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Donos da banca

Leandro Marçal 29 de setembro de 2020

Quando vi os lances grotescos de Linense 4×0 Barretos, senti um misto de espanto e resignação. A partida disputada pela Série A-3 do Campeonato Paulista está sendo analisada pela polícia e pela federação paulista, já que o alarme da suspeita de manipulação de resultados foi acionado.   

É só assistir às prestigiadas competições europeias para ser bombardeado por propagandas de sites de apostas. Letras coloridas, vozes simpáticas, músicas agitadas e figuras conhecidas em ritmo acelerado tentam nos convencer a trocar dinheiro por sorte. Nada da zebrinha do Fantástico anunciando coluna um, coluna dois ou coluna do meio. É tudo sofisticado, moderno e em alta definição.

Nas redes sociais, já vi perfis autointitulados humorísticos, ex-jogadores e jornalistas falando maravilhas desse tipo de negócio. Nos debates esportivos, ninguém haverá de questionar o papel dos jogos de azar na manipulação de resultados. Cada um sabe onde os boletos apertam. Não vi garotos-propaganda falando sobre a goleada suspeita. Se eu fosse mais ingênuo, pensaria no pouco interesse da mídia pelas divisões inferiores do futebol estadual.

Esse Linense 4×0 Barretos me fez lembrar dois personagens aqui do bairro. O primeiro é um entregador de pizzas. Ele perdeu uma quantidade de dinheiro assustadora num site clandestino de apostas. Quase vendeu a moto. Iludido com o ganho fácil, foi apostando mais e mais: no vencedor das partidas, no goleador da noite, no minuto dos gols. Seu vício causou prejuízos e hoje ele evita tocar no assunto. O entregador de pizzas sempre acreditou na sorte.

Fonte: Pixabay

O outro personagem é um blogueiro, dono do esquema clandestino de apostas que lesou o entregador de pizzas. Ele ganha um bocado de dinheiro com jogos de azar. Sem apostar, claro. Para evitar problemas com a lei brasileira, hospedou seu site num servidor norte-americano. Paga suas compras no comércio local em dinheiro vivo e tem pavor de notas fiscais. Virou blogueiro por ostentar o sucesso financeiro nas redes sociais, onde interpreta um empresário de sucesso, mas sua loja de calçados está sempre vazia. Por ele, tudo bem. Todo mundo sabe que esses passeios e roupas caras são à custa do prejuízo de apostadores. O blogueiro anda de mãos dadas com agiotas e mafiosos aqui do bairro, então é melhor só cumprimentá-lo de longe e não puxar muito assunto. 

Todos os dias, um otário e um esperto saem de casa: quando se encontram, dá negócio. Os apostadores pensam que gostam de futebol. Mas são atividades incompatíveis. Não dá para ser entusiasta do esporte e financiar o jeito mais antigo de manipular resultados ao mesmo tempo. Nem adianta fingir surpresa com suspeitas e confirmações de maracutaias.

São muitos os sites de apostas, dos que investem na publicidade televisiva aos clandestinos, como o do blogueiro, cobrando prejuízo na base do porrete. Não importa. As mãos sujas de sangue e merda a cada jogo vendido são muitas. Inclusive as suas, caro apostador.

 


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Donos da banca. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 69, 2020.
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