93.9

El Minero estreia na Libertadores no Estádio Malvinas Argentinas, em Mendoza

Pretexto

Este é o primeiro texto da série El Minero na Libertadores: o atleticano, enfim, conhece a América Latina, cuja publicação se dará a cada jogo da equipe mineira na competição de 2017, como ocorreu no ano passado. A princípio, serão seis espetáculos que originarão seis textos, publicados no dia do jogo ou nos dias subsequentes. Além do evento de logo mais contra o Godoy Cruz, em Mendoza, acrescentam-se os jogos em Assunção, capital do Paraguai, contra o Libertad, e em Warnes, na Bolívia, a trinta quilômetros de Santa Cruz de la Sierra, contra o Sport Boys.

Pretendo estar presente em todos os jogos, além, é claro, dos realizados em Belo Horizonte contra esses mesmos adversários, e escrever textos híbridos, por vezes fragmentados, “espatifados”, que incorporem outras artes e tensionem os gêneros textuais (diário de viagem, crônica, ensaio, carta, pesquisa, reportagem, narrativa e poesia etc.). Os textos se dividirão em duas partes, uma mais informativa, ligada aos dados factuais do jogo e da realidade – crônica –, e a outra ficcional, protagonizada pelo professor de educação física belo-horizontino que, igualmente a mim, acompanha o seu time na Libertadores – o que ocorrerá a partir do próximo texto desta série. Esse personagem surgiu durante o meu processo de escrita do ano passado e agora, aposentado, tomou conta de vez da narrativa – uma novela. Assim, creio contribuir para o alargamento da produção discursiva acerca do clube e sua comunidade de incríveis torcedores que hoje, em sua ínfima parcela, andam pela cidade mendocina a exibir o escudo nas camisas, agitando-o fervorosamente estampado em suas bandeiras. Esses atos performativos de pertencimento clubístico, incluindo evidentemente a presença nos estádios a entoar o hino e os cânticos, contribuem para a perpetuação da vasta memória cultural do clube, que se solidifica cada vez mais como uma marca de reconhecimento internacional, notadamente após a passagem estratosférica do craque Ronaldinho Gaúcho por Belo Horizonte e, recentemente, por conta das contratações de Robinho e Fred. Isso tudo, obviamente, aos olhos atentos da diretoria que vem mantendo a base do plantel desde o vice-campeonato do Brasileirão de 2012, indo na contramão das equipes brasileiras que não têm resistido às agudas investidas do mercado chinês.

Mendoza, Dia Internacional da Mulher

No primeiro sábado de março, época da colheita (cosecha), ocorre, desde 1936, a tradicional Fiesta Nacional de la Vendimia, que consiste em quatro eventos centrais. Uma semana antes, acontece a “Bendición de los frutos”. Na sexta à noite ocorre a “Vía blanca de las reinas”, no sábado pelo dia, o “Carrusel”, estes dois últimos festejos se passam nas ruas e, segundo informações, são muito parecidos. Eu presenciei a Vía blanca, que consiste basicamente em um desfile de carros alegóricos iluminados com moças trajadas de rainhas, coroadas, que acenam um estereotipado tchauzinho de miss para o público. Essas rainhas, indicadas pelos departamentos mendocinos, também lançam uvas e depositam pequenas garrafas de vinhos nos cestos acoplados em cabos de vassouras e alçados pelos populares. O “Acto central” acontece no sábado à noite no Teatro Griego Frank Romero Day, localizado aos pés do Cerro de la Gloria no Parque General San Martín. Nesse espaço a céu aberto, também há danças, espetáculos musicais e pirotecnia, além do esperado concurso de Rainha da Vendimia. Em 2017, consagraram-se Victoria Colovatti, de Maipú, e Romina Méndez Pattaro, de San Carlos, reina e virreina, respectivamente.

“La Vendimia no es uma cosificación de la mujer”, disse a nova rainha ao periódico local ElSol. No entanto, quando perguntada pelo diário Los Andes se elas participariam da marcha contra o machismo, hoje, no Dia Internacional da Mulher, disse: “– No, no sabemos todavía. No les podríamos confirmar eso”. O repórter Daniel Arias Fuenzalida insiste: “– ¿Cómo vas a acompañar la manisfestación? ¿Lo tienen pensado o todavía no?”. A rainha responde: “– No, todavía no”. Tenho muitas dúvidas acerca do papel dessas mulheres e sobre a tal coisificação da qual se manifestaram contra. Mas falar é uma coisa, atuar de fato na esfera sociopolítica é outra completamente diferente. Na verdade, por serem meninas muito novas, acabam cedendo à manipulação de um esquema invisível e cruel, cujo resultado é o aprisionamento de seus corpos, colocando-as no lugar de objeto. Fiquemos atentos a todos esses jogos.

 

O passaporte para Libertadores 2017

Apesar do ano de 2016 sem títulos, o Atlético Mineiro encantou novamente os brasileiros, pois chegou à final da Copa do Brasil e obteve um honroso quarto lugar no Brasileirão, o que lhe garantiu vaga direta na fase de grupos da Libertadores. Desse modo, participará de sua nona edição, a quinta consecutiva, tornando-se o time mais bem-sucedido da história atleticana. No Brasil, somente o São Paulo esteve mais vezes seguidas nesta competição que o Atlético, com sete participações entre os anos 2004 e 2010. Como se não bastasse, beneficiando-se dos novos critérios adotados pela Conmebol para o sorteio de grupos, que privilegia as últimas campanhas na competição, o time foi um dos oito cabeças de chave ao lado do Atlético Nacional – atual campeão –, River Plate, San Lorenzo, Peñarol, Nacional, Grêmio e Santos, caindo num grupo relativamente fácil, composto por Godoy Cruz, Sport Boys e Libertad, este um pouco mais tarimbado na competição.

O Galo teve alguns formidáveis destaques na temporada passada no setor ofensivo. O ídolo argentino Lucas Pratto atuou muito bem e conquistou sua primeira convocação para a seleção, estreando ao lado de Messi, mas foi vendido para o São Paulo através de uma transação que se tornou a segunda maior do clube, só perdendo para a saída de Bernard, que gozou de certo lampejo de grande jogador, figurando entre os convocados para a copa de 2014. Já Fred e Robinho, remanescentes, arrebentaram. O centroavante que disputou as copas de 2006 e 2010 se garantiu como o artilheiro do Brasileirão pela terceira vez, feito só atingido por goleadores do porte de Romário, Túlio e Dadá – os Maravilhas. Com mais quinze gols nos próximos dois Campeonatos Brasileiros, Fred passará a ser o segundo maior artilheiro do Brasileirão, atrás apenas do vascaíno Roberto Dinamite. Por outro lado, Robinho foi o grande astro do Atlético no ano, pois além de ter sido goleador do Mineiro, foi o maior artilheiro da temporada brasileira com vinte e cinco gols, além de ter integrado a seleção do Brasileirão ao conquistar uma Bola de Prata juntamente com o lateral esquerdo Fábio Santos, que rapidamente se integrou ao time e fez com que o Douglas Santos não deixasse saudade. E para coroar a brilhante fase de Robinho, o antenado técnico Tite o convocou para a seleção, e sua centésima presença na lista o tornou o décimo jogador da história a vestir a amarelinha. Ah!, mas tudo isso é pouco para os atleticanos, mimadinhos, que cornetaram muito a contratação desses jogadores com seus ímpetos de ira pelas redes sociais e whatsApp. Acostumados com Pa-tri-c, Berola, Mexerica, Marinho, Curê, Ricardo Bueno, Vanderlei, Jô e o fracasso da “SeleGalo” de 1994, deve ser difícil suportar tantas estrelas por perto, não é mesmo? Valeram muito as apostas da diretoria do clube nas recentes aquisições. Congratulações ao Nepomuceno e ao Kalil que transformaram o clube em comoção nacional ao conquistar títulos e campanhas extraordinárias, além do controle financeiro do clube, que possui o mais avançado centro de treinamento da América Latina, onde se hospedaram nossos hermanos durante a copa de 2014. A diretoria também promoveu o retorno do excelente preparador físico Carlinhos Neves, um dos principais responsáveis pela conquista da Libertadores de 2013, diga-se de passagem.

No entanto, em relação às contratações dos treinadores, a diretoria tem se arriscado e não tem obtido êxito. Nesta temporada, trouxe o jovem técnico Roger Machado, que se destacou pelo Grêmio em 2015 ao conquistar vaga na Libertadores. Para um profissional sem títulos e que nunca treinou um time fora do Rio Grande do Sul, o mais evidente é que não dê certo. Tudo parece caminhar como nas duas últimas temporadas, quando a diretoria anunciou os treinadores Paulo Autuori e Diego Aguirre e ambos não conseguiram estabelecer um padrão de jogo para o elenco, o que interferiu sensivelmente na vibração dos torcedores alvinegros. Depois do fracasso de Aguirre, foi a vez de apostar novamente no Marcelo Oliveira, bicampeão brasileiro pelo Cruzeiro nas temporadas de 2013 e 2014. Ele conseguiu chegar à sua quinta final de Copa do Brasil nos últimos seis anos com quatro times diferentes: Coritiba – duas vezes –, Cruzeiro, Palmeiras e Atlético, sendo campeão pelo time paulistano. No entanto, muito devido à sua sisudez, características igualmente de Aguirre e Autuori, a empatia com a torcida não se sucedeu, pois se acostumaram às fantásticas entrevistas e aos ímpetos emocionais de Cuca e Levir Culpi. No entanto, claro, torço para que este ano seja diferente, pois não tenho dúvida alguma que o treinador é sempre quem quer mais vencer; só ele tem o poder de modificar o padrão tático da equipe ao escalar seus atletas e substituí-los durante a partida. Já que nunca venceu, quem sabe não é chegada a hora do Roger? Ou, minimamente, conseguir consolidar uma boa equipe, fazendo uma campanha destacável. Para mim, que pertence a uma geração acostumada às tragicidades do Galo, com a figura não menos trágica de Reinaldo reinando, o vice-campeonato também é bem-vindo.

O Roger vem escalando bem a equipe que lidera o Mineiro, realizando bons experimentos táticos, a prova disso é ter acreditado em Danilo como opção para o meio, pois além do ex-americano chegar bem ao ataque, ele tem muita disposição para marcar, liberando um pouco mais Robinho e Fred dessa função. O jogador entrou na equipe e não saiu mais. E hoje, o Galo vem escalado assim: Giovanni; Marcos Rocha, Léo Silva, Gabriel e Fábio Santos; Rafael Carioca, Elias, Danilo e Otero; Robinho e Fred.

Godoy Cruz

Hoje, a Oeste da Argentina, o Clube Atlético Mineiro começa sua história pela Copa Libertadores da América logo mais às 19h30 contra o Club Deportivo Godoy Cruz Antonio Tomba. A cidade faz parte da Grande Mendoza, que possui cerca de um milhão de habitantes, localizada a mil quilômetros da capital Buenos Aires e a aproximadamente quatrocentos quilômetros de Santiago do Chile. Assim, está situada na região andina, que é responsável por 70% da produção do vinho argentino, figurando na quinta colocação mundial.

O clube azul e branco foi fundado em 1° de junho de 1921 na cidade de Godoy Cruz, sobrenome de Tomás, ex-governador que atuou na província de Mendoza no final do primeiro quarto do século XIX. Embora o clube tenha um histórico social respeitável, agregando regularmente em sua sede várias outras práticas esportivas, culturais e educacionais, sua atuação a nível nacional é pouca expressiva, pois nunca ganhou um título nacional de primeira divisão e sua experiência na Libertadores é bem recente, sendo a terceira vez que participa. Curiosamente, em 2011 e 2012, o clube venceu em suas duas estreias em casa contra adversários de peso: a LDU do Equador e o Peñarol do Uruguai, mas nunca passou da primeira fase. Hoje, acredito, não será ameaça para o Atlético. Afinal, os godoycruceños não jogaram sequer uma partida neste ano porque os atletas argentinos, politizados, simplesmente paralisaram o campeonato nacional, lutando contra o atraso de salários, a remarcação de datas e pelos seus direitos de imagem e transmissão midiática. Ou seja, o fato de o Godoy não entrar em campo oficialmente há quase três meses é sem dúvida alguma um ponto a favor dos mineiros. Mas, aquela velha história: futebol é futebol…

Enquanto isso, os torcedores atleticanos começam a brotar nas ruas de Mendoza, principalmente na calle Arístides Villanueva, principal rua de bares e restaurantes da cidade, onde rapidamente já se tornou o ponto de encontro dos mineiros para a apreciação dos excelentes vinhos e da comida, basicamente batatas, massas e cortes de carnes bovinas, com destaque para os bifes à milanesa, que são acrescentados até em sanduíches.

Nos dois dias anteriores ao de hoje, a equipe mineira treinou no estádio Feliciano Gambarte, o La Bodega, inaugurado em 1959, de propriedade do Godoy Cruz, que fica ao lado de sua sede, onde fui comprar o ingresso no sábado a trezentos pesos, cerca de sessenta reais. “El jogo bonito de Robinho se roba toda la atención de lós presentes, […] ensaya piruetas con el balón y se divierte jogando al ‘loco’ con sus compañeros, siempre con una sonrisa en el rosto. Otra figura reconocida del equipo Galo es […] Fred, delantero que vistió la casaca número 9 titular de la Verde-amarela en el último Mundial de Brasil”, diz o Diario Uno.

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Treino do Atlético no La Bodega ao entardecer. Foto: Lázaro Oliveira.

Hoje, o jogo será no Estádio Malvinas Argentinas, inaugurado para a Copa de 1978, onde a seleção brasileira comandou os seus dois jogos pela segunda fase diante do Peru, 3 a 0, e Polônia, 3 a 1 – jogo em que o Nelinho marcou um golaço ao cobrar uma falta da entrada da área. O estádio tem capacidade para quarenta mil espectadores e os mendocinos, hoje, prometem lotá-lo, pois todos querem ver as estrelas Robinho e Fred, jogadores que já construíram sua história no futebol mundial e ainda têm muito a mostrar ainda aos torcedores do Galo em 2017.

O oráculo da Libertadores: Ch’ien, o criativo

O I Ching fala ou o patuá da Libertadores insiste em se lançar…

Ch'ien I Ching

Dois trigramas iguais, abaixo e acima: o criativo. O hexagrama se compõe de seis linhas inteiras. Essas linhas correspondem à energia que, em sua forma primordial, é luminosa, forte, espiritual, ativa. O hexagrama é integralmente forte em sua natureza e, por estar livre de toda fraqueza, tem como essência a energia. Sua imagem é o céu. Sua força nunca é limitada por condições determinadas no espaço e por isso é concebida como movimento. O tempo é a base desse movimento. Portanto, o hexagrama inclui também o poder do tempo e o poder de persistir no tempo, ou seja, a duração.

Imagem: grande é o poder que move o Universo e se manifesta infinitamente na terra como no céu. O homem superior se torna forte e incansável.

Julgamento: o criativo promove sucesso, que é favorecido através da perseverança. O progresso só pode ser alcançado ao longo do caminho que se harmoniza com as leis do universo.

Nove na primeira posição significa: dragão oculto. Não atue. O dragão tem, na China, uma conotação completamente diferente daquela que tem no Ocidente. Simboliza a força propulsora, eletricamente carregada, dinâmica, que se manifesta nas tempestades. No inverno essa força recolhe-se de volta à terra; no começo do verão reativa-se, surgindo no céu como relâmpago e trovão. Como consequência, as forças criativas na terra despertam-se. Essa força criadora ainda está oculta na terra e, assim, seus efeitos, por enquanto, não são perceptíveis. Aplicado às circunstâncias humanas, isso significa que um grande homem ainda não é reconhecido como tal. Entretanto, ele permanece fiel a si mesmo. Não permite que êxitos e fracassos exteriores o influenciem, mas, confiante em sua força, espera no momento propício. Portanto, aquele que, consultando o oráculo, obtém essa linha deve aguardar com tranquilidade e paciência. O momento oportuno virá. Não há necessidade de temer que uma poderosa vontade não prevaleça. Mas é preciso não desperdiçar prematuramente suas energias tentando obter algo pela força antes de seu tempo.

Nove na quarta posição significa: voo hesitante sobre as profundezas. Nenhuma culpa. Alcançou-se aqui o ponto de transição, onde a liberdade de escolha pode atuar. Uma dupla possibilidade é apresentada ao grande homem: elevar-se se tornando influente ou recolher-se à solidão e desenvolver-se em silêncio. Ele pode seguir o caminho do herói ou o do santo sábio que busca reclusão. Não há regra que determine o caminho certo. Todo aquele que se encontra em tal situação deve decidir livremente, de acordo com os princípios mais profundos de sua natureza interna. Se ele atua com toda veracidade e solidez, encontra o caminho que lhe corresponde e este será para ele o caminho certo e sem culpa.

Ôoooooooo-ô, vai pra cima deles, Galô!

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Gustavo Cerqueira Guimarães

Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG. É graduado em Psicologia e Letras pela PUC-Minas. Autor dos livros de poesia Língua (2004) e Guerra lírica (no prelo). Coorganizou os livros Futebol: fato social total (2020) e Problemáticas e solucionáticas do futebol em Minas Gerais (no prelo). Desenvolveu pesquisas sobre futebol e artes no pós-doutorado na Faculdade de Letras da UFMG (PNPD-CAPES, 2013-2018) e no Leitorado Guimarães Rosa em Maputo/Moçambique (2019-2023). Atualmente, atua na Secretaria Municipal de Educação de Lajinha/MG e como vice-líder do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, como coeditor-chefe da FuLiA/UFMG (https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/issue/archive). 

Como citar

GUIMARãES, Gustavo Cerqueira. El Minero estreia na Libertadores no Estádio Malvinas Argentinas, em Mendoza. Ludopédio, São Paulo, v. 93, n. 9, 2017.
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