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Dona Lúcia e o menino

Leandro Marçal 24 de julho de 2018

Menino Ney, talvez você não me conheça, mas certamente alguns torcedores vão lembrar de mim. Peço desculpas pelo atraso, mas sou uma velha que só sabe mandar cartas.

Olha, sei que é muito difícil conversar com você agora. Deve estar de férias, descansando bastante. Fiquei tão comovida quando um rapaz leu uma declaração de amor linda para você na televisão, você viu? Um fofo, sinto saudades dele falando de esportes depois do almoço.

Acompanhei todos os jogos da Copa do Mundo. Aposentada, tenho mais tempo. Gosto muito de futebol. Mas, não ando gostando dos caras que falam disso na televisão. Pensam que sabem tudo, querem criticar todo mundo. Na Copa, então… Bem que você disse, falar até papagaio fala, quero ver fazer. Deviam te deixar em paz.

Fico muito preocupada com você, um menino fofo e bonito, vítima de tantas brincadeiras sem graça pelo mundo. Queria ver se esse bando de gente frustrada jogasse. Só falam de você quando cai, se preocupam com postagens no Instagrão. Assim que se fala? Meu neto é quem entende dessas coisas. Sou uma velha coroca. E dos outros, ninguém diz nada?

Nem imagino a pressão em cima de você com tanta gente buzinando no ouvido. Eu mesma, tinha vontade de ir pra Rússia. Mas meu neto não deixaria. Queria bater com um rolo de macarrão na cabeça dos chatos. Onde já se viu? Gente folgada…

Quando os jogos voltarem, não ligue para a falação. Vão te encher o saco por causa do grandalhão francês. Ninguém nunca vai tomar seu lugar de estrela do time não, viu? E daí que ele é mais jovenzinho? Tudo muito fácil. Queria ver se tivesse a pressão dos invejosos brasileiros. Senti uma peninha de você, meu filho. Se tiver interesse, posso te mandar umas boas receitas para afastar o mau olhado. Teriam ajudado demais na Copa.

durante a partida da Copa do Mundo 2018 entre Brasil x Suica na arena Rostov na Russia
Menino Ney. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

E olha, você é muito melhor que o argentino e o português lá, ninguém percebeu isso ainda. Também, só querem te perseguir. Vou te contar, existe muita gente mal-intencionada por aí. Aposto que os parças já te falaram isso.

Você joga muito, meu filho. Pode cair à vontade. Não entendo porque os brasileiros não te defendem de tudo. Por isso estamos nessa situação. Não sei se você sabe, mas a coisa aqui não tá nada fácil, querido.

Mas, pode ficar tranquilo: nem Jesus agradou a todos. Falo do filho de Deus, não do outro garoto, com cara de triste. Coitadinho, falaram tanto. Como se os gols fossem a coisa mais importante do futebol.

Você é o melhor da bola. E até a bola sabe disso, mesmo quando é teimosa.

Menino Ney, vou ficando por aqui, preciso terminar comida pro meu neto. Ele é um pouco mais novo que você, trabalha, estuda, vive numa correria que só. Se não é fácil pra você, imagina pra gente, né?

Não se preocupe, já já tem outra Copa do Mundo, outros jogos. Gosto muito de você. E odeio quem ousa te criticar!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Dona Lúcia e o menino. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 31, 2018.
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