“O Bahia se tornou o segundo time de todo mundo”, me disse um amigo, sorriso no rosto, no último verão. Ele comentava a simpatia que nos gera o clube com ações solidárias, críticas, populares, a exemplo da campanha anti-homofobia que liderou, ao valorizar a camiseta número 24, até então proscrita pelos times de futebol. Tudo ficou ainda mais animado desde a chegada do treinador Roger Machado, uma figura com ideias avançadas, dentro e fora do campo de futebol.

Pois bem, sempre tive simpatia pelo tricolor baiano, provavelmente por causa de um long-play de Caetano Veloso e Gilberto Gil, ouvido há tantos anos, uma gravação do espetáculo de despedida de Salvador, pouco antes de partirem para o exílio em Londres, em 1969. Quem foi ao Teatro Castro Alves (o que, pela voz do músico baiano, sabemos que “é do povo”), para ver e ouvir o show que resultaria no disco Barra 69, presenciou a épica interpretação do hino do Esporte Clube Bahia. Os meses anteriores ao espetáculo deram ocasião para Caetano frequentar a Fonte Nova, estádio do clube, como se lê em Verdade tropical, suas memórias da Tropicália: “Junto com Fred, Hermano Penna, Pedro Bira e outros amigos de Dedé, encontrava grande alegria nas tardes ensolaradas e festivas das grandes partidas”.

Embora aquele tenha sido, segundo escreve, o único momento em que o futebol teve presença intensa em sua vida, não deixou a torcida e a admiração pelo clube. Na canção Reconvexo, ele promete descartar, entre outros, “Quem não amou a elegância sutil de Bobô”. A discreta fineza mencionada pelo grande compositor se destina a um dos maiores ídolos da história do Bahia. Ser mencionado por Caetano para ser cantado por Maria Bethânia não é qualquer coisa, mas o ex-jogador merece. O meia-atacante foi o maestro do título nacional em 1988, dando ritmo ao ataque a ajudando a revelar o centroavante Charles, autor de gols decisivos nas fases finais do Campeonato Brasileiro.

As últimas fases do torneio foram em fevereiro do ano seguinte, e o Bahia, treinado por Evaristo de Macedo, derrotou o Internacional em duas partidas. O time gaúcho se classificara para a final ao vencer o Grenal do Século, como ficou conhecida a peleja contra o histórico adversário. Depois do empate sem gols no primeiro jogo, o Colorado venceu o segundo, de virada, com dois gols do ótimo centroavante Nilson. Abel Braga dirigia o time vencedor, e ousou ao trocar o volante Leomir pelo atacante Diego Aguirre, mesmo depois de perder um jogador expulso. Todos eles voltariam ao Beira-rio, Abel e Aguirre como treinadores, Leomir na condição de auxiliar-técnico. O jogo comparece ainda na literatura ficcional de Michel Laub que, em Segundo tempo, joga com a contingência do futebol – e da vida – na construção de uma trama que se estrutura em conflitos que naquele jogo e sob a narração de um menino ganham forma.

Mas o Bahia já havia vencido um campeonato nacional, a Taça Brasil de 1959, quando o derrotado na finalíssima em pleno Maracanã foi nada menos que o Santos, com aquele esquadrão em que o jovem Pelé já despontava como craque ao lado de Dorval, Coutinho, Pepe, Zito e Jair da Rosa Pinto. Isso eu soube pelas leituras da infância, assim como da mesma forma me inteirei de outra peça que o Tricolor pregou no melhor jogador do mundo, já então conhecido como Rei Pelé. Em 1969, na caça ao milésimo gol, foi em partida na Fonte Nova que ele quase aconteceu. Vencido o goleiro, o defensor Nildon fez o que há que ser feito e evitou o gol com a bola já sobre a risca final. A festa só aconteceria no Rio de Janeiro, com o pênalti convertido contra o Vasco.

Escudo do Esporte Clube Bahia. Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia.

Assisti apenas uma vez a um jogo do Bahia, contra o Avaí Futebol Clube, pelo Campeonato Brasileiro da Série B, um zero a zero em outubro de 2004. Era o quadrangular final da competição e, infelizmente, nenhum dos dois alcançou a classificação para a primeira divisão do ano seguinte. Naquela época apenas os dois primeiros colocados, que na ocasião foram Brasiliense e Fortaleza, subiam. Foi uma partida bem disputada e algo ríspida, com o Estádio da Ressacada lotado, ele que ainda não tinha cadeiras em todos os setores. Um amigo e eu entramos com os ingressos na mão, mas sem entregá-los, tal o tumulto que foi. A torcida baiana veio em peso, ocupou cada centímetro do setor visitante e empurrou o time o tempo todo. Impressionante. Fizeram justiça ao hino, aquele entoado por Caetano Veloso em momento tão obscuro da nossa história, quando cantar pelo time era gritar pela liberdade: Vamos, avante, esquadrão! / Vamos, serás o vencedor! / Vamos conquistar mais um tento! / Bahia, Bahia, Bahia! / Ouve esta voz que é seu alento! /Bahia, Bahia, Bahia!

Sul da Ilha de Santa Catarina, abril de 2020.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Esporte Clube Bahia. Ludopédio, São Paulo, v. 130, n. 24, 2020.
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