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“El Mata Gigantes” – a histórica campanha da Costa Rica em 2014

A Copa de 2014 foi de surpresas, desastres – o 7×1 que o diga – e a consagração da Alemanha como campeã do mundo. Foram muitas histórias que ficaram marcadas no Brasil. No entanto, o enredo mais fantástico foi escrito pelos costarriquenhos.

A Costa Rica ficou no Grupo D, que ganhou a alcunha de “Grupo da Morte”. Não era para menos, Inglaterra, Itália e Uruguai seriam os seus adversários. Os comandados de Jorge Luis Pinto não iam ter pressão de nada.

Juntando os títulos de copas dessas três principais seleções são sete contra quatro participações na primeira fase do torneio e uma chegada às oitavas de final. O favoritismo era todo para o lado dos europeus. Aliás, quem falasse de uma possível classificação da Costa Rica em meio a tantos gigantes estaria louco. Ninguém imaginava.

É aí que a história fica mais interessante. Desde 1990, com Camarões, não tínhamos uma surpresa tão agradável, alegre, de um futebol simpático de se acompanhar, ao ponto de torcedores brasileiros a colocarem como a segunda seleção a acompanhar.

Sobrevivendo ao Grupo da Morte

A primeira partida aconteceu no dia 14 de junho, contra o Uruguai, na Arena Castelão. A única notícia boa antes do certame era a ausência de Luis Suárez, que se recuperava de uma lesão no joelho.

Sem o seu principal craque, o Uruguai foi para frente e propôs o jogo. A mesma coisa aconteceu com o time costarriquenho, sem medo nenhum de chegar ao ataque, incomodando os zagueiros Godín e Lugano. As principais chances eram criadas no lado direito por Campbell, as subidas ao ataque de Bryan Ruiz, além dos laterais Gamboa, pela direita, e o meia Bolaños.

O problema é que a celeste tem Cavani. De pênalti, ele marcou o primeiro gol na Arena Castelão. Mas os “ticos” pouco ligaram. Continuaram tentando chegar ao ataque e a incomodar Muslera. No segundo tempo, esse incômodo surtiu efeito. Campbell aproveitou o cruzamento e, de perna esquerda, fuzilou o barbante uruguaio. Festa em Fortaleza, no banco de reservas e dos torcedores brasileiros que começavam a simpatizar com a equipe.

Quatro minutos depois, o zagueiro Óscar Duarte assinalou de cabeça a virada para o Caribe. Os torcedores ficaram perplexos, a mídia esportiva não acreditava no que estava acontecendo. A celeste olímpica estava entregue. O nocaute final veio no terceiro gol de Ureña. No primeiro confronto do “grupo da morte”, a zebra vinha do Caribe.

A segunda partida foi contra a tradicional Itália, tetracampeã do mundo, uma das francas favoritas a passar de fase. Era a disputa entre as vencedoras da primeira rodada. O mundo estava surpreso após o êxito contra o Uruguai, porém, o clima era de que não haveria mais zebra costarriquenha.

O confronto aconteceu em 20 de junho, na Arena Pernambuco, no Recife. A maioria das pessoas na arquibancada já tinham um time a torcer, a simpática Costa Rica. Dentro de campo, víamos um pareamento acirrado. A Itália, de Cesare Prandelli, tentava a todo custo alçar bolas para o Balotelli. O que era muito pouco para uma seleção com Pirlo, Thiago Motta, Marchisio. Do lado caribenho, estava a ousadia de não temer mais um gigante em copas do mundo. A tática era a mesma, ousar diante do forte adversário, bolas na área para surpreender o sistema defensivo italiano e se arriscar.

Óbvio que isso quase custou um gol para “azzurra”. A sorte costarriquenha é que o principal jogador daquela seleção começava a brilhar debaixo do gol: Keylor Navas, do então Levante, da Espanha. Em duas ótimas intervenções, impediu o gol de Balotelli. Do outro lado, o histórico goleiro Buffon também fazia sua parte. À medida que o tempo ia passando mais brigado ficava dentro das quatro linhas.

Contudo, a raça costarriquenha se sobressaiu diante dos europeus. Em um cruzamento pela esquerda, o capitão e camisa dez, Bryan Ruiz entrou na área e cabeceou no alto. A bola ainda bateu no travessão e entrou. O árbitro Enrique Osses viu sua pulseira vibrar e assinalou gol legítimo. Durante a transmissão, ficou claro que a pelota ultrapassou a linha.

Na etapa final, os comandados de Cesare Prandelli foram para cima, não poderiam vacilar em um grupo tão competitivo como virou sua chave. A pressa e a falta de criatividade acabaram prejudicando o ataque italiano, que pouco fez. “La Sele” se segurava como podia, Navas aparecia para o mundo. Após o apito final, parecia que era carnaval em San José, os atletas do banco entraram no campo, comemorando bastante. Não era para menos, duas vitórias diante de dois campeões do mundo e a ida para as oitavas. Coisa que não acontecia desde a Copa de 1990, por sinal, a primeira em que disputaram.

O terceiro jogo da fase de grupos foi muito protocolar. Os ticos já estavam classificados, e o English Team estava fora do mundial, com duas derrotas. Uma verdadeira decepção no Brasil. O que se viu no Mineirão foi duas seleções sem tanto brilho. Havia uma expectativa grande diante da apresentação caribenha, o que não foi compensado. Nada de gols no derradeiro certame, mas isso não tirou a primeira colocação no grupo D, ao lado de Uruguai, e a dupla europeia derrotada.

Costa Rica 2014
Costa Rica x Inglaterra no Mineirão, 2014. Foto: Wikipédia

Fazendo História

Convenhamos, a Costa Rica já fizera um feito histórico e tanto. Derrotou duas equipes de tradição, empatou sem gols com outra, encantou em terras tupiniquins, tinha apoio dos torcedores nas arenas e só tinha levado um gol na Copa do Mundo inteira. Porém, seus jogadores junto a Jorge Luis Pinto queriam dar um passe adiante. Avançar para as quartas.

No primeiro mundial que participou, na Itália, em 1990, o técnico brasileiro Alexandre Guimarães estava à frente da equipe, que até enfrentou o Brasil e perdeu por 1 a 0. Naquela ocasião, o país da América do Caribe conseguiu ir para a segunda fase, mas acabou perdendo para a Tchecoslováquia por 4 a 1.

Chegar às quartas seria a consolidação da história dos mundiais, no Brasil. O adversário seria a surpreendente Grécia, que despachou de volta para casa a Costa do Marfim, dos craques Didier Drogba e Yaya Touré. Os gregos também nunca haviam chegado tão longe. A partida era histórica para os dois lados. O palco seria a Arena Pernambuco, uma ótima lembrança caribenha, já que o inesquecível triunfo diante dos Italianos foi lá.

Se foi complicado contra Pirlo, Balotelli e companhia, não seria nada fácil contra o gigante atacante grego Samaras, Mitroglou, Karagounis. O início foi tenso, só que não demorou muito para as movimentações no campo ficarem interessantes. Pela primeira vez, “La Sele” teve que criar chances diante de um forte sistema defensivo grego.

Quase foi difícil ver seus principais destaques criando algo, tanto Bryan Ruiz, Campbell, Gamboa, Bolaños não estavam aparecendo. Pelo contrário, Keylor Navas impedia que o sonho costarriquenho ruísse. Foram grandes defesas, o futuro arqueiro do Real Madrid parava Mitroglou, Salpingidis e os demais jogadores gregos.

No segundo tempo, os ticos mudaram de postura e tentaram ser mais agressivos, o que acabou dando resultado. Aos sete minutos da etapa final, Bryan Ruiz, que quase não tinha ido ao ataque, após ótimo passe do também sumido Bolaños pela esquerda, o meio campista chegou chutando fraquinho, mas colocando a bola no cantinho do goleiro rival, sem chances.

Com isso, a pressão grega foi enorme, Navas se consagrava a cada reflexo apurado ou em boas defesas diante dos chutes rivais. E foram muitos. Em uma dessas chances claras, o zagueiro Sokratis Papastathopoulos estava livre para completar. Empate no primeiro minuto dos acréscimos.

Os esportistas caribenhos se abateram um pouco, sentiram a pressão rival. Era a primeira vez que estiveram em risco na segura campanha defensiva que apresentaram durante o mundial de 2014. Na prorrogação, o guarda redes costarriquenho garantiu a ida aos pênaltis.

A primeira decisão de pênaltis para ambos. Com a confiança um pouco abalada pelo gol no apagar das luzes, os jogadores logo se reanimaram pela nova chance concedida. Todos os cinco batedores cobraram muito bem, tirando do goleiro Karneziz a chance de agarrar alguma cobrança. Do outro lado, o muro caribenho se tornava real, Keylor Navas pegou o penal batido por Gekas e viu seu companheiro Umaña colocar a zebra mais à frente.

Costa Rica, pela primeira vez na sua história, estava entre as oito melhores seleções de uma Copa do Mundo. Feito inédito e histórico para o pequeno país de mais de quatro milhões de habitantes.

Contra a Holanda, pelas quartas de final, a Costa Rica nada fez. O forte trio ofensivo com Robben, Sneijder e Van Persie não deram chance de serem surpreendidos. Então, desde o começo foi um ataque contra defesa – o que carimbou a ida de Navas para o Real Madrid. Além dele, a trave salvou duas vezes, defensores tiraram a bola em cima da linha. Enfim, foi uma pressão suportável até a disputa das penalidades.

Antes disso, teve um lance histórico dentro daquele mundial, o técnico holandês Louis Van Gaal tirou o goleiro titular Cillessen para a entrada de Tim Krull, que acabou fazendo duas defesas na disputa penal e classificando a laranja.

Pós Feito

O país caribenho recebeu seus heróis em festa. Fizeram bonito em uma Copa do Mundo depois de cinco participações e ainda entraram para a história da competição. Além de ter conquistado a simpatia brasileira e do mundo.

Muitos jogadores tiveram seus contratos renovados com os clubes, alguns deram um passo adiante na carreira futebolística, transferiram-se para times europeus tradicionais ou até vieram para o Brasil, como foi o caso de Bryan Ruiz, que foi para o Santos, atuou em 14 jogos em dois anos de Baixada Santista. Dos 23 convocados por Jorge Luis Pinto, 15 atletas defendem equipes do futebol local, atualmente. O único que continua atuando em alto nível é o goleiro Keylor Navas, atualmente no PSG, e tricampeão da Champions League pelo Real Madrid.

Outro fato curioso é que a crônica esportiva local se deliciou com os feitos dentro de campo diante das gigantes seleções. Alguns escreveram que a “morte”, dentro do grupo D, era a própria Costa Rica. Já o jornalista Marco M. Sarmiento colocou a alcunha de “El Mata Gigantes”, o que não é exagero pelo o que vimos no Brasil.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Andrade Dias

Estudante de jornalismo, cinéfilo e amante de esportes

Como citar

DIAS, Pedro Henrique Andrade. “El Mata Gigantes” – a histórica campanha da Costa Rica em 2014. Ludopédio, São Paulo, v. 148, n. 43, 2021.
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