132.61

Copa União 87: o que nunca é discutido

João Gabriel Nascimento 26 de junho de 2020

Quando se fala de Campeonato Brasileiro de 87, a famigerada Copa União, o foco do debate é sempre o mesmo, saber quem foi o bendito campeão da competição: Flamengo ou Sport? Gasta-se muito tempo e dinheiro nessa discussão. Gostaria de trazer aqui outro aspecto para reflexão, o qual é anterior a todo o imbróglio do título e é muito pouco, ou nunca, discutido: o caráter elitista e preconceituoso da Copa União.

A bagunça na Copa Brasil 86

A Copa Brasil 86 é um capítulo importante na história da Copa União 87. O campeonato de 86 contou com 44 times (80 se contarmos a Segunda Divisão). Na primeira fase, estes foram divididos em 4 grupos de 11 times, passando para a fase seguinte os 6 melhores colocados de cada grupo, mais 4 times com as melhores campanhas entre os eliminados, mais 4 da Segunda Divisão. Confuso, né? Pois é. O regulamento previa, portanto, 32 times na segunda fase. Destes 32, os 24 melhores estariam classificados para o campeonato de 87, assim previamente definido pela CBF. Mas não foi isso o que aconteceu.

No dia 29 de setembro de 86, Joinville e Sergipe empataram em 1 a 1 pela nona rodada do grupo B. Ao término da primeira fase, o Joinville reivindicou os pontos dessa partida alegando doping do ponta Carlos Alberto, do Sergipe. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) deu causa ganha ao time catarinense, atribuindo-lhe os 2 pontos da vitória, e classificando-o para a próxima fase. No entanto, o Vasco, que seria rebaixado, recorreu à Justiça Comum para anular a decisão do Superior Tribunal. Para completar a bagunça e sob muita influência política, a CBF decide mudar as coisas e classificar mais 4 times para a segunda fase: Vasco, Náutico, Santa Cruz e Sobradinho-DF. Assim, a segunda fase, que teria 32 times segundo o regulamento, passou a ter 36. Na segunda fase, Sport, Botafogo, Vitória e Coritiba não conseguem se classificar, e, portanto, ficariam de fora do Campeonato de 87. Sentindo-se prejudicados e reclamando a virada de mesa da primeira fase, os 4 clubes procuram a justiça e entram com ações no STJD, caso de Botafogo, Sport e Vitória, e na Justiça Comum, caso do Coritiba. Esse é o panorama da confusão da Copa Brasil 86, que teria o São Paulo como campeão somente em 1987.

Nasce o Clube dos 13

32 times conquistaram o direito de jogar o Campeonato Brasileiro de 87. Contudo, em julho, dois meses antes de começar o campeonato, a CBF informa que não teria condições de organizá-lo, alegando falta de dinheiro. Corria-se o risco de não haver campeonato naquele ano. Diante desse impasse, os clubes se organizaram para viabilizar a competição. Capitaneados por Carlos Miguel Aidar, então presidente do São Paulo, e Márcio Braga, então presidente do Flamengo, tem origem o Clube dos 13.

Um detalhe que dá o tom do Clube dos 13 é que ele não nasce 13, mas sim 12. Além de Flamengo e São Paulo, a célula inicial do Clube contava com: Atlético-MG, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos e Vasco. A pedido de Manoel Tubino, então presidente do CND (Conselho Nacional de Desportos), um clube do Nordeste deveria ser incluído, talvez fosse interessante e político ter um clube da região, soaria “democrático”, então o Bahia foi o escolhido para integrar o grupo. Nascia assim o Clube dos 13. Nas palavras de Carlos Miguel Aidar: “uma entidade disposta a valorizar o futebol brasileiro para os grandes clubes”.

Clube dos 13. Fonte: Wikipédia.

Mas quem eram os grandes clubes? Os campeões brasileiros até então? O Corinthians, por exemplo, não tinha sido campeão brasileiro até então. Atlético-MG, Grêmio e Vasco tinham a mesma quantidade de títulos nacionais que Coritiba e Guarani, naquela ocasião. Assim como o próprio Bahia, que não faria parte, mas entrou no grupo como um contrapeso. Tamanho de torcida era um critério? Patrimônio? Qualquer que fosse o critério para definir um grande clube naquele momento, não justificaria “viabilizar” o futebol brasileiro para apenas 12 clubes. Quer dizer, 13, meio a contragosto, mas 13. Para Aidar e seus colegas, o restante do Brasil e seus times não entravam na conta.

A Copa União e o que nunca é discutido

Fundado o Clube dos 13, partiu-se para viabilização da competição substituta do Campeonato Brasileiro. A Copa União teria 16 participantes – os 13 clubes da entidade recém-criada, mais 3 convidados – , o que por si já era uma grande aberração, sobretudo por excluir times como o América carioca, terceiro lugar em 86, e o Guarani, vice campeão. No entanto, nem os 16 times era a ideia inicial do Clube dos 13. Segundo Carlos Miguel Aidar:

“a ideia era, realmente, fazer jogos entre nós e depois criar mecanismos, com o passar do tempo, de acesso e descenso. Mas 87 e 88 a ideia era não mexer nos 13, era deixar os 13”.

Alguém pode questionar: “mas qual o problema de jogarem entre si? Eles se organizaram, viabilizaram a competição, qual o problema de jogarem somente os 13, ou, por filantropia e política, os 16?” Problema nenhum, desde que não quisessem proclamar Campeão Brasileiro o vencedor desse torneio. Com que direito e autoridade um grupo de 12 times poderia determinar através de uma competição com 16 times o campeão brasileiro? E se os clubes do Norte e Nordeste organizassem uma competição semelhante, poderiam, a partir dela, proclamar o vencedor como o Campeão Brasileiro de 87?

Ainda segundo Aidar:

“Não, não havia receio nenhum, ninguém chamava de segunda divisão. O Campeonato Brasileiro era a Copa União, a Copa União era o módulo verde, ponto. Ali era o Campeonato Brasileiro, o resto não era Campeonato Brasileiro. Simples assim”.

A Copa União nasce com um caráter excludente, elitista e preconceituoso. Belo combo. Porém, o mais lamentável – mas não surpreendente – nisso tudo, seja ver, nos variados programas esportivos, dos mais conservadores aos mais “progressistas”, longas e inúteis discussões sobre quem é o campeão da Copa União, simplesmente para agradar a audiência, e nenhuma sobre a formação do Clube dos 13, ou sobre a proposta inicial da Copa União. Por que apenas 13 times? Por que 16? E os outros 16 que tinham direito de disputar o campeonato? É justo declarar Campeão Brasileiro um time que jogou uma competição com apenas 16 times, escolhidos a partir de critério nenhum, em um país do tamanho do Brasil? O que assistimos, pelo contrário, são jornalistas, de diferentes posturas ideológicas, silenciarem a respeito disso tudo. Esse assunto não os interessa.

Não é a toa que os comentários não vão muito além do patético “as maravilhosas torcidas dos clubes do Nordeste” quando é para falar de algo relacionado ao futebol ao Norte de Minas Gerais. Como se só tivéssemos isso por aqui. No final, também não os interessa.

Nota: as falas de Carlos Miguel Aidar foram retiradas do documentário “Especial Copa União 1987: o Brasileiro que ainda não acabou”, produzido pelos canais Esporte Interativo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

João Gabriel

Mestre em Geografia pela UFPE.

Como citar

NASCIMENTO, João Gabriel. Copa União 87: o que nunca é discutido. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 61, 2020.
Leia também:
  • 178.27

    Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?

    Elias Cósta de Oliveira
  • 178.26

    1974/2024: a solitária revolução portuguesa e lampejos sobre o futebol

    Fabio Perina
  • 178.25

    Jogo 3: Galo 3 x 2 Peñarol

    Gustavo Cerqueira Guimarães