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Duas noites, há dez anos: Corinthians campeão da Copa Libertadores da América

Uma mudança significativa pela qual o futebol brasileiro passou ao longo das últimas décadas, entre tantas e de vários tipos, diz respeito à importância que se atribui aos diferentes torneios disputados pelos clubes. Os campeonatos estaduais foram, pouco a pouco, perdendo importância, seja porque os meios de comunicação e circulação de jogadores se acelerou muito, seja porque as demandas de internacionalização se colocaram no plano não mais das longas excursões que clubes de diferentes níveis faziam ao exterior, mas das Copas Sul-americana e, principalmente, Libertadores da América.

Pouco se valoriza, por exemplo, o Paulista conquistado pelo São Paulo no ano passado, quando bem treinado pelo argentino Hernán Crespo, acabou com um jejum de títulos que durava nove anos. Bem diferente é o que acontece com outro título, conquistado há mais de seis décadas, quando outro técnico estrangeiro, o húngaro Béla Guttmann, levantou o título dirigindo o mesmo tricolor. Até hoje a façanha é lembrada como grande conquista, muito em razão das inovações introduzidas pelo centro-europeu, tendo sido algumas delas aproveitadas pela seleção brasileira que, em 1958, venceu na Suécia sua primeira Copa do Mundo.

Não é tão antigo o interesse dos times brasileiros pela Libertadores, a principal competição hoje jogada no continente. Nos anos 1960, o Santos, em sua versão liderada por Pelé, constituiu a melhor equipe de futebol já formada por uma agremiação, pelo menos se considerarmos o período anterior à Lei Bosman, que permitiu a circulação ilimitada de jogadores continentais entre os países da Europa. No entanto, foi vencedor de apenas duas Copas, em 1962 e 1963, desistindo de participar do evento, mais de uma vez, em função das rentáveis excursões que fazia ao redor do mundo. Esses giros não eram prerrogativa apenas dos grandes clubes. Os bravos Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas, e Bonsucesso Futebol Clube, do Rio de Janeiro viajaram pelas Américas em 1956, em quanto o Metropol Futebol Clube, de Criciúma, fez o mesmo pela Europa em 1962, todos com bons resultados.

A partir da vitória do Cruzeiro, em 1976, seguida da do Flamengo em 1981 e do Grêmio em 1983, a Libertadores cresceu de importância entre nós, culminando, nos anos 1990, com o bicampeonato do São Paulo (1992-1993), as novas vitórias do Tricolor Gaúcho (1995) e da Raposa (1997), e o ingresso de Vasco (1998) e Palmeiras (1999) na lista dos campeões. Entre os grandes paulistas, o Corinthians ficou atrás dos coirmãos, frustrado em suas participações no torneio, em sucessivas quedas desde 1978.

Embora desde muito considerado um dos maiores de São Paulo e do Brasil, o Alvinegro do Parque São Jorge demorou para vencer sua primeira competição nacional. Eram os títulos regionais e sua gigantesca e dedicada torcida, que lhe sustentavam entre os mais destacados. O Brasileiro veio apenas em 1990, com grande desempenho do ponta-de-lança Neto. Conquistas anteriores famosas, como o fim da fila de 23 anos sem título (1977) e o bicampeonato da Democracia Corinthiana (1982-1983),foram de campeonatos estaduais. Estes valiam muito, mas, como dito acima, foram paulatinamente vendo o prestígio perder a cor, confrontados com as vitórias nacionais e principalmente internacionais dos adversários. Mesmo o Mundial vencido em 2000 não foi absorvido como grande conquista internacional pelos opositores do Timão: foi jogado no Brasil, a final foi entre dois times locais (o opositor foi o Vasco), os times europeus (Real Madrid e Manchester United) não o teriam levado totalmente a sério etc.

Corinthians Libertadores 2012
Fonte: reprodução YouTube

Um sentimento de falta de completude se mantinha entre os corintianos e isso durou até 2012. Foi há dez anos, em 27 de junho e em 4 de julho, que o Corinthians conquistou sua primeira e até agora única Libertadores da América. Os jogos finais foram contra o Boca Juniors, o mais copeiro dos copeiros times argentinos, com um empate no mítico estádio de La Bombonera, e uma vitória por dois a zero no Pacaembu. Aquelas noites de quarta-feira foram angustiantes para os torcedores do Timão, mas coroaram uma campanha belíssima, que terminou com apenas quatro gols tomados, e a superação, além do gigante argentino, dos brasileiros Vasco e Santos. Neste último ainda brilhava o jovem astro Neymar.

Na primeira noite, Facundo Rongaglia fez um a zero para os argentinos, já com o segundo tempo entrando em sua fase final, para a glória da imensa torcida xeneize e, em meio a ela, Diego Maradona, no seu camarote, ensandecido com um grande crucifixo no peito. Doze minutos depois, faltando cinco para encerrar o período regulamentar, o mais surpreendente: na primeira vez em que tocou na bola, o recém-ingressado no campo Romarinho, que por pouco, naquele mesmo ano, não abandonara a carreira, empatou o jogo. Era apenas o seu segundo compromisso pelo Corinthians. Na partida seguinte, os dois gols de Emerson Sheik sacramentaram o título em São Paulo.

A conquista da Copa Libertadores foi libertadora para o Timão. A autoestima dos torcedores, da imaginária experiência de pertencer a uma fantasia que é o time do coração, foi bem alimentada. Em 1977 o título do Paulista foi vencido depois de 23 anos sem conquistas; em 2012, nova barreira foi superada. Na primeira vez, eu era criança e fiquei muito nervoso, ao lado do irmão, do pai e de amigos dele; na segunda, estava apreensivo, mas confiante, frente à TV da casa de meu irmão, nas duas partidas. Hoje, como ontem e anteontem, a felicidade, como ensinou Walter Benjamin: a de ter vivido aqueles momentos e deles poder lembrar.

 

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Duas noites, há dez anos: Corinthians campeão da Copa Libertadores da América. Ludopédio, São Paulo, v. 157, n. 2, 2022.
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