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Cuca: o símbolo do mediano

Pedro Zan 11 de novembro de 2020

Como bem disse o torcedor sensato: o santista não tem paz – e 2020 é prova disso. 2019 foi um ano “mágico” sob o comando daquele que é, até hoje, um dos melhores (quiçá o melhor) treinadores em atividade no futebol brasileiro: foi naquele ano (aparentemente tão distante já) que o modesto elenco do Santos bateu de frente com as grandes potências do Brasil, como Palmeiras e Flamengo, jogando o futebol que a torcida gosta – ofensivo, sem medo. Finalmente um nome diferente dos de sempre, que circulam pelos clubes brasileiros na nossa grande “dança das cadeiras”. Mas o que é bom dura pouco.

As rusgas de Sampaoli com o então presidente do clube, José Carlos Peres, eram claras ao longo de toda a temporada, mas se escancararam em dezembro, quando as conversas sobre a renovação do argentino começaram. Não tinha “menino da árvore” que pudesse convencer o baixinho de continuar na Vila Belmiro, e o “delírio coletivo” se encerrou. O 2020 seria sob o comando de outro treinador.

Não tardou para que as buscas começassem: a diretoria logo foi atrás de um substituto e, corretamente, o procurou no mercado internacional, para manter a linha de escapar da mesmice brasileira. A alternativa foi Jesualdo Pereira. Um treinador de bom currículo, mas que não deixava de ser uma aposta: o português de 74 anos já estava aposentado e não comandava uma equipe em uma liga de bom nível há mais de uma década (seu último trabalho havia sido no Catar pelo Al-Sadd, o “time do Xavi”). Pena que a aposta não foi das melhores. Os resultados no Campeonato Paulista não foram bons – diferentemente da Libertadores. Mas o desempenho não agradava. Aí veio a pandemia.

Já não bastava o coronavírus, o santista tinha que lidar com outro problema no período sem futebol: o próprio Santos. A parada foi extremamente conturbada, com a crise política e financeira do clube se agravando cada vez mais. Pouco antes do retorno do futebol, Peres corria risco de passar por (mais um) processo de impeachment, enquanto Eduardo Sasha e Éverson, titulares da equipe, entravam na justiça contra o clube por conta de atrasos em pagamentos de direitos de imagem e por descontentamento com o corte de 70% dos salários imposto pela presidência. Nas três partidas que restavam no Campeonato Paulista, duas derrotas, um empate, uma eliminação em casa nas quartas do torneio e uma demissão das mais covardes da história do futebol brasileiro: Jesualdo não era mais o treinador da equipe, e nem sequer recebeu a notícia pela voz do próprio presidente. Tudo isso a poucos dias do início do Brasileirão.

Clube endividado, presidente perto de ser afastado, possível debandada de jogadores por ação na justiça, além de uma punição na FIFA que impossibilita qualquer contratação de atletas… O roteiro perfeito para a inédita queda para a Série B. Quem aceitaria assumir a equipe nessas condições? A resposta da diretoria: Alexi Stival, o Cuca, mesmo treinador que pegou o time na zona do rebaixamento em 2018 após a trágica passagem de Jair Ventura pela Baixada Santista.

Cuca. 

Técnico Cuca treina como goleiro no CT do Santos. Foto: Ivan Storti/Santos FC.

Em menos de um ano, o Santos saiu de Sampaoli para voltar ao mesmo treinador da equipe de dois anos atrás. Um daqueles que circula por quase todos os times do país desde que virou treinador. O regresso foi grande.

A questão é que, surpreendentemente, o desempenho da equipe melhorou sob o comando do paranaense. Tudo bem que era difícil piorar. E que Cuca contou com a sorte de ter Marinho no melhor momento de sua carreira, diferentemente de Jesualdo, que perdeu o camisa 11 logo na primeira rodada do Paulistão e só o teve de volta nas três últimas partidas que realizou como comandante. Mesmo assim, Cuca conseguiu tirar o time do fundo do poço, além de realizar muito mais como presidente do que o próprio Peres (que viria a ser afastado posteriormente) ao impedir a debandada e ainda conseguir costurar acordos com Sasha e Éverson, que permitiram que o clube não os perdesse de graça. De forma inacreditável, o time do Santos hoje briga por uma vaga na Libertadores pelo Brasileirão.

O problema é que o treinador é justamente Alexi Stival – e o time é o Santos, aquele que não dá paz nunca para o torcedor. Cuca tirou o time da lama, sim, mas também não consegue dar o “passo a mais”. Quando o alvinegro poderia entrar no G-4 com uma vitória em casa em cima do Atlético Goianiense, que havia acabado de perder seu treinador para o Corinthians, o Peixe foi derrotado por 1 a 0. Depois de uma boa vitória fora de casa contra o Coritiba, para se recuperar dessa derrota, Cuca montou uma equipe que só fazia sentido em sua cabeça e o time teve uma atuação desastrosa no Maracanã contra o Fluminense (adversário direto na briga na parte de cima), sendo derrotado por 3 a 1 – mesmo placar da vitória em casa sobre o Bahia na rodada seguinte, uma das melhores atuações do time na mão do treinador, resultado que veio dois dias antes da eliminação mais do que justa para o Ceará na Copa do Brasil, após derrota por 1 a 0 no Castelão, em uma das piores atuações do time sob o comando de Stival.

A verdade é que Cuca é isso: não irá rebaixar o Santos, mas também não permitirá o torcedor a sonhar mais alto (mesmo que pudesse, considerando-se o nível dos adversários contras os quais a equipe perdeu pontos e até o desempenho nos jogos, como é evidente nas partidas contra Red Bull Bragantino e Corinthians, nas quais o time abriu o placar, era superior, mas ao invés de buscar “liquidar a fatura”, recuou, deixou o adversário crescer e acabou cedendo o empate). E o santista sabe disso desde 2018: na 33ª rodada do Brasileirão daquele ano, o Peixe era o 7º colocado e poderia se consolidar no G6 dois pontos à frente do Atlético Mineiro se vencesse a Chapecoense (17ª colocada) em casa. O resultado? Chape 1, Santos 0 no Pacaembu e chances de classificação para a principal competição continental cada vez menores (o Alvinegro terminaria em 10º lugar).

Cuca é o símbolo do mediano e, de certa forma, o símbolo do que é o Santos já há bastante tempo (pelo menos desde 2017, mas eu diria que desde 2013). O torcedor pode ficar tranquilo: não seremos rebaixados neste ano. Mas não adianta ter expectativas. O Peixe já foi eliminado nas oitavas da Copa do Brasil, tem um compromisso dificílimo na Libertadores contra a LDU e provavelmente não irá muito além do 7º lugar no Brasileirão, podendo beliscar uma vaguinha na principal competição continental da América do Sul do ano que vem, a depender do desempenho dos times da parte de cima nas Copas. E é isso. Nas mãos de Cuca, o Santos não renderá mais do que tem apresentado. Se a próxima presidência (a ser eleita em dezembro) tem alguma ambição para o clube – o que é difícil dada a sua situação financeira – Alexi Stival não pode ser o treinador, pois, com ele, é sabido que títulos não virão. Mas, por enquanto, é melhor mantê-lo para evitar um desastre. Porque, infelizmente, o santista não tem paz.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Zan

Quase formado em Filosofia na Unicamp, mas bom mesmo é falar de futebol. Santista desde sempre, também tenho um podcast, "Os Acréscimos", e sou um dos administradores da página "Antigas Fotos do Futebol Brasileiro".

Como citar

ZAN, Pedro. Cuca: o símbolo do mediano. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 20, 2020.
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