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De peças desacreditadas a engrenagens fundamentais

Leonardo Megeto Montelatto 15 de dezembro de 2020

Peças desacreditadas

Lucas Lima, Gustavo Scarpa, Zé Rafael e Raphael Veiga. Quatro meio campistas que além do nome composto carregam diversas semelhanças em suas passagens pelo Palmeiras. Chegada com muita expectativa, momentos de brilho, sequência na equipe titular, belos gols, assistências;  assim como apagões, esquecimento no banco de reservas, perda de confiança e críticas da torcida os marcam como atletas do Verdão.

Veiga foi o primeiro dos quatro a desembarcar no Palestra Itália, em 2017. Vindo de uma boa temporada com a camisa do Coritiba, atuando como um meia aberto pelo lado direito e também como um organizador central da equipe, chegou como uma aposta ao lado de Hyoran, ex-Chapecoense. Natural de São Paulo, carrega no passado a experiência de ter crescido frequentando as arquibancadas do antigo Parque Antárctica ao lado do pai, palmeirense fanático. Em um dos vídeos preparados pela TV do clube, revelou a promessa feita a seu avô de que brilharia vestindo a camisa alviverde.

Em seu primeiro ano, Veiga não obteve minutagem e sequência na equipe para mostrar seu jogo. Surgiu, então, o interesse do Athletico Paranaense em contar com o atleta para 2018, sendo prontamente liberado pela diretoria por empréstimo. Atuando pelo Furacão, foi um dos destaques da equipe comandada pelo treinador Tiago Nunes, com passes decisivos e atuações fundamentais na conquista da tão comemorada Copa Sulamericana.

Raphael Veiga comemora gol contra o Bahia em partida válida pelo Campeonato Brasileiro 2020. Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

Retornou novamente ao Palmeiras para 2019, agora cercado de expectativa para que rendesse e mostrasse o futebol do ano anterior no Allianz Parque. Entretanto, nunca passou de uma opção de banco para Felipão e Mano Menezes. Com a chegada de Luxemburgo para o início de 2020, manteve seu status de reserva utilizado no segundo tempo.

Lucas Lima e Gustavo Scarpa foram contratados no início de 2018, mesmo momento do empréstimo de Veiga para o Athletico. Ao contrário de Raphael, os dois já chegaram com status de titulares no clube, pelas boas temporadas obtidas em Santos e Fluminense, respectivamente. Circunstâncias extracampo, porém, os fizeram iniciar suas trajetórias carregados de desconfiança.

Lucas Lima fez parte de um dos momentos de rivalidade mais acentuada da história de Santos x Palmeiras. Os confrontos decisivos no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil de 2015, além da briga pelo título brasileiro de 2016, o fizeram figura odiada do torcedor palmeirense, ao lado do atacante Ricardo Oliveira. Provocações de ambos os lados foram comuns no período. A mais famosa foi a de Lucas estar no bolso do garoto palmeirense Matheus Sales na decisão da Copa do Brasil. Por outro lado, em toda eliminação palestrina o então atleta santista fazia postagens provocativas em suas redes sociais. Com o final de seu contrato com o Santos, em um final de ciclo desgastante, juntamente com a aproximação da diretoria palmeirense com Neymar Pai, seu empresário e ex-sogro, o trouxeram para o Verdão em janeiro de 2018. O torcedor, apesar de ressabiado, acreditava que Lucas conseguiria novamente apresentar seu futebol dos tempos áureos, que inclusive o levaram para a seleção Brasileira.

O clima do clube parece outro desde a chegada do treinador português, vide a alegria de Lucas Lima. Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

Apesar de nunca ter se firmado como titular absoluto, Lucas Lima teve papel importante na conquista do Brasileirão de 2018. Atuando pelo chamado time “alternativo”, já que o clube disputava simultaneamente a Copa do Brasil e a Libertadores em suas fases decisivas, contribuiu com a arrancada alviverde no segundo turno, que culminou no título ao final do ano. Já em 2019, pouquíssimo fez nas vezes em que esteve em campo, sendo personagem figurativo ao longo da temporada. Após ser anunciado como novo treinador da equipe, Vanderlei Luxemburgo afirmou que contava com Lucas e que o faria recuperar seu futebol. Mesmo com sequência de jogos, nada fez para merecer continuar na equipe inicial do Palmeiras.

Assim como Lucas Lima, Gustavo Scarpa também não saiu de maneira amistosa de seu antigo clube. Alegando atraso de salários na justiça, Scarpa conseguiu se desvincular de modo unilateral do tricolor das Laranjeiras. Livre no mercado, acertou contrato com o Palmeiras mesmo tendo a possibilidade da briga jurídica se estender nos tribunais.

E tal possibilidade realmente se concretizou. Poucos dias após estrear pelo Palmeiras, o Fluminense conseguiu derrubar a liminar que o desvinculava do clube, iniciando assim um ano conturbado para o jogador. Somente após um acordo entre os clubes, já depois do meio da temporada, Scarpa pode contribuir em campo com a conquista do Campeonato Brasileiro, entrando em alguns jogos do torneio.

Gustavo Scarpa comemora com Patrick de Paula gol do Palmeiras contra o Athletico Paranaense no Campeonato Brasileiro. Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

Já no início de 2019, recebeu de Felipão a oportunidade de ser o principal armador alviverde, atuando na faixa central do campo. Foi um dos destaques da equipe na temporada, artilheiro na Libertadores e ao lado de Dudu um dos principais goleadores no ano. Com Luxemburgo em 2020 retornou ao banco de reservas, muitas vezes nem sendo relacionado para os jogos após uma tentativa frustrada de venda para o futebol espanhol.

Por fim, Zé Rafael foi contratado pelo Palmeiras ainda durante o ano de 2018, muito mais numa manobra para evitar que se acertasse com Cruzeiro e Corinthians, clubes que também o desejavam para 2019. Em seu início com a camisa palmeirense, teve raríssimas oportunidades para entrar em campo, apesar dos insistentes pedidos da torcida. Felipão, então treinador, justificava dizendo que Zé atuava pelo mesmo setor que o principal jogador palmeirense, Dudu, mas que teria a oportunidade de atuar em algum momento.

Desperdiçou a cobrança decisiva na disputa de pênaltis contra o São Paulo na semifinal do Paulistão, mas ganhou a vaga na equipe titular com o início do Brasileirão. Assim como toda a equipe, oscilou durante todo o campeonato, revezando entre a posição de titular com a de opção no banco de reservas.

Para 2020, Luxemburgo apostou numa mudança de posição para o jogador. Foi recuado para atuar mais centralizado, como um segundo volante tendo a liberdade para chegar na área adversária. E foi muito bem no início do ano atuando desta maneira. Entretanto, no momento em que se firmava na equipe, surgiu a pandemia.

Engrenagens fundamentais

Após um breve resumo das trajetórias desses quatros meio campistas pelo Palmeiras, chegamos ao ponto de discussão deste texto. Todos eles passaram por altos e baixos nas temporadas em que defenderam o clube. Mais momentos de baixa, aliás. No final da passagem do treinador Vanderlei Luxemburgo, eram tidos como descartáveis pela torcida, já sem paciência com as atuações que apresentavam, com a falta de confiança que demonstravam e com o não desenvolvimento da equipe. Esse fator precisa muito ser levado em consideração. Pensando o futebol como um jogo coletivo, com uma interdependência entre os elementos da equipe, fica claro que quando um sistema não evolui as peças que o compõe também não conseguirão render o esperado.

Foi então que o clube contratou o jovem português Abel, ex-Braga e Paok, para o comando técnico da equipe. Sem entrar no mérito de quais fatores levaram a diretoria a contratá-lo, algo já trazido nesta coluna anteriormente por Gustavo Dal’bó, fato é que a equipe renasceu neste um mês sob o comando de Ferreira, dando seguimento ao processo iniciado pelo interino Andrey “Cebola” Lopes. De uma temporada fadada ao fracasso nas três competições restantes, jogadores sem confiança, padrão de jogo e funções a serem cumpridas, o Palmeiras demonstrou força novamente, com uma equipe organizada, jogadores preparados a entrarem em campo e desempenharem o seu jogo, tudo isso em meio a um surto de Covid-19 e de lesões que dizimaram o elenco alviverde em muitos jogos. Mesmo assim, contando com ainda mais jovens da base a equipe chegou a dezembro viva nas três frentes que disputa, a dois jogos da final da Copa do Brasil e a três da final da Libertadores, grande obsessão palestrina.

E nesse processo todo de recuperação, quatro jogadores chamaram muito a atenção, justamente os quatro acima citados e tão cobrados pela torcida e por toda a mídia esportiva. Atuando mesmo em funções diferentes das habituais, mostraram grande desempenho em diversas partidas sob o comando de Abel.

Zé Rafael se estabeleceu como o segundo homem de meio campo palmeirense. Mostrando grande vigor para os desarmes, dando qualidade na saída de bola e mostrando força para chegar à frente, se consolidou como um dos novos líderes do elenco, como foi citado pelo treinador em coletiva.

Raphael Veiga assumiu um papel de protagonista da equipe. Atuando pela faixa central do campo, com liberdade para pisar na área e atuar como um segundo atacante, deslanchou a marcar gols e se destacar nos jogos. Em um mês, encostou nos até então artilheiros disparados do elenco no ano, os centroavantes Luiz Adriano e Willian. Foi muito elogiado por Abel, que o cobrou que o mais difícil vem justamente agora: manter o padrão de atuações e ser consistente.

Gustavo Scarpa serviu como um verdadeiro coringa para a nova comissão palmeirense. Com o número gigantesco de desfalques atuou como lateral esquerdo e como meia aberto pela esquerda, se apresentando como uma excelente opção ofensiva, numa dobradinha com Matías Viña, que em algumas situações já se posicionou como um terceiro homem da primeira linha defensiva para realizar a saída de bola, liberando Scarpa para se utilizar do corredor pelo lado da campo chegando na linha de fundo. Com grande qualidade técnica para bater na bola, realizando principalmente cruzamentos que causam perigo as defesas adversárias, além de arremates de média e longa distância. Foi citado até como uma opção para se entrar no radar do treinador Tite para a seleção Brasileira, numa das coletivas de Abel.

Já Lucas Lima também se apresentou de maneira importantíssima nesse período de recuperação. Mesmo não brilhando, deu excelente opção como armador ou como meia aberto pelo lado direito, tendo liberdade para flutuar em outros setores no momento ofensivo da equipe. Sua principal virtude, sem dúvida alguma, é sua capacidade de “pifar” seus companheiros, dando o último passe e criando situações favoráveis para a conclusão das jogadas. Resta continuar sendo bem aproveitado e que equipe continue lhe fornecendo padrões que o potencializem dentro de campo. Além disso, demonstra ser figura importante para os garotos do elenco, fundamentais para o futuro alviverde.

Dar oportunidade para os jovens das categorias de base, dando suporte e condições para que se desenvolvam foi um dos motivos que fizeram com que o Palmeiras procurasse por Abel Ferreira, conforme noticiado pela imprensa que cobre o clube. O outro grande pilar da contratação foi o de recuperar jogadores que já demonstraram potencial em algum momento de suas carreiras, mas que atualmente não estavam correspondendo dentro de campo. Caso dos quatro atletas citados neste texto.

Abel Ferreira, treinador palmeirense. Foto: Divulgação/Palmeiras.

Obviamente, devemos levar em consideração o fator novidade que a chegada de um comandante causa em um grupo de jogadores. Já vimos este exemplo centenas de vezes no futebol. Entretanto, tão comum como esse crescimento inicial é o retorno a média de atuações depois de um certo tempo. Analisando o calendário de jogos até o final da temporada, e a expectativa para que o clube continue avançando nos torneios mata-mata, o tempo para se treinar e inserir conceitos de jogo na equipe não será abundante. Com jogos a cada três dias e levando em consideração o tempo de recuperação pós-partidas e o nível de desgaste acumulado, Abel e sua comissão precisarão de um poder de convencimento e de um trabalho teórico que mantenham a equipe no trilho do desempenho aliado às conquistas das vitórias.

Resta agora acompanhar o final desta temporada tão diferente e desgastante, e torcer para que os quatro mantenham a consistência e ajudem a equipe a conquistar seus objetivos ao final de fevereiro.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leonardo Megeto Montelatto

Formado em Educação Física pela UNICAMP. Professor de futebol na Arena Belletti e na Associação Rocinhense.

Como citar

MONTELATTO, Leonardo Megeto. De peças desacreditadas a engrenagens fundamentais. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 32, 2020.
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