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Cultura, Identidade e Futebolização em Budapeste

Rodrigo Koch 17 de maio de 2022

Este texto também faz parte da série Cultura, Identidade e Futebol (KOCH 2022a, KOCH 2022b, KOCH 2022c) e, integra o período de pós-doutorado (Institut de Creativitat i Innovacions Educatives de la Universitat de València), no qual observo e analiso condições da Futebolização (KOCH 2020) em território europeu, utilizando basicamente duas ferramentas metodológicas: observação e fotografias, conforme já descrito nos artigos anteriores desta série. Os relatos que seguem são a partir das vivências e experiências deste pesquisador em Budapeste – capital da Hungria –, ou seja, as percepções provocadas estão vinculadas aos contatos sociais, períodos econômicos, e, também climáticos pelos quais cada um investiga os comportamentos das cidades. Portanto, são aspectos que contribuem e conduzem para os olhares sobre a identidade cultural na pós-modernidade vinculada ao futebol, já que a Futebolização – fruto da globalização a partir do futebol espetacularizado e mercantilizado – está imersa em um campo fluído e apresenta variações de tempos em tempos; se transformando e transfigurando em cada espaço que penetra e a cada instante.

Vale lembrar que historicamente o território geográfico onde hoje está localizada a Hungria, vivenciou séculos de sucessivas ocupações de povos celtas, romanos, hunos, eslavos, gépidas e ávaros; e o país foi definitivamente fundado no final do século IX, sendo posteriormente convertido para um reino cristão. Até o século XII, a Hungria era uma potência média, alcançando seu auge no século XV. O país ficou sob ocupação otomana (1541-1699); ressurgiu sob o domínio dos Habsburgos; e formou uma parte significativa do Império Austro-Húngaro (1867-1918). As fronteiras atuais foram estabelecidas após a Primeira Guerra Mundial, quando a nação perdeu 71% de seu território, e 58% da sua população. A Hungria aderiu às potências do eixo na Segunda Guerra Mundial, sofrendo danos significativos e, ficando sob a influência da URSS no pós-guerra, tendo governos comunistas por quatro décadas (1947-1989). Há pouco mais de três décadas a Hungria tornou-se novamente uma república parlamentar democrática. Como o objetivo deste texto não é contar a história da Hungria, para mais dados históricos, políticos e econômicos sobre a constituição do país, sugiro consultar Lázár (1990).

Esporte e Futebol na Hungria

A Hungria possui o terceiro maior número de medalhas olímpicas per capita e o segundo maior número de medalhas de ouro per capita do mundo, com grande destaque no polo aquático e natação, juntamente com o boxe e o futebol considerados os esportes da preferência dos húngaros. Apenas sete países possuem mais medalhas olímpicas do que a Hungria: Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França, China, Itália e Alemanha.

Futebol Hungria
Artigos futebolizados da seleção húngara e dos principais times do país. Fotos: Rodrigo Koch

No futebol, o país teve destaque na primeira metade do século XX, com seu auge no final da década de 1940 até meados da década de 1950 quando ocorreu a Revolução Húngara de 1956 – uma revolta popular espontânea contra as políticas impostas pelo governo local e pela União Soviética. O movimento – ‘silenciado’ e ‘oprimido’ pelas forças soviéticas – acarretou a deserção dos principais futebolistas húngaros, todos vinculados ao exército do país – onde ocupavam postos de destaque, ainda que nunca tivessem atuado em qualquer campo de batalha ou movimento militar, pois assim funcionava o sistema esportivo húngaro naqueles tempos; ou seja, como não havia a profissionalização, os salários e demais benefícios eram concedidos através de posições de destaque no Exército. Até então, a Hungria havia sido duas vezes vice-campeã mundial (Copa do Mundo FIFA Itália 1938 e Copa do Mundo FIFA Suíça 1954), campeã olímpica em Helsinki 1952, e campeão da Europa Central em 1953, além de ter sido a primeira seleção não britânica a derrotar em solo inglês os inventores do futebol, em pleno Estádio de Wembley, também em 53, com um elástico placar de 6 a 3. Entre os principais expoentes daquele selecionado estão: o goleiro Grosics, o lateral Buzánszky, os meias Bozsik e Hidegkuti, e os atacantes Kocsis e Czibor, além do maior futebolista húngaro de todos os tempos, o meia-atacante Ferenc Puskás. A última participação da Hungria em Copas do Mundo correu no México, em 1986, quando foi eliminada na primeira fase em um grupo que contava com União Soviética, França e Canadá. Nas eliminatórias europeias para a Copa do Mundo FIFA Qatar 2022, esteve no grupo I, onde a Inglaterra garantiu vaga direta e a Polônia se classificou via repescagem. Teve ainda como adversários nesta fase, Albânia, Andorra e San Marino.

Puskás
A futebolização em Budapeste através do lendário Puskás. Fotos: Rodrigo Koch

Os clubes húngaros poderiam ter tido maior destaque no cenário europeu de décadas passadas, especialmente o Budapest Honvéd FC – equipe vinculada ao exército e que abrigou grande parte da seleção húngara até a Revolução. No entanto, o surgimento de uma competição interclubes europeus ocorreu apenas em meados da década de 1950, com amplo domínio do Real Madrid CF nos primeiros anos. Inclusive, o clube espanhol viria a se tornar num futuro breve a ‘nova casa’ de Puskás (em 1958), assim como outros clubes espanhóis para os demais destaques magiares. O campeonato húngaro de futebol é disputado desde 1901 e atualmente conta com 12 equipes, em sistema de pontos corridos em três turnos. O campeão classifica-se à segunda fase do torneio eliminatório da Champions League, enquanto que segundo, terceiro e quarto colocados, vão à Europa League. Os maiores vencedores do campeonato nacional são: Ferencvárosi TC (33 títulos), MTK Budapest FC (23 títulos), Újpest FC (20 títulos), e Budapest Honvéd FC (14 títulos), todos sediados na capital do país, Budapesti.

O cenário contemporâneo e pós-moderno na capital húngara

Caminhando pelas ruas centrais e turísticas de Budapeste é notável o envolvimento da capital do país com o futebol, pois em várias lojas há artefatos alusivos aos clubes locais e, por certas vezes, também aos principais clubes do cenário europeu internacional, especialmente, os clubes ingleses. A veneração pela histórica seleção húngara, das décadas de 1940-50, permanece, com uma verdadeira devoção ao ex-craque Puskás, estampada em cartazes, flâmulas, mantas e em réplicas de camisetas utilizadas pelo mesmo quando este ainda defendia a seleção húngara. Até mesmo há um bar tematizado localizado na Gozsdu Udvar, uma espécie de galeria (ou boulevard) com bares e restaurantes aberta 24 horas no bairro judeu de Budapeste.

Bar Puskás. Fotos: Rodrigo Koch
Futebol Hungria
Manifestações do Ferencvárosi TC. Fotos: Rodrigo Koch

A preferência local é pelo Ferencvárosi TC, que chegou ao seu 33º título na temporada 2021/22 e, que apresenta o maior número de artefatos futebolizados em circulação pelas bancas, lojas, ruas e praças de Budapesti. Sendo uma metrópole, Budapeste apresenta uma certa diversidade futebolística, com milhares de turistas circulando pelas ruas e praças centrais, alguns desses trajando camisetas das mais variadas equipes de futebol. A capital húngara está dividida em kerülets (distritos) onde estão bem claras as marcas dos clubes nascidos e vinculados a estes espaços, principalmente em Ferencvarós, Kispest e Újpest. O maior clássico local reúne Ferencvárosi TC versus Újpest FC (clássico verde-roxo), seguido por Újpest FC contra o Budapest Honvéd FC, e Ferencvárosi TC versus MTK Budapest FC, chamado de time dos judeus. No contexto atual, podemos afirmar que os aficionados húngaros pelo futebol seguem algum clube local – com preferência maciça pelo Ferencvárosi TC –, mas também sofrem fortes influências dos grandes clubes do cenário europeu contemporâneo, pois há, em certa medida, manifestações espontâneas de crianças e jovens e, em menor proporção de homens adultos, trajando camisetas ou bonés, ou carregando mochilas e bolsas com os símbolos do Manchester United FC, Chelsea FC, Liverpool FC, Arsenal FC, Real Madrid CF e FC Barcelona entre os mais destacados. Durante as três semanas que estive em Budapesti, observei que entre as manifestações espontâneas um terço delas está vinculada aos grandes, e também médios e pequenos clubes da Inglaterra; outro terço às equipes locais (com ampla maioria de aficionados do Ferencvárosi TC) e aos grandes times da Espanha; e o terço final com uma ampla diversidade, na qual se encontra também simpatizantes de times brasileiros. Também há manifestações de pessoas com artefatos genéricos futebolizados ou para com clubes menores do cenário europeu e, que até mesmo frequentam as divisões inferiores em seus respectivos países.

Futebol europeu
Manifestações e artigos futebolizados de clubes europeus grandes e pequenos nas ruas de Budapeste. Fotos: Rodrigo Koch

Referências

KOCH, R. Futebolização: identidades torcedoras da juventude pós-moderna. Brasília, DF: Trampolim Editora/Ministério da Cidadania, 2020.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebol na Europa contemporâneaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 10, 2022a.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Península Ibérica: Lisboa e ValènciaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 25, 2022b.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Europa Ocidental: França, norte da Itália, e SuíçaLudopédio, São Paulo, v. 154, n. 28, 2022c.

LÁZÁR, I. Hungary a Brief History. Budapeste: International Specialized Book Service Incorporated / Corvina Books, 2ª edição, 1990.

TAYLOR, R.; JAMRICH, K. Puskas: uma lenda do futebol. São Paulo: DBA Editora, 1998.

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Como citar

KOCH, Rodrigo. Cultura, Identidade e Futebolização em Budapeste. Ludopédio, São Paulo, v. 155, n. 18, 2022.
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