O mesmo ocorreu com a Croácia, seleção de um país de quatro milhões de habitantes, que não constava nas previsões dos analistas com possibilidade chegar a final.

Ao que parece, o futebol da Copa do Mundo, é um bom artifício para se discutir nacionalismos de forma suave, destacando êxitos, derrotas, feitos históricos, peculiaridades e outros aspectos. Embora nossa análise tenha encerrado com saída da seleção, já era perceptível maior destaque as seleções que seguiriam adiante na competição.

E agora, teve grandes rupturas nessa cobertura midiática?

Não percebemos a perca do ânimo na cobertura esportiva da Copa, nem mais criticidade, nem menos espaço, nem menos empolgação colocada nos jogadores e seleção brasileira masculina. Aquela sensação de ‘crise total’ aparentemente ficou em 2014. Não foram feitas associações negativas e referências. O único passado que veio à tona na cobertura midiática foram os feitos heroicos de vitórias. Ou seja, tivemos mais permanências das narrativas já conhecidas sobre o futebol nacional que não tiveram mais vigor porque a seleção brasileira foi eliminada..  Mas aqui tratamos apenas do Jornal Nacional, logo é necessária mais investigação em outros veículos. Se por um lado há quem fale do descrédito da seleção brasileira masculina, na falta de empolgação da torcida, ao menos empiricamente pela cobertura midiática do JN isso não se configurou, ou não foi mostrado, ou não foi debatido, não virou pauta.

O que podemos dizer ainda é que com a diversidade de imagens proporcionadas pelas partidas, o JN explorou o valor do afeto da torcida brasileira com a seleção, buscando engajá-los para torcer pelo Brasil. Entretenimento e Jornalismo caminharam juntos nas crônicas de Tadeu Schimdt que deram um tom mais emotivo e singular para o último bloco do JN. No geral, o modo de contar os fatos da Copa por meio das reportagens eram repletos de figuras de linguagem interligadas a edições variadas e possíveis graças ao aporte técnico utilizado na cobertura televisiva.


BAITELO, N.; Christoph W. (Orgs.). Emoção e Imaginação. Os Sentidos e as Imagens em Movimento. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2014.

BECKER, Beatriz.  Mídia e Jornalismo como formas de conhecimento: uma metodologia para leitura crítica das narrativas jornalísticas audiovisuais. Matrizes, São Paulo, v. 5 n. 2, 2012.

BILLIG, Michael. Banal Nationalism, London: Sage,  1995.

DA MATTA, Roberto et al. Universo do Futebol: esporte e sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982.

 DIDI-HUBERMAN, Georges. Que emoção! Que emoção? Lisboa: KKYM. 2013.

 HELAL, Ronaldo. Futebol, Cultura e Cidade. Logos (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, v. 5, p. 5-7, 1997.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Rodrigo Nascimento Reis

Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz. É integrante da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme).

Como citar

REIS, Rodrigo Nascimento. Rupturas e permanências: reflexões sobre a cobertura midiática da seleção brasileira masculina após o 7 a 1. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 26, 2021.
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