03.7

Dualib e Renan

João Paulo Streapco 25 de setembro de 2009

As denúncias sobre a parceria Corinthians/MSI continuam repercutindo nas rodas dos boleiros. Não há como passar batido pelas revelações de que a diretoria corinthiana estava envolvida em negociatas pra lá de suspeitas. A cobertura midiática do episódio chama a atenção, como atesta o programa Observatório da Imprensa desta semana1.

Na mesma semana, em Brasília, o senador Renan Calheiros conseguiu escapar da cassação graças ao voto secreto, numa sessão que de tão secreta, não teve ata de registro. Também não há como esquecer esta triste página da história brasileira, cheia de negociatas, mistérios e sigilos, envolta num clima autoritário parecido com o que envolve os clubes brasileiros.

O antropólogo Roberto DaMatta nos propõe em célebre artigo2 que olhemos para o futebol como um instrumento privilegiado de análise da sociedade brasileira. O futebol seria aquele momento no qual nossa sociedade se descortina, se apresenta, fala e assim pode ser melhor analisada. O caro leitor pode até afirmar que os dois casos não se relacionam, mas a intenção deste artigo é mostrar que Alberto Dualib e Renan Calheiros falam muito dos valores correntes em nossa sociedade e são legitimados em suas atitudes pela maior parte de nossa coletividade.

As revelações apresentadas na Folha de S.Paulo recentemente não são tão novas assim. Desde 2005 a revista Caros Amigos vem publicando e informando que a origem do dinheiro da parceria Corinthians/MSI é suspeita, pra não falar suja. Alguns conselheiros corinthianos fizeram o mesmo na época em que o acordo foi firmado, ainda em 2004. Portanto, não há qualquer novidade nas revelações que vieram a público nas duas últimas semanas.

Enquanto a parceira aportou com dinheiro, as estrelas foram contratadas, o time deslanchou e ganhou um campeonato, poucos foram os jornalistas e torcedores que ousaram a questionar o que estava acontecendo. Havia uma cumplicidade silenciosa, inclusive dos torcedores adversários, como quem dissesse “certo estão eles, os dirigentes corinthianos, foram mais espertos, levaram vantagem, o importante é a grana, não importa a origem”. A velha idéia de que os fins justificam os meios.

O volume de dinheiro envolvido, no entanto, chamou a atenção das autoridades brasileiras e despertou a cobiça de algumas das figuras mais nefastas do futebol, inclusive dentro do Corinthians. De briga em briga, a parceria foi pro ralo, pois os comparsas não chegavam a um acordo sobre a divisão do butim.

Em entrevista na ESPN, Antonio Roque Citadini declarou que nenhum clube brasileiro passaria por uma investigação das autoridades públicas competentes sem ser flagrado lavando dinheiro de origem duvidosa. Talvez, seja esta a razão de poucos estarem cobrando uma punição exemplar ao Corinthians.

Para lembrarmos um caso recente, quando a Parmalat faliu, as autoridades italianas descobriram que a empresa lavava dinheiro da máfia através do futebol. No Brasil, em momento algum se falou em investigar as relações da empresa com os clubes patrocinados por ela.

Aparentemente, no Brasil o ilícito não é tão ilícito até virar escândalo na TV. E mesmo assim, a TV se esforça para minimizar o caso que envolve o clube com a segunda maior torcida do país. Quando apresenta algum tipo de informação sobre o caso, ela vem descontextualizada para dificultar a compreensão do episódio, como a declaração de Alberto Dualib sobre o suposto roubo do jogo Corinthians x Internacional.

O escândalo não é de manipulação de resultados, mas de lavagem de dinheiro. Da onde veio o dinheiro que permitiu a contratação de Tevez, Mascherano, Carlos Alberto e Roger?

A sensação de impunidade paira no ar. A forma como os envolvidos falavam no telefone, detalhando as transações, mostra a que ponto chegou a certeza de impunidade. Na verdade, fizeram algo que a sociedade brasileira não “vê” como ilícito. A lei pode até dizer que é ilegal, mas na prática…

Já as denúncias, que atingiram o senador Renan Calheiros, vieram a tona há cerca de quatro meses, quando sua ex-amante concedeu uma entrevista a revista Veja, afirmando que a pensão que ele lhe paga seria incompatível com os ganhos do senador e proveniente de um lobista.

Esta não foi a única acusação que se fez contra o senador, mas foi por causa dela que se abriu um processo de cassação contra ele. Outros continuam tramitando no Senado.

E a questão é a mesma. Da onde veio o dinheiro que Renan utilizava para pagar a pensão de seu filho? Com certeza não foi de seus rendimentos como senador. Pior, ele não conseguiu provar que o dinheiro tinha origem lícita. Sua absolvição é triste, mas mais triste é o consentimento da sociedade que não se rebelou contra o fato e se silenciou.

Por fim, em nosso país, público e privado se misturam a torto e a direito, os fins ainda justificam os meios, e estas são práticas referendadas no cotidiano, nas filas furadas, nos subornos de guardas de trânsito, no chamado jeitinho brasileiro. Poderíamos pegar os mensalões, os PC e outros episódios da política nacional para verificarmos que o Brasil virou uma grande lavanderia. O episódio Corinthians/MSI diz respeito a sociedade em que vivemos e deve ser utilizado para colocarmos em outro patamar as discussões que envolvem cidadania, política, ética e moral.


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[1] Escândalos no futebol, uma cobertura em segundo plano. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=452IMQ007
[2] DaMatta, Roberto. Universo do futebol. Esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Edições Pinakotheke, 1982.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Paulo Streapco

Mestre em História Social pela FFLCH - USP, onde apresentou a dissertação intitulada "Cego é aquele que só vê a bola. O futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S. E. Palmeiras e São Paulo F. C. (1894 - 1942)."

Como citar

STREAPCO, João Paulo. Dualib e Renan. Ludopédio, São Paulo, v. 03, n. 7, 2009.
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