132.9

Democracia em jogo e torcedores postados na defesa

Soa irônico pensar que em um país com 33 partidos políticos legalizados, o protagonismo na defesa pela democracia parta de torcedores de futebol. Mas foram justamente esses grupos, principalmente os de viés antifascista, que furaram a letargia e propuseram a reocupação das ruas com vozes progressistas.

Torcidas de futebol têm em geral sua imagem construída de maneira pejorativa. O discurso central ignora a diversidade dos grupos e associa todas a atos de insubordinação da ordem, fruto do imaginário construído ao longo do tempo com ajuda da imprensa e entidades estatais (como, por exemplo, Polícia Militar e Ministério Público). Some-se a isso, a acusação de um suposto ‘negacionismo’ pelo fato dos torcedores saírem às suas na defesa da Democracia durante um período em que as autoridades de saúde aconselham o isolamento social para contenção do contágio pelo coronavírus. Como se a escalada fascista esperasse a criação de uma vacina.

Politização e ações além da paixão pelos clubes não são novidade. O nascimento das torcidas jovens, no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, marca uma inegável busca da juventude da época na busca por expressão nas arquibancadas em tempos asfixiantes de ditadura militar. Naquele período, o Brasil conviveu com atos e ideias fascistas por mais de duas décadas.

Antifas em ação! Foto: Pam Santos.

A Democracia Corintiana não teve medo de pautar a luta por preceitos democráticos dentro de dentro dos gramados. Do lado de fora, torcedores do Flamengo e do Corinthians ostentavam faixas e gritos pedindo eleições diretas para presidência da república.

Esses grupos organizados podem servir como pequenas amostras de comportamentos e discursos que talvez possam ser entendidos como metáforas da sociedade. Embora se observe a população aparentemente passiva diante do avanço do discurso e ações antidemocráticas, São Paulo viu uma aliança ‘supra clubista’ de torcedores com viés antifascista se manifestar na Avenida Paulista, no dia 31 de maio.

Na capital paulista, a torcida Gaviões da Fiel, formada por torcedores do Corinthians, já havia se manifestado contra atos apontados como fascistas. Sua rival histórica, a torcida Mancha Verde, do Palmeiras, emitiu nota dias depois se posicionamento na mesma direção, condenando a presença de “ideologias políticas que pregam supremacia de raças:  ideais nazistas; e atitudes fascistas”.

Torcedores corintianos na manifestação antifascista em São Paulo. Foto: Pam Santos.

No já citado domingo, uma manifestação reunindo torcedores corintianos (membros da Gaviões da Fiel), palmeirense (Palmeiras Antifascista) e também do Santos (componentes da Torcida Jovem) ocupou aquela que é uma das principais vias paulistanas.

Dentro da ética de rivalidade presente nas arquibancadas e nesses grupos, essa aliança, mesmo que momentânea, configura uma aproximação que talvez seja inédita, ainda mais por se tratar de uma levante pela manutenção da Democracia. Defender a dinâmica democrática desafia pedidos de um autogolpe, intervenção militar e mesmo fechamento da Câmara Federal e do Superior Tribunal Federal, como era feito por apoiadores do atual presidente da República na mesma avenida.

No mesmo dia, no Rio de Janeiro, o coletivo antifascista de torcedores do Flamengo também se mobilizou. Na Avenida Atlântica, em Copacabana, os flamenguistas ostentaram faixa a favor da Democracia com palavras de ordem contra as movimentações de Jair Bolsonaro e seus seguidores. Uma pequena manifestação pedindo intervenção militar também acontecia na via, palco de manifestações conservadoras e de apoiadores do atual presidente. Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre também tiveram ações de torcedores de clubes das cidades.

Arquibancadas, ruas e torcidas organizadas de futebol são espaços em disputa. Em que pese o desgaste que localiza os grupos de torcedores dentro de um viés negativo e que justifica os ataques desencadeados por clubes, agentes privados e estatais no processo de arenização dos estádios, mas nesse momento a mobilização de alguns desses grupos podem ser um centelha na defesa da democracia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Vicente Magno Figueiredo Cardoso

Um jornalista que leva seu bairro de origem, Bangu, do subúrbio carioca para todos os cantos. Além de ser um devotado amante do futebol e do samba. Já andou no universo torcedor de França e Estados Unidos, além do brasileiro.

Como citar

CARDOSO, Vicente Magno Figueiredo. Democracia em jogo e torcedores postados na defesa. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 9, 2020.
Leia também:
  • 169.31

    É hora da CBF assumir o protagonismo na luta contra o racismo

    Vicente Magno Figueiredo Cardoso
  • 161.24

    A Amarelinha e a disputa entre os seus significados

    Vicente Magno Figueiredo Cardoso
  • 155.17

    “Acá no pasa nada”

    Vicente Magno Figueiredo Cardoso