A histórica remontada no Craven Cottage
Em 2010 a Liga Europa viu o tradicional Fulham-ING e a gigante Juventus-ITA protagonizarem uma das mais emocionantes viradas do futebol europeu
Não é novidade para ninguém a tradição que Inglaterra e Itália representam na história do futebol mundial. Quando times desses países se enfrentam, normalmente se espera disputas acirradas e jogos emocionantes, a não ser que envolva um gigante e um pequeno naqueles jogos comumente chamados de duelos “Davi e Golias”.
Foi exatamente um confronto desses que se formou na fase oitavas de final da Europa League 2009/2010, a primeira com novo nome da antiga Copa da UEFA. A disputa colocou frente a frente a multicampeã Juventus-ITA, que buscava se reafirmar no cenário europeu depois de chegar à segunda divisão da Itália, após se envolver em um escândalo no futebol local anos antes, e o tradicional, mas não tão expressivo Fulham-ING, que outrora chegou a vencer a Copa Intertorto, uma competição europeia de terceiro escalão, extinta em 2008.

O caminho até o duelo
A forma como as duas equipes chegaram à primeira edição da Liga Europa dizia muito sobre a grandeza dos times. A Juventus, então vice-campeã italiana, vinha de uma desclassificação na fase de grupos da Liga dos Campeões, quando ficou em terceiro lugar no Grupo A, atrás de Bordeaux e Bayern de Munique. Por outro lado, o Fulham estava ali depois de vencer a corrida com o Tottenham e terminar a última edição da Premier League em sétimo lugar, conquistando a última vaga destinada aos ingleses para aquela competição europeia.
Vinda da Champions, a Juventus não disputou a fase de grupos da Liga Europa, e aterrissou logo na fase 16 avos de final, onde eliminou o Ajax depois de vencer na Holanda por 2 a 1 e empatar sem gols na ‘Velha Bota’. Já os ingleses precisaram superar o Grupo E, onde passou em segundo lugar, atrás da Roma e a frente do Basel e do CSKA Sofia, e eliminar na fase seguinte o Shaktar Donetsk, vencendo por 2 a 1 na ‘Terra da Rainha’ e empatando em 1 a 1 na Ucrânia.
O primeiro jogo: vitória tranquila da favorita Juventus
No dia 11 de março de 2010, pouco mais de 11 mil espectadores foram até o Estádio Olímpico de Turim para ver o primeiro jogo daquela oitavas de final. Eles viram um jogo convincente da Vecchia Signora, tida como uma das favoritas a levar o título daquele campeonato. Gigante e favorita, a Juve abriu o placar logo aos 8 minutos de jogo, quando o zagueiro Legrottaglie marcou de cabeça, aproveitando o cruzamento do meia brasileiro Diego, o mesmo que hoje defende o Flamengo. Logo depois, aos 25 minutos, o lateral Zebina aumentou para os italianos.
O clube londrino diminuiu com o meia Etuhu, que aos 36 minutos anotou o seu tento deixando o placar em 2 a 1. Mas a Juventus tinha um artilheiro conhecido no mundo inteiro. David Trezeguet fez valer o seu faro de gol e aumentou a vantagem para os bianconeri, dando números finais ao jogo.
O segundo jogo: a glória improvável dos londrinos
Uma semana depois do jogo em Turim, as duas equipes voltaram a se encontrar em um assustador estádio Craven Cottage lotado. Estavam presentes 23.458 torcedores para empurrar os donos da casa rumo a um milagre. Mas logo aos dois minutos de jogo, um golpe do artilheiro Trezeguet tratou de minar a fé dos torcedores londrinos, quando o argentino naturalizado francês abriu o placar e aumentou a vantagem dos italianos que agora abriam 4 a 1 no agregado e obrigava o time da casa a fazer pelo menos três gols e não sofrer mais nenhum para levar o jogo à prorrogação.
As esperanças dos torcedores locais foram reavivadas sete minutos depois, quando aos nove, Bobby Zamora empatou o jogo e correu com a bola embaixo do braço para o meio campo no intuito de reiniciar logo a partida. O jogo seguiu e aquela Juventus segura e letal do primeiro jogo parecia ter ficado em Turim. Aos 27 minutos, o zagueiro estrela Fabio Cannavaro foi expulso após agarrar um adversário na entrada da área e deu uma nova dose e ânimo para os ingleses, que aos 39 minutos, com Zoltán Gera, conseguiram virar o jogo e deixar o time da casa em vantagem ao final da primeira etapa.

No segundo tempo o gigante parecia ser o Fulham, que acuava a Juventus como se os italianos fossem azarões naquela fase da competição. A pressão surtiu efeito e logo aos quatro minutos da segunda metade do jogo, o brasileiro Diego meteu a mão na bola dentro da área. Pênalti convertido por Gera e uma insana euforia nas clássicas arquibancadas do estádio erguido em 1896, ainda no século XIX.
O resultado era suficiente para levar o jogo ao tempo extra e isso já era um enorme feito pra os donos da casa. Mas a torcida acreditava que podiam mais e os jogadores acreditavam que isso era possível. Aos 26 minutos da etapa final, Roy Hodgson colocou em campo o homem que mudaria a história do jogo e assinaria um belo capítulo da história do Fulham, o estadunidense Clint Dempsey, que há nove dias tinha completado 27 anos de idade.
Foi o meia atacante da terra do Tio Sam que colocou números finais àquela batalha, quando aos 37 minutos, fez uma verdadeira obra de arte ao dominar na entrada da área, virar e chutar com a maestria inglesa, encobrindo o goleiro Chimenti, e oferecendo numa bandeja, a glória improvável para a torcida ensandecida no Craven Cottage. Depois do golaço de Dempsey a Juventus não conseguiu nada mais que uma nova expulsão. Zebina foi expulso nos acréscimos do jogo que acabou em 4 a 1, eliminando a poderosa Juventus de Cannavaro, Fabio Grosso, Camoranesi, Felipe Melo, Diego, Trezeguet e Del Piero. Esse era realmente um time muito favorito àquele título.
Depois dali o Fulham continuou sua caminhada, protagonizando uma enorme façanha para o pequeno londrino que aos poucos foi alçando voos mais altos até chegar a prorrogação da grande final diante do Atlético de Madrid, quando finalmente foi derrotado por 2 a 1. Apesar da derrota na finalíssima, aos londrinos restou muita honra e a grandeza de um autêntico clube inglês dos primórdios do futebol.
