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Desde quando o patrocínio dos clubes é da sua conta?

Carlos Coelho Ribeiro Filho 15 de junho de 2015

Foi-se o tempo em que os clubes de futebol tinham seus mantos sagrados imaculados. A lembrança de camisas com apenas o escudo e o número nas costas parece hoje ser parte de um passado bem distante. Até mesmo o Barcelona, famoso por não estampar patrocínio em sua camisa ao longo de sua história, diante das exigências financeiras para se manter competitivo em um universo onde os “novos e velhos” ricos do petróleo redefiniram o cenário do futebol europeu, sucumbiu em 2010 e assinou um contrato até 2016 e aumentou em 30 milhões de dólares a arrecadação anual do clube. A necessidade de reforço no caixa não é uma prerrogativa somente dos grandes clubes. Guardadas as devidas proporções, tal expediente acontece até mesmo com os clubes de várzea, estando presente em todos os níveis do futebol e se tornou um negócio global. A venda de espaços na camisa é a melhor estratégia para os clubes atraírem os patrocinadores, chegando em alguns casos, a transformar us uniformes em verdadeiros classificados ambulantes.

O milagre que o PSG esperava não aconteceu e a equipa francesa voltou a ser derrotada pelo Barcelona. Dois golos de Neymar confirmaram a qualificação dos catalães para as meias-finais da Liga dos Campeões. Foto: PSG
Qatar Airways é o patrocinador do Barcelona. Foto: PSG.

Como acontece com os hábitos sociais, que se moldam às realidades vigentes e à lógica operante em um determinado meio, em determinado momento, no futebol atual não torcemos mais apenas pela vitória do clube preferido, torcemos também para que nosso time feche bons contratos de patrocínio, que o contrato assinado seja mais vantajoso que o do adversário e por ai vai. Assim, a cada contrato assinado, um novo manto, uma nova peça para girar as engrenagens da economia do futebol. Bom, mas se assinar um contrato de patrocínio ajuda as finanças do clube, mesmo que isso signifique macular o manto sagrado, trás benefícios e fortalece o time, o que eu e você temos haver com isso? Desde quando isso é da nossa conta se somos apenas torcedores?

O que propomos aqui é fazer algumas reflexões acerca da declaração do ex-presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil, ao programa Bola da Vez do canal ESPN em 27 de abril de 2015, quando questionou a presença de uma estatal patrocinando clubes de futebol, citando os casos de Corinthians e Flamengo que estampam nas camisas o nome Caixa (Caixa Econômica Federal) como exemplos e que essa prática seria um crime. Segundo Kalil, por se tratar de dinheiro público, esse tipo de patrocínio: “ou é para todo mundo ou não é para ninguém.”. Afirma também que não concorda com a lógica de que o torcedor do Atlético tenha que pagar pelo patrocínio que estampam esses clubes. Outro argumento levantado diz respeito aos impostos devidos pelos clubes e questiona se os mesmos, que recebem o patrocínio da estatal, não possuem dívidas com o Estado. Menciona ainda o fato de que a imprensa não repercute devidamente esses fatos, por se tratar grandes clubes, já que este tipo de conduta há muito está presente no futebol brasileiro com a Petrobrás, Eletronorte, Eletrobrás entre outros. Antes de entrar especificamente nos méritos da questão, torna-se necessário algumas ponderações.

https://www.youtube.com/watch?v=DyaXz7GDywQ

O chavões estão presentes em todos os meios e, como uma máxima dos negócios, um deles é utilizado dizendo que “…a propaganda é a alma do negócio.”. A cada empresa cabe o discernimento sobre qual a melhor estratégia e que veículos utilizar para sua divulgação, sendo a propaganda, um tipo de comunicação utilizado pelo marketing como instrumento de promoção de um produto, de uma marca, de uma empresa. Nesse sentido, considerando o tamanho da visibilidade que o futebol proporciona nos meios de comunicação de massa, a grande possibilidade e exposição e retorno do investimento em patrocínio, investir em espaços nos uniformes dos clubes tem sido um filão bastante explorado pelos clubes e empresas.

Sobre os patrocínios aos clubes de futebol, há que se diferenciar a natureza jurídica de algumas das estatais citadas por Kalil, como forma de entender melhor a composição do capital que as constitui. As empresas estatais no Brasil são apenas de dois tipos. No caso da Caixa Econômica Federal, trata-se e uma empresa pública, cujo patrimônio e capital, que é o que interessa na argumentação do Kalil, são exclusivos da União. Já as demais empresas citadas, Petrobras, Eletrobrás, Eletronorte, são todas elas denominadas sociedade de economia mista. Neste modelo de empresa, cujo capital social é dividido em ações de igual valor nominal e são de livre negociabilidade, chamadas de sociedade anônima (S.A.),o controle é majoritariamente detido pelo governo, mas possui sócios privados e tem suas ações negociadas em bolsas de valores. A título de diferenciação, o Banco do Brasil, patrocinador de várias modalidades olímpicas, está no grupo das S.A., contrariamente à Caixa, exclusivamente pública.

A compreensão dessa diferenciação permite interpretar de que forma deve ser gerido o patrimônio e investido o seu capital. Nas empresas de capital misto, há de se considerar que os interesses dos gestores não são pautados unicamente no interesse público e a característica que marcadamente a diferencia da empresa pública, é a busca pelo lucro através de suas ações e serviços, a ser distribuídos entre seus acionistas. Desta forma, não há que se contestar onde e como a empresa deverá investir em divulgação, como no caso do futebol, no patrocínio a um determinado clube em detrimento de outro, como no caso da Petrobras ao patrocinar clubes argentino River Plate e Racing. Essa discricionariedade é orientada pela lógica de mercado em função do potencial de retorno que o beneficiário do investimento pode oferecer, influenciando também no montante financeiro do contrato.

BELO HORIZONTE / MINAS GERAIS / BRASIL (17.03.2014) Lançamento da nova camisa da fornecedora Puma na sede de Lourdes - Foto: Bruno Cantini
Alexandre Kalil durante coletiva. Bruno Cantini – Clube Atlético Mineiro.

Quando Kalil argumenta que o público deve ser para todos, ele se embasa na ideia da isonomia, ou seja, direitos iguais para os iguais. Mas cabe lembrar, que ele também negociou com a Caixa, mas sem êxito, conforme ele mesmo afirma. Fica então a questão – enquanto negociava ele também defendia a tese de que o patrocínio deveria ser para todos? No que tange à isonomia, poderia ser alegado o princípio do direito da razoabilidade e da proporcionalidade, também utilizado como respaldo para decisões na esfera pública. Uma vez que o patrocínio é público, ao se escolher alguns em detrimento de outros, estando todos no mesmo nível e condição, e que a ação em prol dos beneficiados pode criar ou acentuar desníveis entre os pares, no mínimo não contempla os princípios supracitados. Aos entes estatais, cabe buscar as condições ideais para a sociedade em todos os setores da sua responsabilidade, isso pode se inferido também no âmbito do futebol. Em um momento que o país atravessa por uma crise administrativa em todas as esferas do poder, o que fragiliza também as instituições e empresas, os negócios e toda cadeia econômica da qual o futebol também está inserido e tem relevância bastante significativa como no caso brasileiro, acentuar as diferenças e suscitar especulações que geram ainda mais sombras sobre o universo do futebol, certamente não é uma boa política.

Fica no ar a questão sobre o uso do dinheiro público. Enquanto exigimos probidade do uso da máquina pública e ao mesmo tempo vemos necessidades outras não serem contempladas por ações dos gestores públicos, há que se questionar os investimentos e sua real necessidade, pois quem paga a conta somos todos nós. A Caixa é uma instituição que, criada com o capital público, sobrevive hoje com os resultados obtidos do próprio negócio, não dependendo diretamente dos impostos arrecadados pelo Estado. Assim sendo, em tese, o torcedor do Atlético ou nenhum outro clube estaria, com seus tributos, incorrendo na possibilidade de estar patrocinando seu adversário. Mas, o que não se questiona, e deveriam ser fiscalizadas pelo contribuinte, são as verbas de prefeituras e outras instituições públicas utilizadas para sustentar uma atividade de futebol profissional, privada, que visa lucros para a própria entidade e sem contrapartida ao contribuinte, que ainda paga seu ingresso para assistir as partidas.

Certamente essa discussão ainda está só no começo. Só reforça o coro da população pelos deveres administrativos em serem probos e eficientes, mas que, na ausência de fiscalização e de regras mais rígidas e claras, passam a envidar esforços para ganhar os holofotes em um esporte onde probidade, ética, eficiência e clareza nas ações dos cartolas não têm sido certamente os princípios norteadores das administrações de clubes, federações ou confederações. Em um país onde futebol e política andam de mãos dadas, é preciso torcer pela vitória dos dois dentro de campo, com as mesmas regras valendo igualmente do começo ao fim e que os responsáveis por aplicá-las, saibam fazê-lo com equidade. Quanto ao torcedor, para que ele possa ajudar no resultado da partida levando seu time à vitória, não basta apenas manter o olho na bola, é preciso olhar para os jogadores e compreender o jogo. Torcemos por isso!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

FILHO, Carlos Coelho Ribeiro. Desde quando o patrocínio dos clubes é da sua conta?. Ludopédio, São Paulo, v. 72, n. 6, 2015.
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