Primeiros contatos: futebol e política

Por volta de 2008, na época do Orkut, começou a me chamar a atenção as torcidas dos times europeus de esquerda. Do mesmo modo, como componente de uma torcida organizada, desde já, fiquei deslumbrado com os Ultras do time italiano da Livorno. De antemão, entrei numa comunidade virtual da torcida, do clube e em comunidades que tinham relação com o tema política e futebol.

Entretanto naquele período, conheci os maiores inimigos dos Ultras da Livorno, os Irriducibilli, da Lazio, que carregavam bandeiras com apologias nazi-fascistas. Simultaneamente comecei a frequentar as cybers ou conectar a internet após a meia noite (a internet ainda era discada) para pesquisar sobre esse time e torcida que tanto despertaram meu interesse e curiosidade – e virariam o wallpaper do meu computador, um PC antigo, herdado de familiares próximos.

Fonte: Reprodução Facebook

De antemão, me encantei pela Brigada Autonome Livornesi (BAL), que levava aos jogos a bandeira com o rosto do Che Guevara, faixa com foice e martelo e cantavam Bandiera Rossa e Bella Ciao – eu traduzia as músicas pelo Google. A relação dos Ultras com o time, principalmente com o jogador Cristiano Lucarelli, era fenomenal. O Thiago Carlos Costa escreve de maneira bem lúcida a relação de Lucarelli e sua torcida. Lucarelli utilizava a camisa 99, ano em que tinha sido criada a torcida que ele ajudou a formar, como Tami bor on afirma no seu livro Além do futebol: Relações Internacionais e Política, Como Visto Através de um Belo Jogo:

“Lucarelli era amado pelos fãs comunistas do núcleo duro de Livorno, os fãs de Livorno são conhecidos por seu antifascismo, marxismo, comunismo, protesto político e até influência em outro grupo de fãs de esquerda, Brigate Autonome Livornesi, fundado em 1999 (Bar-on, 2017, p.52)”.

Embora a BAL tenha sido extinta em 2006 devido a punições e perseguições, surgiu  a Curv Nord  representando os torcedores antifascistas do Clube. Posteriormente comecei a conhecer outras torcidas de esquerda como a Ultras Resistência Coral, do Ferroviário do Ceará, uma das primeiras do Brasil.

Pontapé inicial: Ultras Resistência Coral 

Fonte: Reprodução Facebook

A Ultras Resistência Coral foi modelo para todas as torcidas Antifas do Brasil, frequentemente usada como referência. Ficou conhecida pela faixa “ Nem Guerra entre torcidas, nem paz entre classes”, bem como impulsionou o crescimento das torcidas antifascistas, como nos afirma Gomes (2020):

“O estado do Ceará também abriga um dos coletivos de torcedores mais antigos […] O “Ultras Resistência Coral” possui ainda mais relevância considerando sua origem na torcida do Ferroviário Atlético Clube, uma agremiação costumeiramente ausente das principais divisões do futebol brasileiro profissional – disputou a Série C do Campeonato Brasileiro em 2019, enquanto seus rivais Ceará e Fortaleza disputavam a Série A – e que, por esta razão, sofre com consequências diferentes frente ao processo de mercantilização do esporte” (GOMES, 2020, p. 92).

Coletivos Antifascistas no Brasil

Logo após os debates sobre a Copa do Mundo no Brasil em 2013, os coletivos de torcedores Antifas cresceram, principalmente propagandeando a pauta “Não vai ter Copa” e “Ódio ao Futebol Moderno” (ainda que frágil, complexo e contraditório), entretanto lutando contra a arenização, os ingressos caros e por um futebol mais popular. Da mesma forma, os coletivos estiveram, ainda que em pequeno número, nas arquibancadas de diversos clubes brasileiros, em diferentes divisões e campeonatos.  

No último dia 31 de maio alguns componentes de torcidas organizadas (TO’s) e torcedores Antifas foram “pontas de lança” na luta pela democracia e pelo fim do autoritarismo do atual governo, enquanto os movimentos de esquerda ainda tentavam compreender a conjuntura. Da mesma forma, movimentos de extrema direita assumiam as ruas propagando o ódio, o fascismo e o fim das liberdades individuais.

Entretanto, nos alerta o torcedor histórico e simbólico da Gaviões da Fiel, Chico Malfitani para a reportagem do Uol Notícias:

“Nossa ideia agora é ser um ‘gatilho de pólvora’. É riscar o primeiro fósforo, já que os partidos de oposição e movimentos populares não se manifestam…”

As TO’s  e os Antifas combateram esses grupos de extrema direita, trazendo a estética de torcida, canções a favor da democracia e impondo o respeito conquistado durante anos nas bancadas do Brasil. No entanto, o que vimos por meio das principais mídias, foi a Polícia Militar Paulista aumentando o cerco a esses torcedores e protegendo os grupos fascitóides. Portanto, esse dia ficará marcado pela defesa da democracia e pelo crescimento de Coletivos Antifascistas nas bancadas.

Defesa de monumentos conservadores por ultradireitistas e grupos hooligans

 Da mesma forma, no segundo final de semana de junho, grupos ligados ao combate ao racismo -após o assassinato brutal de George Floyd em Minneapolis – iniciaram derrubadas a monumentos de pessoas que tiveram seu passado ligado ao escravismo e ao autoritarismo. Entre as estátuas derrubadas estava a do inglês Edward Colston, traficante de escravizados do século XVII. Posteriormente, o monumento em sua homenagem foi derrubado e jogado ao mar – ver mais no podcast Mais História, Por Favor.

Grupos democráticos e progressistas iniciaram o debate problematizando sobre monumentos e estátuas de pessoas que tiveram seu passado ligado ao autoritarismo. Em contra posição, grupos de hooligans, assim como, os ultradireitistas, foram proteger esses monumentos – como no caso do monumento de Winston Churchill – do mesmo modo, esses grupos cantavam o hino nacional inglês e o “protegiam”.

Fonte: Reprodução Twitter

Ao contrário das atitudes das organizadas e Antifas no Brasil, alguns grupos hooligans ligados a extrema direita foram para o centro de Londres “proteger” os monumentos. Em geral, esses grupos de torcedores ingleses tem ligação com partidos nacionalista e de extrema direita (TOLEDO, 1996). À primeira vista, essa é uma das principais diferenças entre as Torcidas Organizadas brasileiras e os grupos organizados ingleses.

Quais os próximos passos?

Logo depois da massiva cobertura da imprensa brasileira em relação as torcidas Antifas, surgem – ao menos pela internet – grupos Anti Antifas nas arquibancadas, saindo dos piores bueiros, arrotando narrativas de ódio, manifestando suas posturas antidemocráticas de apologias a governos autoritários e de ódio as maiorias minorizadas.

Como as ruas, as arquibancadas são espaços de poder e disputas. Nós torcedores antifascistas, como iremos nos posicionar a tais grupos? Com certeza combatendo esses grupos que propagam o ódio e o fim das instituições democráticas.

Mas, e as organizadas? E o Ministério Público? E a mídia? Como combaterá esses grupos que estão se formando?

Enfim, aguardamos os próximos capítulos…

 

Referências:

BAR-ON, Tami. Além do futebol: Relações Internacionais e Política, Como Visto Através de um Belo Jogo. Rowman & Littlefield, 2017.

GOMES, Vitor. A militância político-torcedora no campo futebolístico brasileiro. 2020. 138f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2020.

RISCAR O 1º FÓSFORO COMO AS ORGANIZADAS SAÍRAM EM DEFESA DA DEMOCRACIA. UOL Esporte. Acesso em: 01 de jun. 2020.

TOLEDO, Luiz Henrique de. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: Autores Associados Anpocs, 1996.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elias Cósta de Oliveira

Historiador, mestrando, pesquisador, sócio inadimplente, amor platônico por um time de bairro e apreciador de batidas de limão.Participante do STADIUM (Grupo de Estudos de História do Esporte e Práticas Lúdicas) da Universidade Federal de Santa Maria/RS

Como citar

OLIVEIRA, Elias Cósta de. Disputa de poder na bancada. O que esperar?. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 14, 2020.
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