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Diz-me como jogas que te direis quem és

Julyane Stanzioni 28 de fevereiro de 2010

Foi inaugurado, aqui em São Paulo, o Museu do Futebol. A palavra museu pode remeter às lembranças de artistas que já não estão entre nós, no entanto, o Museu do Futebol tem a façanha de trazer à baila personagens que ainda respiram o esporte bretão.

Estar naquele lugar me fez ter dois sentimentos: saudosismo e preocupação com o futuro. Saudosismo dos tempos em que a arte de jogar futebol valia mais à pena do que as cifras envolvidas em negociações; preocupação com o futuro, pois aquela mistura de antigo com modernidade de telas de tevê em alta definição, preciosismo na arquitetura e contraste, me dá a impressão de que, daqui para frente, o esporte jogado com os pés estará fadado à espetacularização apenas.

Não sou contra a idéia da construção desse espaço, ao contrário, precisamos celebrar nossa memória, porém, como vi no dia da inauguração, certos espaços foram “cedidos” para que alguns órgãos públicos e meios de comunicação pudessem apenas “se gabar” do feito que, às vezes, por conversas aqui e acolá, me sondam eleitoreiras.

Criticas à parte, emoção mesmo foi poder encontrar naquele espaço personagens que fizeram – e por que não ainda fazem – criador, criatura e expectador se misturarem entre cores, desejos e lembranças.

Paixão Nacional como obra de arte 

“Não acredito que um jogo de bola, e, sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios”. O escritor Lima Barreto não acreditava que o futebol daria certo no Brasil – ainda bem que ele estava enganado.

O brasileiro incorporou tão bem o esporte inglês que o reinventou, fez com que um jogo de bola se transformasse em balé, epopéia, drama, cantos, gritos, hinos, dribles e arte. “Este espaço represente uma máquina de brasilidade. Mostra também que não existe nada que possa derrotar uma sociedade. O negócio (futebol) veio de fora, é inglês e esse museu mostra que o futebol é nosso, por que tem criatividade”, declarou o antropólogo Roberto Da Matta.

Muitos jogadores fazem das quatro linhas o palco onde atuam, onde os expectadores (os torcedores) jamais irão esquecer “aquele momento” em que apenas um homem e uma bola foram responsáveis por emoções nunca mais sentidas em sua história. A recíproca é verdadeira e muitos jogadores não se esquecem dos momentos vividos, em especial no Pacaembu, cenário escolhido para abrigar o Museu do Futebol.

“Estou emocionado por estar imortalizado aqui e de ver que sou protagonista de um pequeno momento nessa história do país. Sinto falta de não jogar, de certa forma o Museu traz um consolo de poder vir visitar e recordar os bons momentos”, relembrou Mauro Silva, tetracampeão mundial em 1994.

“Em um jogo aqui contra a Portuguesa, 3 a 2 para o Palmeiras, eu marquei dois gols. Eu não era de fazer gols, e naquela época os melhores em campo ganhavam um rádio de presente, e naquele jogo eu ganhei um”, relembra, emocionado, Ademir da Guia, o eterno Divido da Academia de Futebol do Palmeiras.

“É a minha segunda casa. Em 1964, que nasci para o futebol quando jogava nos aspirantes do Corínthians. É minha segunda casa, por tudo que representou para minha história”, disse o ex-corintiano Rivellino, mais conhecido como ‘Reizinho do Parque’.

Vida que segue

Quantos teatros existem no grande teatro do futebol? Quantos cenários cabem no retângulo de grama verde? Nem todos os jogadores atuam apenas com as pernas.

A esta frase de Eduardo Galeano poderíamos também dizer: quantos “futebóis” são expressos em uma partida de futebol? Quantas histórias são construídas a cada partida? Histórias não só dos protagonistas em campo. Os que ficam fora das quatro linhas – gandulas, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, operador de áudio e o fanático por futebol – também vêem sua história ser construída a cada momento. Indo embora do museu fiquei imaginando: “O que Garrincha, Telê Santana e João Saldanha diriam ao se verem refletidos em telões?”

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

STANZIONI, Julyane. Diz-me como jogas que te direis quem és. Ludopédio, São Paulo, v. 08, n. 8, 2010.
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