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Cuba: um bloqueio para futebol

Antoni Daimiel 25 de julho de 2021

Uma bola ameaça a supremacia do beisebol como um reflexo das mudanças sociais que a juventude cubana vem experimentando. O jornalista Antoni Daimiel explorou Zulueta, onde o futebol cubano é venerado. O futebol também é um símbolo das mudanças recentes. Os jogadores que residem no exterior já podem jogar por Cuba. Uma decisão histórica em Havana.

Cuba
Foto: Yuleidy Malleza.

Em meados de abril de 2012, um documentário da Facultad de Comunicación da Universidad de la Habana realizou uma pesquisa, coordenada pelo aluno Julio Batista Rodríguez, que não deixou dúvidas sobre uma nova e revolucionária realidade social em Cuba: a maioria dos cubanos com menos de 40 anos mostram uma maior predileção pelo futebol do que pelo beisebol. Sete em cada dez entrevistados conseguiram dizer, por exemplo, os últimos três campeões da Liga dos Campeões. Na mesma época, a rádio nacional Radio Coco entrevistou quase 2.000 pessoas perguntando sobre o evento esportivo que mais despertou o interesse na televisão. O resultado foi 43,5% para um clássico entre Barcelona e Real Madrid, enquanto 18% para Cuba x EUA do World Baseball Classic. É a demonstração oficial que a febre do futebol invadiu os cubanos desde os últimos anos do século XX, uma nova tendência aceita pelas autoridades esportivas e que não deve ser subestimada se levarmos em conta que o beisebol tem sido, há mais de meio século, o estandarte das vitórias esportivas, o esporte dos revolucionários contra o inimigo e vizinho do norte. Cuba está mudando.

A frota automobilística vem se renovando, é possível comprar e vender carros e casas. Casas de show de reggaeton estão lotando, com ingressos a 80 euros. Muitos emigrados da Flórida visitam a ilha, seu país de origem, nos finais de semana com suas famílias e amigos. Novos restaurantes e bares com estética europeia, e os cuentapropistas e autônomos se multiplicam. Concomitantemente, o gosto esportivo dos cubanos vem mudando lenta e progressivamente, há pelo menos uma década. Trata-se de uma febre que atinge as últimas gerações, principalmente graças à influência do futebol europeu, e coincide com o período do boom da Premier League, dos galácticos do Real Madrid e das eras de Ronaldinho e Messi no FC Barcelona.

A primeira Copa do Mundo totalmente televisionada em Cuba foi nos Estados Unidos em 1994. O programa semanal ‘Gol’ na televisão nacional começou a ser transmitido em 1998 e seu diretor e apresentador Reinier González se diz fã do Valencia CF. Este programa, geralmente, transmite alguns jogos das Ligas espanholas, inglesas e italianas, por outro lado, muitas vezes a televisão nacional não oferece jogos da seleção cubana de futebol em torneios como a Copa Ouro da Concacaf, principal torneio de seleções da América do Norte, Central e Caribe. Os cubanos assistem ao melhor futebol do mundo há 15 anos na televisão, oportunidade que não tiveram, por exemplo, com o beisebol ou o basquete, esportes diretamente relacionados à essência e supremacia dos Estados Unidos.

Cuba

Bairros, ruas e parques cubanos são cenário de várias fotos de jovens cubanos jogando futebol. Mesmo porque, Cuba não pôde e não quer ficar alheia aos avanços do futebol global, fenômeno comum – guardada as devidas proporções – em países vizinhos como República Dominicana, Nicarágua, Porto Rico, Venezuela e Panamá e em outras grandes potências, como os Estados Unidos, China e Japão.

Durante a Copa do Mundo de 2010 e Euro 2012, muitos cinemas cubanos foram montados para transmitir os jogos ao vivo. Formaram-se filas de milhares de adeptos, encheram-se os cinemas e até um grave incidente ocorreu em novembro de 2010 na sala Camilo Cienfuegos, em Santa Clara, por ocasião do embate entre Barcelona e Real Madrid (5-0). Um empresário autônomo vendeu cerca de 1.500 ingressos (mais de dois euros cada) para a transmissão ao vivo do jogo no cinema da capital villaclareña. A televisão nacional não ofereceu o jogo vivo, assim, a projeção ficou sem sinal. Os torcedores na fila de entrada reagiram com raiva ao saber da fraude, e despertaram a instalação.

Em Havana, atualmente, hotéis e cafeterias com sinal de satélite arrecadam o faturamento do mês em um único, quando uma partida de grande significado é realizada.

Zulueta, o berço do futebol

A população de Zulueta, na província de Villa Clara, não é vítima desta moda que atinge a última geração. De fato, está documentado que os comerciantes espanhóis, na sua maioria de origem canária, já jogavam futebol na cidade em 1901. Zulueta, com 7.000 habitantes, esconde-se entre as festeiras vilas de Remedios e Placetas, perto dos recantos turísticos de Santa María e Ensenachos. Uma cidade sagrada para a religião da bola, que viveu pelo e para o futebol por mais de um século. No seu parque central destaca-se o monumento ao futebol, uma bola maciça de cimento com um metro e meio de diâmetro por onde passam os caixões dos zulueteños, uma parada obrigatória no meio da despedida final.

De Zulueta saíram 22 jogadores que disputaram o campeonato nacional, segundo Ariel Brito, que é autor do blog portoriquenho elfutbolzulueteno.blogspot.com.

A criação do Club Deportivo Zulueta remonta a 1918. Seu estádio, um cartão postal caribenho com palmeiras, ostenta a melhor grama natural do país para a prática de futebol, resultado de condições especiais: neblina matinal e temperaturas quatro ou cinco graus abaixo do usual da região. Felipe “El Bolo” Zannety, ex-lateral dos times Zulueta e Villa Clara nas décadas de 70 e 80 e ex-internacional cubano de hóquei sobre grama, é o zelador do Estádio Camilo Cienfuegos. Dizem que às vezes ele dorme e cozinha embaixo das arquibancadas. Lá são disputados grandes jogos do campeonato nacional, embora as arquibancadas e vestiários não reúnam as condições exigidas pela FIFA para receber partidas internacionais. Os zulueteños reivindicam essa honra devido ao gramado, a firmeza do campo e os torcedores da região. O que é mais questionado ali é que os últimos subsídios da FIFA para a Federação Cubana de Futebol foram desviados para o beisebol nacional e não para melhorar as instalações do estádio.

Cuba
Foto: Yuleidy Malleza.

Até há poucos meses, a principal peña de futebol de Zulueta denominada “Gool de Cuba” tinha a sua sede no salão de cabeleireiro de Anry Garit, onde se encontrava inúmeros souvenirs e artigos relacionados ao futebol local. Devido à nova legislação sobre o comércio autônomo e as fiscalizações, o cabeleireiro fechou e agora só existe em Zulueta uma peña, a “Diego Armando Maradona”, presidida por Nelson Rodríguez Curiel, torcedor de futebol que já deixou por escrito seu desejo para ser enterrado com a camisa do Boca Juniors. Nelson e Anry participam de muitos encontros em torno de uma rádio sintonizada por ondas curtas com a Rádio Exterior de España para acompanhar e imaginar os melhores jogos do futebol espanhol. Muitos desses fãs mantêm estatísticas atualizadas e classificações da liga de uma forma tradicional. É sabido que também se realizam esses encontros em torno dos rádios em outras localidades cubanas, com nas províncias de Ciego de Ávila, Holguín e Granma.

Futebol por meio de uma luneta

A chegada oficial do futebol em Cuba ocorreu na segunda década do século passado. A influência dos marinheiros ingleses e a tradição espanhola geraram as primeiras partidas e times organizados. Em 1911 nasceu a primeira liga, e em 1926 o futebol cubano entrou na FIFA.

Em 1938, Cuba participou da Copa do Mundo da França a convite, derrotando a Romênia e chegando às quartas de final em sua única participação em uma fase final.

O estádio La Tropical da capital (hoje Pedro Marrero) foi palco de grandes jogos na época. A partir dos anos 1940, o beisebol, assim como a moda e a economia americana, ganhou muito espaço na vida e na sociedade cubana. Posteriormente, a política esportiva da etapa revolucionária multiplicou os triunfos internacionais, desenvolvendo as disciplinas com as melhores opções para divulgar o nome de Cuba em todo o mundo. Coincidindo com esta nova febre provocada por referências estrangeiras, o futebol cubano conseguiu se desenvolver, vítima de difíceis condições econômicas e as recorrentes deserções. Os cubanos assistem ao futebol com uma luneta, com a qual podem desfrutar de figuras mundiais, mas não reconhecem os jogadores da seleção nacional.

Maradona viveu em Cuba durante quatro anos, mais por motivos de reabilitação do corpo e da alma. Também da Argentina, Cesar Luis Menotti, Mauro Navas e o preparador físico Fernando Signorini ofereceram cursos e conferências na ilha, além de treinadores estrangeiros como o bem-sucedido norte-coreano Kim Yong Ha, o italiano Campari, o peruano Company e o alemão Reinhold Fanz. Mario Lara, autor americano do blog futbolcubanofutboldecuba.blogspot.com define a essência do produto nacional do futebol da seguinte forma: “O jogador cubano é técnico por natureza, dado um jogo mais latino de toque e drible, mais próximo de suas raízes genéticas galegas e canárias do que do futebol mais britânico de força e velocidade características também de países caribenhos como Jamaica e Trinidad”. Não podemos deixar passar a anedota de que a chamada Escuela Cubana de Dominio del Balón tem mais de 60 marcas universais e recordes do Guinness desde 1994, graças ao desempenho dos irmãos Douglas e Erick Hernández.

A maioria dos jogadores cubanos desertaram nos últimos anos, fugindo do amadorismo, como os casos dos atacantes Lester Moré e Maykel Galindo. O melhor jogador cubano da atualidade é Osvaldo Alonso, considerado um dos melhores médio-volantes da MLS americana. Alonso joga pelo Seatlle Sounders e há dois anos estava sendo sondado pelo time inglês Everton. O meio-campista internacional de 27 anos escapou dos seus companheiros de equipe em um Wal-Mart de Houston em 2007. Saiu às ruas e correu vários quarteirões. Horas depois, ele pegou um ônibus para Miami. Alonso já é cidadão dos Estados Unidos e a federação do país norte-americano está em negociações com a FIFA para obter a licença que permite sua convocação em futuros eventos internacionais.

 

Tradução: Victor de Leonardo Figols

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

DAIMIEL, Antoni. Cuba: um bloqueio para futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 50, 2021.
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