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Didier Drogba e seu ativismo político

O marfinense dispensa apresentação. Quem acompanhou os últimos 15 anos do futebol europeu conhece o atacante, principalmente, por suas atuações, enquanto vestiu a camisa do Chelsea. Contudo, além dos gols decisivos, jogadas inesquecíveis e zagueiros deixados no chão da terra da Rainha, a estrela dos blues também tem voz ativa na política, o suficiente para parar uma guerra na Costa do Marfim.

Drogba é tratado como um herói pelo povo marfinense. Foto: Reprodução.

Para contar essa história, primeiro, é preciso entender o contexto social do país africano e como as ações e palavras de um jogador de futebol ecoaram naquele conflito. A região começou a viver uma crise política a partir da morte de Félix Houphouët-Boigny, em 1993. O ex-chefe tribal era a figura máxima do Estado há 33 anos, quando o país se tornou independente da França.

Com isso, conflitos políticos pelo poder começaram a acontecer e desencadearam uma série de distúrbios: recessão econômica, divisões sociais e golpes de estado. O caos se instaurou por completo em 19 de setembro de 2002, quando a guerra civil começou. O país ficou dividido entre as forças do governo que se estabeleceram no Sul, região mais rica; e as rebeldes ao Norte, parte mais pobre e com diversos imigrantes e descendentes de outros países vizinhos.

Onde entra Drogba nisso tudo? Logo ele, que aos cinco anos se mudou para a França em busca do sonho de ser jogador, se profissionalizou por lá e atingiu o ápice na Inglaterra. Filho da antiga capital Abidjan, maior cidade do país, apesar ter sido criado longe de casa, nunca negou suas raízes e sempre teve orgulho de onde veio.

Em 2005, enquanto a guerra ainda destruía casas, vidas e a esperança de um povo, Didier vivia uma realidade totalmente diferente de seus irmãos. Ele já havia marcado seu nome no Olympique de Marseille e estava atuando no Chelsea pelas mãos de José Mourinho, se tornando cada vez mais uma estrela no esporte mais popular do mundo.

Além dele, a Costa do Marfim possuía naquele período, provavelmente, sua melhor geração de jogadores, com nomes respeitados nas melhores ligas do futebol do mundo como Yaya Touré, Salomon Kalou, Emmanuel Eboué, Kader Keita.

Drogba com a faixa de capitão em um jogo pela Costa do Marfim. Foto: Wikipedia.

Como o futebol se relaciona com toda essa situação e o que Drogba poderia fazer por sua pátria? Bem, futebol por diversas vezes já provou ser um elemento de união entre povos e classes diferentes, capaz de apaziguar adversidades até entre inimigos e, de uni-los em prol de uma causa maior. 

O processo de globalização desse esporte reuniu, em diversas ligas, jogadores de países com culturas distintas, possibilitou a presença de negros nos clubes europeus – eram raras as aparições nas ligas da Europa até o fim dos anos 1990 –, e aproximou o futebol do objetivo de ser um jogo para todos. 

Recentemente, a união inimaginável de torcidas organizadas no Brasil saindo nas ruas defendendo a democracia, a luta contra o racismo e se opondo ao presidente da República também é um exemplo dessa vocação do futebol.

E, em 2005, lá estavam os “Elefantes” – como é conhecida a seleção da Costa do Marfim por toda sua história ligada à exploração do marfim no país –, prestes a entrarem em ação em mais uma competição futebolística, ao se classificarem pela primeira vez para uma Copa do Mundo, após a vitória contra o Sudão, fora de casa. Foi um momento em que todos os olhares do povo marfinense se voltaram àquela equipe. A classificação foi uma pequena alegria em meio a tristeza que assolou o país.

Drogba sabia disso tudo, e, além do mais, tinha conhecimento que aquele era o momento certo de usar seu faro goleador para clamar paz. Após a vitória, em meio ao êxtase e a felicidade pelo feito inédito, os jogadores se uniram no vestiário e, ao vivo, para que todo mundo pudesse ver, coube a Didier fazer um apelo aos seus líderes:

“Homens e mulheres do norte, do sul, do leste e do oeste, provamos hoje que todas as pessoas da Costa do Marfim podem co-existir e jogar juntas com um objetivo em comum: se classificar para a Copa do Mundo. Prometemos a vocês que essa celebração irá unir todas as pessoas.

Hoje, nós pedimos, de joelhos: Perdoem. Perdoem. Perdoem. O único país na África com tantas riquezas não deve acabar em uma guerra. Por favor, abaixem suas armas. Promovam as eleições. Tudo ficará melhor. Queremos nos divertir, então parem de disparar suas armas. Queremos jogar futebol, então parem de disparar suas armas. Tem fogo, mas os Malians, os Bete, os Dioula… Não queremos isso de novo. Não somos xenófobos, somos gentis. Não queremos este fogo, não queremos isto de novo.”

Vídeo da série “Rebeldes do Futebol”, em que Drogba faz seu discurso ao vivo para uma TV Marfinense:

https://www.youtube.com/watch?v=CAyDr7dZeoY#action=share

Didier Yves Drogba Tébily não é apenas um bom futebolista, é um ídolo para as crianças de sua nação, uma figura carismática e respeitada mundialmente. As palavras do marfinense tiveram peso. Em apenas 76 segundos de fala, conseguiu marcar um dos gols mais decisivos e brilhantes de sua carreira. Pouco tempo depois, um cessar-fogo foi firmado entre as duas partes do conflito.

As ações do camisa 11, porém, não pararam por aí. Depois de uma temporada espetacular em 2006, Drogba foi eleito melhor jogador africano do ano, um feito que ele usou para uma conquista ainda ainda.

Com o prêmio em mãos, Didier queria comemorá-lo ao lado dos marfinenses, por isso, fez um pedido inesperado ao presidente: levar o jogo de qualificação da Taça das Nações Africanas contra Madagascar para a cidade de Bouaké, quartel general das forças rebeldes.

Um pedido como esse era, no mínimo, loucura, porém ele conseguiu. A chegada de Didier junto ao prêmio e seus companheiros foi celebrada desde o primeiro momento em que pisou em sua terra. E, então, chegado o dia da partida, a seleção foi levada em um tanque rebelde para um estádio completamente lotado por fãs enlouquecidos. O presidente Laurent Gbagbo e o líder dos rebeldes, Guillaume Soro, dividiam as tribunas lado a lado e, lá, aconteceu algo maior, foi mais que apenas uma partida de futebol.

Didier e companhia conseguiram o que os políticos em cinco anos de guerra não haviam feito: unir novamente a Costa do Marfim.

A partida terminou 5 a 0 para os donos da casa. Numa alegria generalizada, os torcedores invadiram o gramado para celebrar e ovacionar aqueles que trouxeram a união de volta. Os jogadores saíram abraçados e carregados, num momento histórico de reconciliação.

Capa de jornal após a vitória da Costa do Marfim. Foto: Reprodução.

Didier continuou fazendo mais jogadas espetaculares para seu país, iniciou sua própria fundação beneficente, doou dinheiro e recursos para construção de hospitais, escolas e outras instituições, promoveu ações contra a desigualdade, pobreza e conscientização da paz e se tornou também embaixador do Programa das Nações Unidas (PNUD). Um craque dentro e fora dos gramados. Não à toa, a revista “Time”, em 2010, o elegeu como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

O posicionamento de Drogba perante toda a turbulência que existia é algo fora do comum no meio futebolístico. Ele foi além das declarações, fez pedidos pacificadores e participou ativamente da reconciliação entre os povos. Seu papel na busca pela paz foi crucial: Didier, como uma figura pública, viu que seu engajamento podia ser fator determinante para a união. Hoje, é tratado como herói e ídolo da nação, porque não se limitou apenas às quatros linhas de campo. Por onde anda em sua terra, é celebrado e querido pelos marfinenses, que possuem um sentimento de gratidão pelo jogador.

Figuras do mundo esportivo que fugiram do senso comum e não tiveram medo de enfrentar abertamente regimes totalitários como João Saldanha, ferrenho crítico da ditadura no Brasil, Sócrates e sua democracia corintiana, Reinaldo na Copa de 78 comemorando gol com o braço levantado e punho cerrado e deixando revoltados os líderes autoritários da América do Sul naquele período, são donos de atitudes que influenciaram pessoas e movimentos.

São personagens que nunca fizeram apenas seus papéis como jogadores e jornalistas, mas exerceram seus deveres como pessoas que possuíam respeito e admiração coletiva, fazendo seus gestos e pensamentos terem grande impacto na sociedade. Porém, são raros os que fazem isso, que expõem suas ideologias e brigam por uma causa abertamente, sem medo de represálias.

Didier Drogba. Foto: Flickr.

Um fato sobre a história de Drogba é que ela aconteceu bem antes do “boom” do fenômeno das redes sociais. Com a proximidade que os fãs hoje têm com seus ídolos, muitos cobram posicionamentos sobre diversos tipos de temas, mas poucos são os jogadores que se posicionam como Didier.

Por exemplo, quando ganhou a Bola de Ouro de 2019, pela France Football, Megan Rapinoe foi bem enfática ao pedir que os jogadores de futebol masculino fossem mais engajados na luta contra a discriminação no esporte, contra o racismo, a favor das minorias e por outras causas sociais. Suas falas geraram impacto e mal estar no meio.

A história de Drogba ensina que quando usada em favor de do povo, a influência de um esportista pode ter muito peso na vida das pessoas e devolver a elas um pouco da riqueza conquistada com seu dom. O legado que pode ser deixado além das metas do campo tem tanta força quanto um gol aos 45 do segundo tempo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Costa

Potiguar, estudante de Jornalismo pela UFRN, aspirante a repórter, apaixonado por táticas ofensivas, mas amante de certas "retrancas".

Como citar

COSTA, Lucas. Didier Drogba e seu ativismo político. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 17, 2020.
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