Há tanto tempo, li na Placar que Dario homenageara a filha recém-nascida marcando um gol e batizando-o com o nome dela, Shirley Terezinha. Gol de cabeça, uma especialidade do centroavante. Estávamos neste mesmo mês de outubro, mas há quarenta e cinco anos, e poucas semanas antes eu assistira à esmagadora vitória do Internacional sobre o Avaí, em Florianópolis. O time da Ilha ainda não tinha o estádio da Ressacada, e não podia mandar seus jogos pelo Campeonato Nacional no acanhado Adolfo Konder, onde hoje fica o Shopping Center Beira-Mar. A partida foi no Orlando Scarpelli, no bairro Estreito, campo do Figueirense. Hoje seria impensável que o mando fosse exercido no reduto do arquirrival, mas à época tudo era mais tranquilo e se tratavam ambos de, antes que inimigos, clubes coirmãos.

O Colorado derrotou o Avaí por quatro a zero naquela distante tarde de sábado em que fui ao estádio com meu pai e meu irmão e já sabíamos do talento de goleador de Dadá Maravilha. Ele não decepcionou: fez três gols, o primeiro finalizando cruzado e contando com o auxílio de uma leve elevação do irregular gramado local, o que lhe facilitou a tarefa de superar Danilo, o goleiro azurra. Como se não bastasse, o quarto tento foi de Pedro, que saíra do banco de reservas para substituir o próprio Dario.

O Dadá Peito de Aço era, para mim, um jogador do Inter e ponto: o número 9 que marcaria um dos gols na partida decisiva do Nacional contra o amado Corinthians, derrotando o Timão e impedindo que o jejum de vinte e dois anos sem títulos fosse quebrado. Na ordem da minha infância, a história do futebol era um mundo que se revelava aos poucos. Não foi sem surpresa que soube que o centroavante atuara com brilho pelo Flamengo (1973-1974) e conquistara o título nacional pelo Atlético Mineiro em 1971, tendo sido o autor do gol da final contra o grande Botafogo. Além disso, marcara nada menos que dez gols pelo Sport Recife, em partida que o rubro-negro venceu por quatorze a zero o pequeno e bravo Santo Amaro, equipe da capital pernambucana que, infelizmente, já não existe.

Destaque daquele 1976, Dario fez parte da seleção brasileira em jogo contra o Flamengo, uma homenagem a Geraldo, o talentoso meia formado na Gávea, que morrera havia pouco, na juventude dos vinte e dois, por causa de um choque anafilático em uma simples operação nas amígdalas. Até mesmo Pelé, que atuava pelo Cosmos de Nova York, veio para o encontro que também buscava recursos para vítimas das enchentes de Minas Gerais. Foi no lugar do Rei que o atacante entrou no campo para fazer sua última partida pela equipe nacional.

A história de Dario na seleção vinha, no entanto, de antes.  Eu o reconheci em uma foto entre os tricampeões do mundo, alguns anos depois da façanha no México. Ele ainda esteve na equipe que venceria a Minicopa, em 1972, jogada aqui no Brasil como um dos festejos que o ditador de então, o sanguinário Ernesto Garrastazu Médici, comandou em nome do Sesquicentenário da Independência. A partida final contra Portugal viu a entrada de Dadá durante seu desenvolvimento, em lugar de Leivinha, do Palmeiras. Afora o jogo festivo antes mencionado, o percurso com a camiseta amarela acabou para ele em 1973. Na famosa excursão à Europa daquele ano, quando foi escrito e divulgado o Manifesto de Glasgow, com o qual os jogadores rompiam com a imprensa, ele ainda fazia parte do plantel.

Dario
Dario vestindo a camisa da seleção brasileira em 1970. Foto: Gerência de Memória Acervo da CBF.

É famosa a celeuma segundo a qual Dario teria sido convocado para a Copa do México, em 1970, com o intuito de agradar a Médici, ou mesmo mediante pressão exercida por ele, por tratar-se de jogador de uma equipe popular, o Atlético. Não sei o quanto há de verdade nisso, embora seja certo que João Saldanha, técnico do selecionado durante as eliminatórias sul-americanas, confrontara a sugestão do ditador. Tempos depois, com Zagallo na função, o artilheiro do Galo foi chamado.

Na configuração tática que inicialmente vigorava, o escrete jogaria com um centroavante de ofício, Roberto Miranda, do Botafogo. Dario seria o suplente da posição, o que fazia todo o sentido, bastando lembrar que no ano seguinte ele seria o artilheiro do primeiro Campeonato Nacional de Futebol. O plano, no entanto, não foi adiante, já que Zagallo decidiu-se por um time sem um 9 de fato, de maneira que Tostão pudesse atuar não como uma referência na área, mas flutuando pelo ataque, tabelando e abrindo espaços, chamando, atrás da dupla de zaga adversária, o líbero para sua marcação.

Dadá Maravilha
Foto: Wikipédia

Sim, Dario tinha dificuldades em tabelar, dominava mal a pelota e dificilmente dava um passe para gol. Paulo Cézar Lima diz que nos tempos de Flamengo o centroavante era incapaz de dominar ou mesmo finalizar a jogada se o lançamento viesse com efeito. PC era craque, Dadá, que sempre reconheceu as limitações que tinha, não. Poucos apresentavam, no entanto, seu arranque, colocação na área, oportunismo e, acima de tudo, cabeceio. Dizia parar no ar, para cabecear com força e precisão, como helicópteros e beija-flores. De criança, entre incrédulo e admirado, eu saltava e tentava verificar se aquilo era possível.

Dario cresceu em uma instituição estatal que abrigava jovens, saindo dali para ser o jogador voluntarioso que foi, primeiro no Campo Grande, na Zona Norte do Rio de Janeiro, depois em times de Norte a Sul do Brasil. Com poucos anos de escolarização em sua trajetória, construiu uma persona folclórica que esconde a arguta inteligência que se mostra não apenas na colocação na área ou no reconhecimento dos seus limites. As boas respostas aparecem quando boas perguntas lhe são feitas, com sentenças que não dispensam o uso correto dos pronomes relativos. Venceu a miséria e as próprias insuficiências para ser artilheiro e campeão. Foi grande.

Ilha de Santa Catarina, outubro de 2021.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Dario: peito de aço, maravilha, vencedor. Ludopédio, São Paulo, v. 148, n. 35, 2021.
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