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De Stoichkov a Berbatov: a história do CSKA Sófia

“When I first saw you, with your smile so tender, my heart was captured, my soul surrendered”.

O pequeno trecho acima pertence à música “It’s Now or Never”, da lenda Elvis Presley. A canção é entoada pela torcida do CSKA Sófia enquanto seus jogadores entram em campo. Mais do que por motivação, ela ilustra bem qual o sentimento dos aficionados pelo clube.

Fundado em 05 de maio de 1948, a equipe carrega o nome de Sófia, capital da Bulgária. Tal como os outros “CSKA’s”, é um clube ligado ao Exército. Originalmente, a sigla significa Centralen Sporten Klub na Armiyata. Em português, “Clube de Esportes Central do Exército”. Com 31 títulos nacionais, além de 21 Copas, é o maior time do país, posto que vem sendo cobiçado pelo Ludogorets nos últimos anos. Desde 1967, o Bulgarian Army Stadium é lar do CSKA, construído no local de seu antecessor, o Athletic Park. Sua capacidade é para cerca de 23 mil torcedores. É lá que a equipe sedia o The Eternal Derby of Bulgaria, clássico contra o seu arquirrival Levski Sófia.

estádio CSKA Sófia
Balgarska Armija Stadium. Foto: Wikipédia

As várias fusões

Em outubro de 1923, Athletic e Slava Sófia se uniram, formando o Athletic Slava 1923, conhecido como AS-23, que tinha como patrono o Ministério da Guerra Búlgaro. Apenas em 1931 o novo clube venceu o seu primeiro campeonato nacional. Além dele, a Tsar’s Cup, antecessora da atual Copa da Bulgária, que seria ganha novamente em 1941. No dia 09 de novembro de 1944, mais uniões. Com o apoio de Mihail Mihaylov, contador do Ministério da Guerra, foi assinado um contrato de unificação, que juntaria Shipka Sófia, Athletic Slava e Spartak Poduene, para formar o Chavdar Sófia. O general Vladimir Stoychev, do antigo AS-23, que na época estava lutando na Segunda Guerra Mundial, foi nomeado, por telegrama, presidente da nova instituição. O advogado Ivan Bashev, futuro ministro das Relações Exteriores da Bulgária, foi apontado como dirigente de futebol.

CASK Sófia
Contrato de unificação. Fonte: Wikipédia

Em fevereiro de 1948, novamente com a ajuda de Mihaylov, o Chavdar Sófia tornou-se um clube departamental, ligado à Casa Central das Tropas, e assumiu o nome de CDV (Centralnia Dom na Voiskata). Para impedir que a equipe tivesse de iniciar nas divisões inferiores, os administradores buscaram algum time para nova fusão. Em maio, um acordo foi firmado com o Septemvri Sófia, e eles passaram a jogar sob o nome de Septemvri pri CDV. O contrato foi assinado no dia 5, que é considerada oficialmente a data de fundação do atual CSKA Sófia.

A nova equipe jogou sua primeira partida oficial em 19 de maio. Empate por 1 a 1 contra o Slavia Sófia. E de forma surpreendente, acabaria alcançando a final do Campeonato Búlgaro em sua primeira temporada, uma vez que o Septemvri Sófia, antes da fusão, já havia garantido vaga nos playoffs. A decisão foi contra o arquirrival Levski. Após derrota por 2 a 1 na primeira partida, a inédita conquista do Septemvri pri CDV foi garantida com um 3 a 1, fora de casa, no dia 9 de setembro, graças a um gol de Nako Chakmakov no fim do jogo. A primeira escalação campeã consistia em: Stefan Gerenski; Borislav Futekov, Manol Manolov, Dimitar Cvetkov e Nikola Aleksiev; Nako Chakmakov, Dimitar Milanov, Stoyne Minev e Stefan Bozhkov; Nikola Bozhilov e Kiril Bogdanov.

A era de brilhantismo e o período em “gangorra”

Em 1950, a palavra Narodna (“povos”, em português) foi adicionada ao nome do clube, alterando a sigla para CDNV. Além da dobradinha Liga-Copa já em 1951, a equipe venceria o nacional novamente no ano seguinte. Em 1953, o time foi renomeado pelas autoridades mais uma vez. Agora, para Otbor na Sofiyskiya Garnizon. Traduzindo, “Equipe da Guarnição de Sófia”. Por conta de transferências ilegais, o clube acabou perdendo o título búlgaro daquele ano.

Na temporada seguinte, adivinhe? Novo nome. Desta vez, CDNA, que significa “Casa Central do Exército Popular”. E a nova nomenclatura não poderia ter dado mais sorte. O período entre 1954 e 1962 ficou marcado como o mais bem-sucedido da história dos Reds. Foram nove campeonatos nacionais consecutivos, um deles de maneira invicta. Uma sequência, até pouco tempo, sem precedentes no futebol búlgaro.

Após o último dos nove troféus, o CDNA uniu-se ao DSO Cherveno Zname, formando o CSKA Cherveno Zname. A Casa Central das Tropas Populares encerrou seu vínculo com o clube, que foi assumido pelo Ministério da Defesa do Povo. Depois de um terceiro lugar na temporada 1962–63, a seguinte marcou o pior desempenho do clube até aquele momento: 11° colocação, só três pontos acima da zona de rebaixamento.

Como resultado, o lendário técnico Krum Milev foi demitido após 16 anos no cargo. O CSKA não conquistaria nada até 1965, quando venceria a Copa nacional. Na temporada seguinte, a equipe registraria seu melhor desempenho em uma competição continental. O time eliminou Sliema Wanderers, de Malta, Olympiakos, Górnik Zabrze, da Polônia, e Linfield, da Irlanda do Norte, para chegar às semifinais da Copa dos Campeões, onde a Internazionale a esperava. Após dois empates por 1 a 1, os italianos venceram o terceiro jogo por 1 a 0 e avançaram. A Liga nacional seria conquistada com um ponto de vantagem para o rival Levski.

Em 1969, após nova fusão no ano anterior, o Campeonato Búlgaro foi vencido novamente. Contratado naquela temporada, Petar Zhekov anotou impressionantes 36 gols e garantiu a artilharia pelo terceiro ano seguido. Com 253 tentos, ele é, até hoje, o máximo goleador da história do campeonato nacional da Bulgária.

CSKA Sofia
CSKA Sofia em 1973. Foto: Wikipédia

Um time incansável

Na década de 1970, as conquistas não cessaram. Na Liga, seis títulos, com direito a novo tricampeonato consecutivo nas primeiras três temporadas. Na Copa, mais quatro troféus, sendo três em sequência, entre 1972 e 1974. Além disso, os resultados a nível continental voltaram a chamar atenção. Na Copa dos Campeões de 1973–74, o clube eliminou ninguém menos que o Ajax, atual tricampeão do torneio. Acabaria sendo desclassificado nas quartas pelo Bayern de Munique, que venceria a competição.

Já em 1980–81, novos resultados memoráveis para o CSKA. Além de novo título da Liga, que seria mantido até a temporada 1983–84, mais surpresas na Copa dos Campeões. O clube eliminou o atual campeão Nottingham Forest na primeira fase. Seria parado nas quartas pelo Liverpool, o futuro campeão daquela edição. Na temporada seguinte, os Reds chegaram à sua segunda semifinal do torneio europeu. Real Sociedad, atual campeão espanhol, Glentoran, da Irlanda do Norte, e o Liverpool ficaram pelo caminho. No último passo antes da grande decisão, novo encontro com o Bayern de Munique. O CSKA venceu a ida por 4 a 3, mas na volta, com dois de Breitner e dois de Rummenigge, os alemães fizeram 4 a 0 e avançaram.

Em 18 de junho de 1985, um episódio marcante aconteceu. Durante a final da Copa da Bulgária, CSKA e Levski Sófia travaram uma verdadeira batalha em campo, com direito a ataque a um dos árbitros. Os Reds acabaram conquistando a taça após um 2 a 1, mas o pior ainda estava por vir. Após decreto do Comitê Central do Partido Comunista Búlgaro, ambas as equipes foram dissolvidas e refundadas sob nova direção. O CSKA passou a se chamar Sredets, enquanto o Levski recebeu o nome de Vitosha. Além disso, alguns jogadores foram proibidos de participar de duelos oficiais por períodos variados, incluindo Hristo Stoichkov e Kostadin Yanchev. A decisão foi revertida um ano depois.

Sob novas direções

Em 1987, o clube foi renomeado para CFKA Sredets (Clube Central de Futebol do Exército). Os três anos seguintes foram de esplendor, mesmo com o Septemvri Sófia encerrando a parceria e tornando-se uma equipe independente novamente. Sob o comando de Dimitar Penev, o campeonato nacional daquela temporada foi conquistado. Os Reds também chegaram à semifinal da Cup Winner’s Cup de 1989. Depois de eliminar Internacional Bratislava, da República Tcheca, Panathinaikos, e Roda JC, da Holanda, acabaram encontrando o Barcelona. Os comandados de Johan Cruyff venceram os dois jogos e avançaram. Foram nesses confrontos que o gênio holandês notou o talento de Stoichkov e decidiu levá-lo ao clube catalão.

No início da década de 1990, com a queda do comunismo, o futebol búlgaro passou por algumas mudanças. O clube conseguiu voltar com o nome de CSKA e conquistou o título da Liga em 1989–90 e 1991–92. O ex-jogador Valentin Mihov se tornou presidente da instituição e trouxe alguns dos principais nomes do país para a equipe, tais como Yordan Letchkov, Ivaylo Andanov e Stoycho Stoilov. Pouco tempo depois, Mihov saiu para assumir a presidência da União Búlgara de Futebol. Petar Kalpakchiev o substituiu no comando do clube. O CSKA teve uma temporada complicada em 1994–95, com várias trocas de treinadores. Isvetan Yonchev chegou a ficar apenas um dia na equipe. Tudo isso resultou em um quinto lugar na Liga, 33 pontos atrás do rival e campeão Levski Sófia.

Ao fim da temporada, Plamen Markov foi escolhido para treinar o time e remontar o elenco. Vários jogadores da seleção juvenil do país chegaram. No entanto, após uma primeira metade de campeonato decepcionante, Markov foi substituído por Georgi Vasilev. O novo comandante lideraria o time à dobradinha Liga-Copa em 1996–97. No verão de 1998, Dimitar Penev retornou para sua segunda passagem como técnico dos Reds. Ele conquistou a Copa da Bulgária, mas decepcionou na Liga, ficando apenas em quinto, 23 pontos atrás do campeão Litex. Nessa temporada, os jovens Martin Petrov, Stilian Petrov, Dimitar Berbatov e Vladimir Manchev começaram a desempenhar papel importante na equipe titular.

A história recente

Depois de alguns anos em baixa, no verão de 2002, o CSKA anunciou o ex-jogador Stoycho Mladenov como novo treinador. Com ele, a equipe estabeleceu um recorde de 13 vitórias consecutivas na Liga, sendo campeão nacional pela primeira vez desde 1997. Na temporada seguinte, Mladenov seria demitido após ser eliminado da Champions League pelo Galatasaray, e da Copa Uefa pelo Torpedo Moscou.

Após mais um período sem tanta empolgação, para 2007–08, o clube foi às compras. Porém, elas não surtiram efeito imediato. O CSKA foi eliminado na primeira rodada da Copa Uefa pelo Toulouse graças a um gol de Gignac aos 96 minutos da partida de volta. Na Copa da Bulgária, queda nas oitavas diante do Lokomotiv Plovdiv. E essa partida teve polêmica: Stoyko Sakaliev, Aleksandar Branerov e Ivan Ivanov estavam emprestados pelo CSKA ao adversário. Por cláusula contratual, não poderiam ter entrado em campo, mas jogaram mesmo assim e o Lokomotiv sequer foi punido. Como alívio à dor, ao final da temporada, os Reds conquistaram o título da Liga de forma invicta, com 24 vitórias e seis empates.

Em junho de 2008, nova polêmica. Dias após a conquista do 31° título nacional, a Uefa notificou à União Búlgara de Futebol que o CSKA não receberia licença para participar da próxima Champions League por conta de dívidas não pagas. A vaga na competição europeia caiu no colo do rival Levski Sófia. Os Reds viram como real a chance de ter de se tornar um clube amador. A culpa foi toda para cima de Aleksandar Tomov, que renunciou à presidência do clube pouco depois, e acabou preso, acusado de desviar impostos do CSKA e da Kremikovtzi AD, uma empresa metalúrgica do país.

Os problemas extracampo e a crise financeira levaram o clube ao caos, com muitos dos principais jogadores indo embora. Dimitar Penov retornou com a missão de salvar o clube. Após cumprir todos os licenciamentos, o clube foi liberado pela União Búlgara de Futebol para participar das competições. O elenco foi formado com vários atletas das categorias de base. Para surpresa geral, o CSKA conquistou a Supercopa da Bulgária, batendo o Litex por 1 a 0. Pouco a pouco, o clube ia respirando.

CSKA Sófia

CSKA comemora o título da Bulgarian Cup de 2011. Foto: Wikipédia

Se, dentro de campo, os resultados ainda não eram os melhores, fora dele, a equipe ia ajustando suas finanças. Em 2011, novas alegrias. Milen Radukanov chegou para treinar o time. Sob seu comando, dois títulos. Primeiro, a Copa da Bulgária, batendo o Slavia Sófia por 1 a 0 na final. Em seguida, a Supercopa, vencendo o Litex por 3 a 1. Em 2013, por novas complicações financeiras, vários jogadores foram embora. Na mídia, circulava especulações de falência do CSKA. A equipe foi retirada da Europa League, provocando protestos da torcida. O clube foi posto à venda, sendo comprado em 10 de julho pelo Red Champions Group, uma união de empresários e lendas do clube. O líder do grupo era Aleksandar Tomov, amplamente responsabilizado pela crise em 2008. Stoycho Mladenov retornou ao cargo de técnico.

Em 21 de março de 2014, como parte do plano de reduzir dívidas e tornar as finanças mais transparentes, o CSKA se tornou o primeiro clube da Europa Oriental a tornar públicas as suas negociações, listando-se na Bolsa de Valores da Bulgária. Em 02 de abril de 2015, Tomov transferiu o controle do clube para Milko Georgiev e Borislav Lazarov. A ideia era encontrar um novo proprietário, alguém que pudesse pagar as numerosas dívidas da instituição. Em 24 de abril, foi definido que a corporação Finance Marketing Company Ltda. seria a nova dona do time. O CSKA terminou a Liga em 5°, mas por conta dos valores não financiados, a União Búlgara de Futebol acabou rebaixando o time para a terceira divisão.

Em 24 de junho, o empresário Grisha Ganchev tornou-se proprietário da equipe. Plamen Markov, lenda do clube, e Hristo Yanev foram apontados como diretor de futebol e técnico, respectivamente. Em 25 de maio de 2016, como clube amador, o CSKA Sófia bateu o Montana por 1 a 0 e conquistou a sua 20° Copa da Bulgária. Tornou-se o primeiro time da terceira divisão a vencer a competição. A competição também foi conquistada na atual temporada, 2020-21, com uma vitória por 1 a 0 sobre o FC Arda Kardzhali. Já na Liga, o clube não foi capaz de evitar o histórico decacampeonato consecutivo do Ludogorets, nessa que é a maior hegemonia das ligas europeias na atualidade. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Dyego Lima

Jornalista formado pela UFRN. Aficionado por esportes. Futebol principalmente, mas não somente.Made in Universidade do Esporte! 

Como citar

LIMA, Dyego. De Stoichkov a Berbatov: a história do CSKA Sófia. Ludopédio, São Paulo, v. 144, n. 10, 2021.
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