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Copa América 2001 na Colômbia: 20 anos depois

Fabio Perina 30 de junho de 2021

Essa edição do mais antigo torneio continental de seleções, a primeira com sede única na Colômbia, foi possivelmente a de mais interferências políticas e sociais de fora para dentro de campo. Olhar para aquele país fora de campo em 2001 e em 2021 implica as turbulências na organização da competição ao se cruzarem aos conflitos sociais. A atual edição estava prevista para ser uma sede conjunta (originalmente em 2020) entre Colômbia e Argentina porém a Conmebol precisou mudar os planos a menos de um mês de seu início para transferir a sede para o Brasil (última sede de 2019). E olhar para aquela seleção dentro de campo em 2001 e 2021 implica na instabilidade no afastamento de alguns jogadores referentes (como antes Asprilla e vários outros e agora James Rodriguez) e da brusca troca de treinadores (antes de Garcia a Maturana e agora de Queiroz a Rueda).

Copa América 2001
Fonte: Wikipédia

Diante de constantes conflitos com o narcotráfico e com as guerrilhas, provavelmente a época em que os guerrilheiros das FARC’s (Forças Armadas Revolucionárias de Colombia) mais acumularam forças, em 2001 o país teve como presidente o moderado Andrés Pastrana. Um governo contraditório em que muito se tentou negociar acordos de paz com as FARC’s, porém também teve muito mais empenho em concluir o acordo de intervenção militar com o imperialismo norte-americano conhecido por “Plano Colombia”. O último mandato antes da extrema-direita de Álvaro Uribe chegar ao poder e nele permanecer pelas duas décadas seguintes ao militarizar toda a sociedade colombiana mesmo após o recente acordo de paz para redução dos conflitos. Às vésperas da competição houve risco de adiamento ou troca de sede por conta do sequestro do dirigente da Federação Colombiana, Hernan Mejia Campuzano. O que fez com que a Argentina (líder das Eliminatórias naquele momento) e o convidado Canadá desistissem, sendo substituídos por Honduras e Costa Rica (já convidada antes em 97). Ainda assim a solução do governo Pastrana foi militarizar as cidades sedes e somente assim prevenindo grandes incidentes.

Finalmente indo comentar o dentro de campo, o experiente treinador Francisco Maturana mandou a campo uma defesa muito sólida com o goleiro Oscar Córdoba e os zagueiros Ivan Ramiro Córdoba e Mario Alberto Yepes. Inclusive dois paredões titulares absolutos durante toda a década na seleção e com sólida carreira na Europa, e que nesse torneio não sofreram um único gol. Enquanto várias posições de destaque do meio e ataque foram preenchidos por jogadores do Deportivo Cali, recém vice da Libertadores em 99: como Hernández, Murillo e Aristizábal. Esse último, além de artilheiro do torneio, é também recordado no Brasil por passagens por Santos e principalmente São Paulo e Cruzeiro. Curioso também que na convocação os ‘estrangeiros’ eram minoria, com ampla maioria de jovens apostas naquele momento em clubes médios e grandes do futebol local. Com muita experiência Maturana armou uma convocação barrando alguns ‘figurões’ experientes que jogaram a Copa do Mundo de 98, mas de difícil coesão de grupo que não vinham bem (como Mondragón, Bermúdez, Serna, Rincón, Asprilla e Angel). Uma anedota daquela época que Maturana bancou tanto Aristizábal que declarou a pérola de ser “o melhor atacante do mundo sem bola”. Ou seja, por sua movimentação e capacidade de se desmarcar. Porém virou uma piada como se ele fosse incapaz de jogar futebol, vide anos depois ao participar de programas esportivos houve uma atualização como “o melhor comentarista sem microfone”!

No grupo A, com sede em Barranquilla, os donos da casa não tiveram dificuldades com três vitórias: 2 a 0 na Venezuela, 1 a 0 no Equador e 2 a 0 de novo no Chile.

No grupo B, com sede em Cali, o Brasil vinha de contrastes: defender o recente bicampeonato (97/99), porém com o torneio curto caindo de paraquedas na reta final que viria no segundo semestre de uma longa Eliminatórias com resultados irregulares. Felipão era o terceiro treinador (após Luxemburgo e Leão) que sofreu para confirmar a vaga mundialista e nessa Copa América com uma convocação contestada sem os principais craques como Cafu, Roberto Carlos, Rivaldo e Ronaldo. A campanha no grupo foi igualmente irregular, mas o suficiente para se classificar: derrota de 1 a 0 para o México (gol do artilheiro Borghetti em seu auge) e depois vitorias de 2 a 0 no Peru e 3 a 1 de virada no Paraguai.

Já no grupo C, com sede em Medellín, justamente o mais desfalcado pelas desistências, a ótima geração da Costa Rica (que no ano seguinte jogaria a Copa do Mundo) classificou sem dificuldades. Enquanto o outro convidado, Honduras, somente se classificou como um gol agônico contra o Uruguai nos últimos minutos.

A fase seguinte de quartas-de-final reservou o seguinte chaveamento: México x Chile, Uruguai x Costa Rica, Colômbia x Peru e Brasil x Honduras. Os três primeiros favoritos confirmaram o prognóstico e se classificaram. A decepção ficou para a surpreendente eliminação do Brasil diante do pouco conhecido adversário centro-americano, em Manizales. Derrota que ameaçou uma precoce demissão de Felipão, porém foi mantido nos meses seguintes pelas Eliminatórias e depois na Copa do Mundo ganhou o penta.

Nas semifinais, a Colômbia venceu Honduras sem dificuldades por 2 a 0, em Manizales. Já em Pereira, uma partida muito disputada e cheia de expulsões teve vitória do México sobre o Uruguai por 2 a 1.

Na disputa de terceiro lugar, Honduras repetiu o feito da primeira fase e venceu novamente o Uruguai, agora nos pênaltis, em sua participação histórica e única no torneio.

Copa América 2001
Foto: reprodução Twitter

Enquanto na grande final, no estádio Nemesio Camacho (“El Campín”) da capital Bogotá, de uma competição cheia de surpresas somente poderia levar a um título inédito: Colômbia ou México. Em uma partida truncada, no segundo tempo o zagueiro e capitão Ivan Córdoba cabeceou falta batida sem chances para o goleiro Oscar Perez que nem se mexeu. Jogador que inclusive mais uma vez compensou a baixa estatura para a posição com uma grande impulsão nos cabeceios. Depois, foi apenas segurar o resultado e comemorar o primeiro e único título da seleção colombiana.

Ironicamente nem isso serviu de estímulo para a reta final das Eliminatórias no segundo semestre, perdendo a quinta vaga para o Uruguai (que depois venceu a Austrália na repescagem) após disputa acirrada ponto a ponto. Se mais uma vez se confirma o futebol da Colômbia como cheio de contrastes como o próprio país, o tão esperado título foi um fato isolado que não semeou em novas conquistas, fracassando nas Eliminatórias de 2002, 2006 e 2010. Também ironicamente, às vésperas da estreia na atual Copa América o ex goleiro Oscar Córdoba disparou que sua geração foi “ninguneada”, ou seja, a mídia e principalmente dirigentes fizeram pouco caso com o único título da seleção. O que ganhou a concordância de outros antigos referentes que ao tentarem se aproximar dos atuais jogadores nos vestiários para darem um estímulo antes das partidas foram barrados pelos dirigentes!

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Copa América 2001 na Colômbia: 20 anos depois. Ludopédio, São Paulo, v. 144, n. 38, 2021.
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