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Enquanto houver paixão…

Nesses dias em que o Brasil se veste com múltiplas cores, que não somente as usuais verde e amarela, é impossível versar sobre outro assunto que não seja a Copa do Mundo. Os turistas estrangeiros tomam as ruas e passamos a conviver por breves 30 dias com italianos espanhóis, equatorianos, colombianos, alemães, camaroneses, bósnios, argentinos, portugueses…. São 31 nações, para além do Brasil.

Como ficar imune ao “clima da Copa”?

Torcedores brasileiros e mexicanos na Fan Fest do Rio de Janeiro. Foto: Alexandre Macieira – RioTur.

Como um amante desse esporte, não consigo ficar sem assistir a, pelo menos, um jogo desse torneio por dia. Mas não é sobre minha experiência pessoal apenas que desejo falar aqui. OK, admito que também será sobre ela.

Nos dias imediatamente anteriores ao início da Copa, minha timeline do Facebook(espécie de mural de manchetes na banca de um jornaleiro) se viu tomada por uma rivalidade de argumentos políticos que em muito lembrava os clássicos futebolísticos regionais brasileiros. As defesas eram tão raivosas e aguerridas quanto os ataques. Poucas pessoas se atreviam a ficar nesse meio-campo, controlando o ímpeto dos atacantes e defensores, e buscando “pensar” esse jogo. Quem era a favor da Copa, defendia a mesma – curtindo ou comentando no próprio perfil ou no de amigos. Quem era contra, protestava. Tive acesso a relatos de algumas fraturas em amizades de longa data e amigos virtuais rompendo seus laços no ciberespaço. No linguajar boleiro, os cartões vermelhos e amarelos foram distribuídos sem piedade por cada um de nós (os juízes dessas “partidas” travadas via Facebook).

Não creio que haja um lado totalmente certo ou errado. Existem opiniões. Múltiplas, críveis e aceitáveis. Não quero aqui me estender sobre política ou acabarei perdendo mais amigos… Ensejo apenas relatar certo “estado de espírito” antes e depois do apito inicial de Brasil x Croácia.

Após esse momento limiar, os duelos opinativos entre meus amigos do Facebook arrefeceu um pouco e o que passei a ver foram críticas à cerimônia de abertura (de fato, decepcionante), elogios à forma física da Jennifer Lopez, exaltações femininas aos corpos dos jogadores, comentários (positivos e negativos) sobre a beleza técnica dos jogos….enfim, o assunto passou a ser a Copa (ou a Copa das Copas, como nos quer fazer acreditar o marketing político).

Não descarto que a Copa e seus fatos satélites (bastidores, torcida, transporte, protestos, segurança, repercussão na mídia internacional) tenham tomado minha timeline por uma “peneira” que há tempos venho efetuando entre aqueles que sigo. Extremismos à esquerda e à direita (sobre quaisquer assuntos) são sinais para que eu faça uso dessa excelente ferramenta que a rede social de Mark Zuckerberg nos proporciona: deixar de seguir FULANO (A). Acabo atuando como um bandeirinha, sempre preparado para sinalizar o impedimento e anular uma jogada (definitivamente).

Voltando à Copa, vejo nas ruas, nos jornais (on-line e impressos) e nas redes sociais um sentimento que leio como de apreço e entusiasmo pelo futebol. Amigos que aparentemente não se importam tanto com esse esporte passaram a compartilham dados, opiniões, análises pormenorizadas… Fiquei e continuo espantado. O número de fãs futebolísticos entre meu círculo de amizades é superior ao que pensava (mas não ao que o New York Times propõe – veja o vídeo).

No jornal O Globo, os colunistas usuais do Caderno de Esporte abrem espaço para Luís Fernando Veríssimo, Artur Xexéo, Flávia Oliveira. Há uma pequena invasão de outras editoriais ao espaço esportivo. Na Band, Datena desfalca o noticiário policial para narrar os jogos.

Isso me levou a refletir sobre a paixão que o futebol desperta. Em torcedores de clubes essa paixão é exercitada semanalmente, com uma breve parada em dezembro e janeiro. Existe, porém, uma massa muito maior de aficionados pela Copa do Mundo. E é esse contingente de pessoas que tem “despertado” nesse frio/quente chuvoso/ensolarado mês de junho. Os torcedores mais insuspeitos têm “dado as caras” para torcer não apenas pelo Brasil, mas também por outras seleções que julguem merecer seu voto de fé e expectativa. Em campo, os jogadores têm correspondido (pelo menos até o dia 16/06, quando escrevo este texto). A média de gols é elevada, os resultados surpreendentes (vide o 5×1 da Holanda sobre a Espanha e o 4×0 da Alemanha sobre Portugal) e não há lugar para empates. Talvez com certo exagero alguns já falam que esta é a melhor Copa de todos os tempos (vide link).

Torcida da Holanda em Porto Alegre. Foto: Pedro Revillion – CAM – Copa 2014 POA-RS.

O futebol é envolvente e capaz de prender a atenção de qualquer um durante os seus noventa minutos de duração. Esse fascínio, melhor descrito por Sepp Gumbrecht*, não é da ordem do racional (ou pouco diz respeito a ele). É emoção, amor, raiva, tensão, fé, suor, lágrimas. Você sabe o que está sentindo, mas não consegue muito bem colocar esse sentimento, essas sensações em palavras. É algo único e, infelizmente, quadrienal (mas talvez seja por esse longo intervalo que fiquemos tão ávidos por assistir aos jogos). Pode ser que um dia essa paixão termine ou diminua sensivelmente, mas, se tivesse de apostar, diria que esse dia ainda está muito, muito distante, a despeito das FIFAs da vida e de suas politicagens escusas.

Esqueci de mencionar os xingamentos à Dilma, mas o fiz intencionalmente. Esse é um episódio que realmente devemos esquecer…

*GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

**Pra quem lê/entende um pouquinho inglês, não deixe de ver essa animação/livro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fausto Amaro

Doutorando em Comunicação da Uerj e bolsista da Capes. Mestre e graduado em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, ambos pela Uerj. Atua no projeto de pesquisa "Meios de Comunicaçao, Idolatria, Identidade e Cultura Popular" sob orientação do Professor Ronaldo Helal. É um dos admistradores do blog "Comunicação, Esporte e Cultura".

Como citar

MONTANHA, Fausto Amaro Ribeiro Picoreli. Enquanto houver paixão…. Ludopédio, São Paulo, v. 60, n. 8, 2014.
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