156.26

“E aí, será que o Brasil ganha a Copa???”

Pedro de Mesquita Santos 23 de junho de 2022

Essa pergunta repleta de significados e rodeada por expectativas ocupa as mentes de milhões de brasileiros de quatro em quatro anos. Entre os respondentes, é comum haver dois extremos: o apaixonado que sempre bota fé na seleção, e o amargurado que não se furta a dizer que “boa era a seleção de antigamente!”.

Conforme tentaremos demonstrar neste artigo, se quisermos realmente estar à altura do desafio que essa pergunta aparentemente simples e inocente nos impõe, precisamos aprofundar um pouco mais nosso entendimento não apenas sobre futebol e sobre Copa do Mundo, mas também sobre o conceito de probabilidade. Ao final, com base nas ideias e argumentos defendidos ao longo do texto, tentaremos apresentar a melhor resposta possível a essa pergunta nada trivial: será que o Brasil ganha a Copa?

O que diriam os estatísticos?

Se os resultados do futebol obedecessem ao mesmo padrão de resultados obtidos em um jogo de cara e coroa ou em um jogo de dados, todos os trinta e dois participantes teriam aproximadamente a mesma chance de vencer o Mundial. Ou seja, a resposta à pergunta que dá título a esse artigo estaria dada: “o Brasil tem 3,125% de vencer a Copa do Mundo” (1 dividido por 32). Essa certamente seria a resposta dada por um matemático que não conhece absolutamente nada de futebol e que não dispõe de qualquer dado adicional sobre o tema.

Por incrível que pareça, do ponto de vista estritamente estatístico, afirmar que o Brasil possui as mesmas chances de vencer o título que a Arábia Saudita não está necessariamente errado. Porém, quem conhece o mínimo sobre o futebol certamente concordaria que a probabilidade de o Brasil ganhar a Copa do Mundo é consideravelmente maior que a da Arábia Saudita. Ou seja, se um estatístico quiser sofisticar sua análise, a primeira coisa que ele procurará fazer será encontrar critérios para responder à seguinte pergunta: dadas as informações de que disponho sobre eventos já ocorridos, quais as chances que cada seleção tem de ganhar a Copa do Mundo?

A partir daí, o estatístico vai procurar levantar dados sobre o histórico de cada seleção, sobre os aproveitamentos recentes de cada uma, sobre o chaveamento na tabela da Copa, entre outros critérios, para só a partir daí atribuir uma probabilidade de ser campeão associada a cada seleção. Porém, não se engane: se você delegar essa tarefa a uma centena de estatísticos, muito provavelmente receberá como retorno uma centena de resultados distintos, pois os critérios utilizados podem variar de um estudo para outro. Como definir a pontuação atribuída aos critérios “histórico da seleção em Copas” e “aproveitamento recente”? Qual peso dar a cada um desses critérios? Aí é que moram as diferenças entre as probabilidades geradas pelos diferentes modelos estatísticos.

De todo modo, é importante que se diga: se todos os integrantes desse grupo de cem matemáticos tiverem acesso ao mesmo volume de informações disponíveis sobre o tema, não haverá grandes divergências entre as probabilidades que eles gerarão. Pode ser que os matemáticos se dividam sobre o favorito ser o Brasil ou o favorito ser a França, mas quase nenhum dirá que a Austrália tem mais chances que o Brasil ou que a França. A estatística denomina esse tipo de “chute improvável” (por exemplo, alguém dizer que a Austrália tem chances de ganhar uma Copa do Mundo) como um ponto fora da curva (outlier), justamente para dizer que se trata de um acontecimento anômalo, raro, não esperado.

No entanto, os pontos fora da curva podem acontecer! Quem não lembra de quando o Leicester foi campeão da Premier League, na temporada 2015-2016?! Esse acontecimento explica por que algumas casas de aposta inglesas quase quebraram em 2016, quando tiveram que pagar 5 mil libras para cada libra apostada no título do Leicester. Como essas casas de apostas praticamente desconsideraram a baixa probabilidade de o Leicester ser campeão, suas provisões foram insuficientes para cobrir os prêmios das apostas vencedoras. 

Em Copas do Mundo, pode-se dizer que, entre os campeões, nunca existiram azarões como o Leicester. Porém, certamente algumas campanhas não campeãs podem ser consideradas grandes azarões: quem diria que a Turquia seria terceira colocada em 2002? Quem diria que a Costa Rica chegaria nas quartas-de-final em 2014? Ou que a Croácia chegaria na final em 2018?

Uma coisa é certa: apesar de os azarões serem raríssimos entre campeões de Copa do Mundo, adivinhar o campeão é uma tarefa dificílima! Vamos seguir aprofundando o tema nos parágrafos abaixo.

Leicester
Leicester campeão da Premier League 2015/2016: definição contemporânea de azarão no futebol. Fonte Wikimedia

Estimando as chances de uma seleção ser campeã: quantas fichas você aposta?

Conforme mencionado anteriormente, para gerar probabilidades de ocorrência de algum evento, os matemáticos recorrem a modelos estatísticos.

Quando fazemos apostas (casas de aposta online, poker, corrida de cavalo, bolsa de valores…), utilizamos o mesmo raciocínio, embora sem necessariamente lançarmos mão de grandes sofisticações matemáticas. Isto é: tendo em vista as informações que estão à minha disposição, qual a probabilidade de a minha escolha ser vencedora?

Devido a essa lógica semelhante de raciocínio, é muito comum que, em jogos que utilizam a probabilidade como fundamento, sejam utilizadas fichas de apostas, as quais servem para traduzir o quanto você acredita que determinado evento tem chances de ocorrer, consideradas as informações à sua disposição. É claro que, a depender do tipo de jogo, você poderá blefar ou intencionalmente apostar no azarão; mas o fato é que a análise baseada em probabilidade sempre estará presente em uma aposta.

Considerando isso, proponho ao leitor um exercício. Imagine que você tem trinta e duas fichas (quantidade de seleções participantes de uma Copa do Mundo) para apostar em quem será o campeão mundial. Você pode apostar quantas fichas quiser em uma mesma seleção, e deixar quantas seleções quiser sem nenhuma ficha, se for o caso. Destinar muitas fichas a uma mesma seleção significa que você acredita que ela é muito favorita a ser campeã. Por outro lado, distribuir quantidades parecidas de fichas entre diferentes seleções significa que você não tem um “favoritaço”, ou seja, significa que você acredita que há um grupo de seleções mais ou menos com as mesmas condições de serem campeãs.

Para que esse exercício funcione, as apostas de fato devem refletir o que você imagina como apreciador de futebol. Ou seja, se você não acha que a Tunísia tem condições de ser campeã, não coloque fichas na Tunísia!           

Depois de fazer essa distribuição, você terá a sua própria análise probabilística sobre as chances de cada seleção ser campeã. Rudimentar, precária e simplória, é verdade; mas uma análise probabilística para chamar de sua. Na tabela abaixo, está o modo como eu distribuiria minhas fichas considerando as condições atuais das trinta e duas seleções que participarão da Copa:

Seleção

Fichas

Probabilidade

Seleção

Fichas

Probabilidade

França

5

15,6%

Croácia

0

0,0%

Alemanha

4

12,5%

Dinamarca

0

0,0%

Argentina

4

12,5%

Equador

0

0,0%

Bélgica

4

12,5%

Estados Unidos

0

0,0%

Brasil

4

12,5%

Gana

0

0,0%

Espanha

4

12,5%

Irã

0

0,0%

Inglaterra

3

9,4%

Japão

0

0,0%

Portugal

3

9,4%

Marrocos

0

0,0%

Holanda

1

3,1%

México

0

0,0%

Arábia Saudita

0

0,0%

País de Gales

0

0,0%

Austrália

0

0,0%

Polônia

0

0,0%

Camarões

0

0,0%

Senegal

0

0,0%

Canadá

0

0,0%

Sérvia

0

0,0%

Catar

0

0,0%

Suíça

0

0,0%

Coreia do Sul

0

0,0%

Tunísia

0

0,0%

Costa Rica

0

0,0%

Uruguai

0

0,0%

Podemos extrair de minhas apostas acima que a França é minha favorita para vencer a Copa, mas não muito à frente de Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil e Espanha. Há ainda uma terceira “prateleira”, formada por Inglaterra e Portugal, e uma quarta, composta pela Holanda.

É igualmente possível concluir que, de acordo com meus palpites, apenas nove seleções podem ser campeãs, ainda que umas com probabilidade maior que outras (França teria cerca de 5x mais chances de ser campeã que a Holanda, e 1,65x mais chances de ser campeã do que Inglaterra ou Portugal, por exemplo). Por fim, podemos também deduzir que, para mim, nenhuma das demais vinte e três seleções possuem chances de vencer o torneio. 

Percebam que, de acordo com essa abordagem, as probabilidades decorrem da quantidade de fichas que você apostou em cada seleção. Em outras palavras, a probabilidade de cada seleção ser campeã é igual a quantidade de fichas que você destinou a cada seleção dividida pelo total de fichas que você tinha em mãos (32).

Se ampliarmos nossos horizontes, podemos utilizar esse exercício para refletirmos sobre uma outra questão que o apaixonado por futebol precisa ter em mente: ainda que sua seleção seja favorita para vencer determinada edição da Copa do Mundo, a probabilidade de ela conquistar o título normalmente será consideravelmente menor que a probabilidade de ela não conquistar o título.

Principalmente nós, brasileiros, tão críticos que somos à nossa seleção, precisamos entender isso. A verdade é que o Brasil ficou mal-acostumado a ser tratado como “o país do futebol”, alcunha a nós reservada com uma boa dose de justiça. Quem começou a curtir futebol a partir da década de 90, ficou mais mal-acostumado ainda! Entre 1994 e 2002, chegamos a três finais consecutivas, saindo vencedores em duas oportunidades. Apesar da grande desconfiança entre os brasileiros e do jejum de títulos, atualmente o Brasil é líder do ranking do Fifa e, logo após o sorteio dos grupos da Copa do Catar, a seleção brasileira já era a preferência de apostadores mundo afora para ser campeão em 2022. Todo esse frequente ambiente de favoritismo, somado à relação passional que o brasileiro tem com a sua seleção, ajudam a entender porque muitos de nós ainda tem dificuldades para compreender o quanto é difícil ganhar uma Copa do Mundo.

A propósito, imaginemos que as minhas probabilidades para a Copa de 2022 estejam mais ou menos em linha com a avaliação feita pelos principais especialistas da área, e que a França, minha favorita, efetivamente tenha cerca de 15,6% de vencer a competição. Percebam que, nesse caso, apesar de possuir a maior probabilidade em comparação com seus adversários, a probabilidade de a favorita França não ser campeã (84,4%) é muito maior que a probabilidade de ela ser campeã. Isso significa dizer que, de acordo com meus palpites, a probabilidade de qualquer uma das adversárias da França ser campeã é de 84,4%, mais de 5 vezes superior à probabilidade de a França ser campeã (15,6%). E ainda assim a França poderia ser considerada favorita, porque possui a maior probabilidade relativa de ser campeã, isto é, a maior probabilidade de ser campeã se consideradas as probabilidades de cada candidata individualmente. 

Tomando outro caminho, vamos considerar, ao invés das minhas probabilidades, o estado das probabilidades derivadas das apostas feitas no mais importante site de apostas esportivas após o sorteio dos grupos da Copa do Catar. É comum as odds das casas de apostas serem utilizadas como parâmetro para estimar as chances de cada seleção, já que, para estabelecer a premiação a apostas vencedoras, essas empresas utilizam softwares e modelos matemáticos que sistematizam dados estatísticos, históricos, precedentes, demais fatores que podem interferir no resultado, opinião de especialistas, etc. Como há muito dinheiro envolvido, não é exagero dizer que as grandes casas de apostas possuem os melhores recursos disponíveis para estimar as probabilidades de cada seleção ser campeã em uma Copa do Mundo.

De acordo com as odds do mais importante site de apostas esportivas do mundo, após o sorteio da Copa do Qatar, o Brasil liderava com 20% das preferências dos apostadores (5 unidades de prêmio para cada unidade apostada), seguido por França e Inglaterra, com 18,2% (11 para 2). Percebam que, mesmo nesse caso, a probabilidade de o favorito (Brasil) não vencer a Copa do Mundo é de 80%! Ou seja, se a casa de apostas está disposta a pagar cinco dólares para cada dólar apostado no Brasil, é porque ela acredita que a probabilidade de o Brasil ser campeão é cerca de quatro vezes menor do que a de ser campeão – ainda que a seleção brasileira possua a maior probabilidade de ser campeã entre todos os participantes da competição, de acordo com o próprio modelo estatístico da empresa.

Favoritos em Copas do Mundo: um estudo de caso no século XXI

Uma terceira forma de analisarmos a relação entre favoritismo e probabilidade de título é resgatar o histórico mais recente de Copas do Mundo, para avaliarmos como o favorito se saiu em cada edição. Será que as previsões de favoritismo se confirmaram?

Em 2002, a França de Zidane era a grande favorita para conquistar a Copa do Mundo, chegando com o status de atual campeã mundial e europeia. Durante a Copa do Japão e da Coreia, porém, acabou eliminada na fase de grupos. A então desacreditada seleção brasileira, que havia se classificado com muitas dificuldades nas eliminatórias sul-americanas, envolta a muitos questionamentos acerca das condições físicas do craque Ronaldo, sagrou-se campeã com sete vitórias em sete jogos.

Zinedine Zidane
Zidane, Henry, Vieira e cia. não conseguiram levar a favorita França sequer a segunda fase em 2002. Fonte: Wikipédia

Em 2006, um favorito como há muito não se via. O “quarteto mágico” brasileiro, composto por Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Adriano, havia vencido tudo e todos nos últimos quatro anos, de modo que poucos depositavam suas fichas em outra seleção. A alegria, contudo, durou apenas até as quartas-de-final, quando a seleção canarinho acabou sendo eliminada pela França. A campeã dessa edição foi a Itália, que a exemplo da edição anterior não chamava especial atenção dos especialistas nas análises prévias ao início da competição.

Seleção brasileira
Seleção brasileira em Weggis, na Suíça, na polêmica fase de preparação para a Copa de 2006. Fonte: Wikimedia

Em 2010, a Espanha chamava muita atenção com o tiki-taka e se aproveitava da base formada por jogadores do incrível Barcelona daquela época. O título da Eurocopa de 2008 posicionou a Fúria no rol de favoritos, apesar das dúvidas geradas por não ter vencido a Copa das Confederações de 2009. No fim das contas, a Espanha conquistou seu primeiro e único título mundial, na África do Sul.

Espanha 2010
Em 2010, a seleção espanhola estava na primeira prateleira de favoritos ao título. Fonte: Divulgação/FIFA

Em 2014, a então campeã Espanha retornou ao Mundial com um status de favoritismo semelhante ao de 2010. Contudo, em que pese ter vencido de forma consecutiva a Eurocopa em 2012, havia sido derrotada pela seleção brasileira na Copa das Confederações de 2013, o que contribuiu para também consolidar o Brasil, país-sede de 2014, no rol de favoritos, em que certamente a Espanha também se encontrava. No entanto, a Espanha ficou na fase de grupos e o Brasil…bem, vocês sabem o que aconteceu com o Brasil na semifinal. Nessa edição, sagrou-se campeã a Alemanha, pela quarta vez.

Copa das Confederações de 2013
Final da Copa das Confederações de 2013. Na Copa de 2014, os favoritos Brasil e Espanha tiveram experiências traumáticas. Fonte: Wikimedia

Em 2018, um Mundial sem favoritos claros na Rússia. Apesar de os “de sempre” (Brasil, Alemanha, Argentina) figurarem entre os favoritos, o talentosíssimo elenco francês também já despontava como integrante da primeira prateleira de postulantes ao título. Ao fim do torneio, marcado pela queda precoce da então campeã Alemanha na primeira fase, a França conquistou sua segunda Copa do Mundo.

Alemanha 2018
Em 2018, a então campeã Alemanha ficou na fase de grupos. Fonte: Wikimedia

Assim, considerado o retrospecto das cinco Copas do Mundos realizadas neste século, constatamos que em pelo menos três delas nenhum dos favoritos claros foi campeão (2002, 2006 e 2014). Nessas três edições, é interessante notar inclusive que o desempenho dos favoritos foi muito inferior ao esperado. Isso demonstra não apenas como é difícil tornar-se campeão mundial de futebol, mas também que muita coisa diferente do cenário mais provável pode acontecer em uma Copa do Mundo.

Períodos de jejum de seleções tradicionais

É sempre muito triste ficar pelo caminho em uma Copa do Mundo, não é verdade? Apesar da frustração, isso é consequência natural e direta do fato de a Copa do Mundo ser uma competição de “mata-mata” extremamente competitiva. Nesse sentido, é interessante notar que mesmo seleções de muita tradição no cenário mundial podem passar décadas sem vencer uma Copa do Mundo.

O pentacampeão Brasil, por exemplo, precisou esperar seis Copas do Mundo até conquistar seu primeiro título, em 1958. Depois disso, a seleção brasileira chegou a passar por um jejum de 24 anos sem levantar a taça, entre as Copas de 1970 e 1994. Em julho de 2022, alcançaremos a marca de 20 anos sem vencer uma Copa.

Entre as tetracampeãs, a Alemanha só conquistou seu primeiro título na 5ª edição da Copa do Mundo, em 1954. Depois disso, ficou 20 anos sem triunfar, até ser campeã novamente em 1974. Após o título de 1990, um novo jejum de 24 anos, até voltar a ser campeã em 2014.

Já a Itália, apesar de tetracampeã, possui em sua história um período de jejum ainda maior. Depois de ser bicampeã nas edições de 1934 e 1938, a Azzurra precisou esperar longos 44 anos até se tornar campeã novamente, em 1982. Após esse título, o tetra só veio 24 anos depois, em 2006.

Entre as seleções bicampeãs, o Uruguai já acumula 72 anos sem conquistar uma Copa do Mundo, o maior jejum atual entre campeões mundiais. E se engana quem acha que a seleção uruguaia possui resultados expressivos apenas na primeira metade do século XX: a Celeste Olímpica foi semifinalista nos mundiais de 1954, 1970 e, recentemente, em 2010.

A Argentina é outra seleção bicampeã cuja tradição remonta ao início da história da Copa do Mundo, tendo chegado à final já na primeira edição da competição, em 1930. Não obteve resultados expressivos entre 1934 e 1974, mas em 1978 alcançou sua segunda final, quando se sagrou campeã pela primeira vez, jogando em casa. Em 1986, La Albiceleste foi campeã pela segunda vez. Desde então, já são 36 anos sem conquistar o título.

Em relação à França, é importante frisar que o protagonismo em Copas não começou em 1998, ano de seu primeiro título. Na Copa de 1958, a seleção francesa já havia alcançado um terceiro lugar, enquanto nos mundiais de 1982 e 1986, Les Bleus fizeram boas campanhas consecutivas, terminando em quarto e em terceiro lugar, respectivamente. No entanto, o fato é que os franceses tiveram que esperar 68 anos após a realização da primeira Copa do Mundo para vencerem seu primeiro título.

Entre as seleções com apenas uma conquista, a Inglaterra é um caso curioso. Apesar de serem os inventores do futebol, de possuírem um histórico de grandes clubes e craques de primeira linha, e de constantemente serem mencionados entre os favoritos para vencer o Mundial, os ingleses não apresentam muita consistência em suas participações em Copas do Mundo. O título de 1966, em casa, é um marco inquestionável, mas apenas em outras duas edições o English Team terminou a competição entre os quatro melhores: 1990 e 2018, anos em que ficaram com o 4º lugar. Desde 1966, portanto, já são 56 anos sem Copa do Mundo.

Assim como a Inglaterra, a Espanha também é errática em Copas do Mundo. Ao longo de todo o século XX, figurou apenas uma vez entre os quatro primeiros colocados, quando terminou em 4º lugar na Copa de 1950. Em 2010, conquistou o seu único título mundial. A Copas de 1950 e 2010 são as únicas representativas de resultados relevantes para a seleção espanhola em Mundiais.

Um caso interessantíssimo é o da Holanda, esse verdadeiro celeiro de craques lendários do futebol. Algumas seleções holandesas, como as finalistas de 1974 e 2010, assim como a campeã da Eurocopa de 1988, são inesquecíveis para o torcedor. No entanto, todo esse talento não foi suficiente para evitar três vice-campeonatos nas três finais disputadas pela Laranja Mecânica, em 1974, 1978 e 2010. Aliás, vale lembrar que todos os outros países que disputaram pelo menos três finais (Brasil, Alemanha, Itália, França, Argentina) detêm pelo menos dois títulos. Em resumo: mesmo estando sempre envolta à muita tradição e a muito favoritismo, a Holanda nunca conquistou sequer uma Copa do Mundo, em 21 edições do torneio.

4 Fatos sobre Copas do Mundo: alinhando as expectativas do torcedor com a sua seleção

Por meio das informações apresentadas anteriormente, discutimos as expectativas de desempenho de seleções em Copas do Mundo com base em análises probabilísticas, no histórico dos favoritos e nos períodos de jejum entre as seleções tradicionais. A essa altura, esperamos ter convencido o leitor sobre os seguintes quatro fatos sobre Copas do Mundo:

Fato 1: é muito difícil vencer uma Copa do Mundo;

Fato 2: é muito comum o favorito não vencer a Copa do Mundo;

Fato 3: muita coisa diferente do cenário mais provável pode acontecer em uma Copa do Mundo;

Fato 4: para uma mesma seleção, por mais tradicional que ela possa ser, não vencer uma Copa do Mundo será bem mais comum do que vencê-la.

Apesar de parecerem obviedades, procuramos explicitar ao longo do texto apresentado até aqui certos elementos que fundamentam esses quatro fatos, o que pode contribuir para gerar um “alinhamento de expectativas” entre torcedores e suas seleções, sobretudo quando a seleção é favorita ou muito tradicional em Copas do Mundo. Para torcedores especialmente exigentes – a exemplo do torcedor brasileiro – estar consciente desses quatro fatos pode inclusive fazer com que sejamos mais equilibrados e justos em nossas avaliações e críticas.

Ok. Mas afinal, o Brasil será campeão?

Se aplicar as premissas que defendemos até aqui, o leitor poderá responder a essa pergunta de pelos menos duas formas distintas, ambas igualmente corretas – apesar de aparentemente contraditórias.

Se abordar a pergunta de forma literal, a resposta racional do leitor deve ser a seguinte: acredito que o Brasil não será campeão, pois as probabilidades de as demais seleções vencerem somadas tendem a ser consideravelmente maiores que a probabilidade de uma única seleção vencer.

Alternativamente, se o leitor não levar a pergunta tão “ao pé da letra” e aplicar uma dose de jogo de cintura, poderá chegar a esta outra resposta um pouco mais esclarecedora: é muito difícil adivinhar o campeão de uma Copa do Mundo, mas o Brasil possui aproximadamente as mesmas chances de ser campeão dos demais favoritos ao título.

No que diz respeito a essa segunda possibilidade de resposta, percebam que está subentendido o leitor concordar que o Brasil está entre os favoritos para vencer o Mundial, em linha com as probabilidades derivadas da minha “distribuição de fichas” demonstrada anteriormente e do estado das apostas realizadas no mais importante site de apostas esportivas após o sorteio dos grupos da Copa do Qatar.  No entanto, é possível que o torcedor simplesmente discorde de mim e das casas de aposta, e não coloque o Brasil entre os favoritos.

Até aqui nos concentramos na abordagem dada na primeira resposta acima, com o objetivo de chamar a atenção do torcedor brasileiro para um fato que precisa ser digerido pelo “país do futebol”: é muito difícil ganhar uma Copa do Mundo. Já nos parágrafos a seguir, daremos atenção à abordagem dada na segunda resposta, para defender porque acredito que o Brasil está no páreo para vencer o Mundial. Para tanto, levantarei dois contrapontos ao principal argumento dos brasileiros “amargurados”: o de que a seleção brasileira atual estaria em condições técnicas significativamente inferiores às das principais seleções europeias.

Tite contra seleções europeias

Em primeiro lugar, verdade seja dita: seria muito importante a seleção brasileira jogar mais contra seleções da Europa, continente em que se encontra a maior parte das seleções favoritas ao título mundial. Jogamos com frequência contra a Argentina e outras seleções de bom nível da América do Sul e do Norte, a exemplo do Uruguai, do México e dos Estados Unidos, mas desde março de 2019, quando vencemos um amistoso contra a República Tcheca, não testamos nossas forças contra uma seleção europeia. O problema é que, após a criação da Liga das Nações pela União das Federações Europeias de Futebol (Uefa), o calendário das seleções desse continente passou a ficar muito ocupado, o que tem dificultado a realização desses confrontos.

Desde que assumiu a seleção brasileira, em junho de 2016, o técnico Tite disputou nove partidas contra seleções europeias, todas elas consideradas de nível razoável para cima (Inglaterra, Rússia, Alemanha, Croácia, Áustria, Suíça, Sérvia, Bélgica e República Tcheca). Vale lembrar que todas essas nove partidas foram jogadas na casa do adversário ou em território neutro, nunca no Brasil.

No mesmo período, a seleção francesa, frequentemente mencionada como a grande favorita europeia para a Copa de 2022, disputou 68 partidas contra seleções europeias. A pergunta é: será que o aproveitamento da temida França contra seleções europeias foi melhor do que o da seleção do Tite contra adversários do mesmo continente?

Para a surpresa do torcedor brasileiro “amargurado”, o aproveitamento em pontos do Brasil contra seleções europeias (74%) foi levemente superior ao da França (72,5%) contra adversários do mesmo continente, se consideradas as partidas ocorridas após 20 de junho de 2016, quando Tite assumiu o cargo no Brasil. É evidente que o fato de a seleção brasileira não disputar uma partida contra europeus há três anos é um aspecto negativo; no entanto, o fato de termos um aproveitamento superior ao da seleção francesa demonstra que, no mínimo, os franceses não são tão melhores assim.

A título de curiosidade, se desconsideramos as partidas que a França disputou nesse mesmo período contra países como Belarus, Luxemburgo, Moldávia, Andorra, Albânia e Cazaquistão, as quais certamente fariam duelos acirrados contra Bolívia ou Venezuela, o aproveitamento da França cai para 67,3%. E olha que, nesse novo recorte, estão incluídos jogos que a França disputou contra as modestas Finlândia, Islândia, Hungria, Bulgária…

Os jogadores da seleção brasileira já jogam há anos, durante o ano inteiro, contra europeus

Para fins de clareza, vale repetir: o ideal era a seleção brasileira disputar mais partidas contra seleções europeias, já que a maior parte dos candidatos ao título mundial são da Europa. Entretanto, ao que tudo indica não teremos condições de enfrentar seleções europeias antes da Copa do Qatar. A pergunta que fica é: mesmo sabendo que esse é um aspecto negativo da nossa preparação, será que realmente se trata de um elemento suficientemente relevante para comprometer as nossas chances? Eu tenho minhas dúvidas, e abaixo explico o porquê.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que praticamente todos os jogadores brasileiros que disputarão a Copa de 2022 jogam em grandes clubes europeus. Eles são treinados pelos grandes técnicos, dividem time com grandes craques, enfrentam os melhores adversários, disputam as principais competições, jogam nos grandes palcos, são exigidos a ter a melhor preparação física e técnica, estão recorrentemente presentes nas grandes decisões, são submetidos a grandes níveis de pressão, etc. Por tudo isso, particularmente, entendo que é exagero afirmar que a seleção brasileira e seus jogadores estarão despreparados para enfrentar as seleções europeias durante a Copa.

Vamos olhar a questão por um outro ângulo. Uma vez que os europeus não têm jogado contra o Brasil, seria correto afirmar que eles entrarão “no escuro” para jogar contra a seleção brasileira? Ora, claro que não. As comissões técnicas das seleções europeias estudam os grandes adversários, a exemplo do Brasil, mesmo sem jogar contra eles. Assim como os melhores jogadores europeus estão acostumados a jogar ao lado dos melhores jogadores brasileiros, ou contra eles.

Nesse sentido, os fundamentos do jogo da seleção brasileira tendem a não ser muito diferentes daqueles empregados pelas principais seleções europeias, justamente porque os jogadores brasileiros jogam nos mais importantes clubes europeus. Além disso, por mais que possamos ser favoráveis a um técnico europeu assumir o Brasil no futuro, se hoje o técnico da seleção brasileira estivesse adotando princípios ou métodos muitos distintos ou aquém daqueles praticados na Europa, o nosso aproveitamento contra seleções europeias deveria ser, no mínimo, bem inferior ao da favorita europeia França, por exemplo.

Dito isso, pode-se argumentar que o nível de presença de jogadores de cada seleção em grandes clubes europeus é um indicador da força de cada candidato ao título da Copa do Mundo. Com base no ranking de clubes da Uefa e na relação de prováveis jogadores a serem convocados pelas seleções favoritas a conquistarem a Copa do Qatar, realizou-se o levantamento abaixo, que demonstra o nível de presença de jogadores de cada uma dessas seleções nos dez primeiros colocados no ranking de clubes da Uefa (Bayern de Munique, Liverpool, Manchester City, Real Madrid, Chelsea, Barcelona, Paris Saint-Germain, Juventus, Atlético de Madrid e Manchester United).

1º) Alemanha, Brasil, Espanha e Inglaterra: 14 jogadores

2º) França: 10 jogadores

3º) Portugal: 9 jogadores

4º) Argentina e Holanda: 6 jogadores

5º) Bélgica: 5 jogadores

Se ampliamos o levantamento considerando a presença de jogadores das seleções nos vinte primeiros colocados do ranking da Uefa (os dez times citados acima mais Roma, Sevilla, Leipzig, Tottenham, Ajax, Porto, Arsenal, Villareal, Borussia Dortmund e Lyon), o resultado fica assim:

1º) Inglaterra: 18 jogadores  

2º) Alemanha e Brasil: 17 jogadores

3º) Espanha e Portugal: 16 jogadores

4º) França e Holanda: 13 jogadores

5º) Argentina: 12 jogadores

6º) Bélgica: 9 jogadores

Percebam que, em ambos os cenários, o Brasil não fica devendo muito para ninguém – muito pelo contrário. Cabe lembrar ainda que as ligas de clubes europeias possuem restrições à quantidade de não-europeus ou estrangeiros em cada time, ou seja, só o fato de considerarmos o ranking da Uefa nesse levantamento já provoca uma vantagem natural para as seleções europeias. E, mesmo assim, o Brasil fica “nas cabeças”. A meu ver, esse é mais um dado que devemos considerar antes de presumirmos que a seleção brasileira está muito abaixo de seleções europeias.

Conclusão

Ganhar uma Copa do Mundo é sempre muito difícil, mas o Brasil está no páreo. Quando estiver falando sério sobre futebol, o torcedor – especialmente o “mal-acostumado” torcedor brasileiro – necessita alinhar suas expectativas com o fato de que normalmente ele não sairá vencedor ao final de uma Copa, por se tratar de um torneio extremamente competitivo, composto por uma fase de “mata-mata” em que qualquer lance pode ser decisivo, e jogado contra um grupo de pelo menos cinco adversários que também chegam com boas chances de vencer.

Assim, quando nos propomos a analisar o futebol com racionalidade, convém refutar a patriotada ufanista da mesma forma com que devemos rejeitar a síndrome de vira-lata. Se avaliarmos com critério e com ponderação, vamos chegar à conclusão de que o Brasil possui chances de levar o título semelhantes às dos seus principais adversários. E que bom para nós que é assim em praticamente todas as Copas!

Conforme procuramos evidenciar, apesar do predomínio recente dos europeus entre campeões da Copa do Mundo, os especialistas do Brasil e do mundo seguem tendo motivos para apontar a seleção brasileira entre as principais favoritas a levar o título. Entre esses motivos, destacamos que, apesar de estarmos jogando pouco contra europeus, não deixamos de possuir bom aproveitamento contra seleções desse continente, assim como seguimos tendo muitos jogadores nos principais clubes do mundo. Não estamos livres dos riscos de frustrações, assim como nenhum de nossos adversários está, mas esperamos ter demonstrado que não há motivos para deixar de acreditar que a seleção canarinho tem condições de trazer a taça para o Brasil.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Pedro de Mesquita Santos

Um amante de esportes, com uma quedinha mais do que especial pelo futebol.

Como citar

SANTOS, Pedro de Mesquita. “E aí, será que o Brasil ganha a Copa???”. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 26, 2022.
Leia também:
  • 177.28

    A camisa 10 na festa da ditadura

    José Paulo Florenzano
  • 177.27

    Futebol como ópio do povo ou ferramenta de oposição política?: O grande dilema da oposição à Ditadura Militar (1964-1985)

    Pedro Luís Macedo Dalcol
  • 177.26

    Política, futebol e seleção brasileira: Uma breve reflexão sobre a influência do futebol dentro da política nacional

    Pedro Luís Macedo Dalcol