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Entre a fotografia e o discurso – Onde está a revolução?

Max Filipe Nigro Rocha 15 de março de 2011

Há cerca de dois meses, a Sociedade Esportiva Palmeiras escolhia através do voto de seus conselheiros o seu novo presidente, Arnaldo Tirone. No dia 19 de janeiro de 2011, o clube alviverde escolhe seu novo representante em meio a uma crise institucional que teve início diante da desilusão causada pela campanha do Brasileirão 2009, no qual o time liderava a tabela com folga até poucas rodadas do final do campeonato e no final, de forma surpreendente, não se classifica para a Libertadores. Tal situação foi agravada pelas declarações do então presidente Luiz Gonzaga Belluzo que incitava uma reação violenta contra os são-paulinos, o que acaba por gerar seu afastamento da presidência.

Recheada de disputas intestinas e protestos das torcidas, a eleição foi motivo de controvérsia durante todo mês de janeiro quando figuras palestrinas conhecidíssimas disputavam, direta ou indiretamente, o posto ocupado por Belluzo, como é o caso de Salvador Hugo Palaia, Mustafá Contursi, Affonso Della Monica e Carlos Facchina. Embora, aparentemente, a eleição estivesse indefinida, Arnaldo Tirone acabou vencendo com 158 votos do total de 275 conselheiros, Paulo Nobre – candidato do ex-presidente Luiz Gonzaga Belluzo – conseguiu apenas 96 votos e Palaia amealhou os 21 votos restantes.

Diretas Já
Passeata no centro de São Paulo, em 16 de abril de 1984. Foto: Jorge Henrique Singh.

Oferecido o contexto, temos como objetivo discutir a cobertura jornalística e fotográfica do evento e suas possíveis contradições. Embora seja uma situação muito pontual e específica, acreditamos poder perceber algumas leituras enviesadas por parte da imprensa a respeito da participação dos agentes envolvidos na referida eleição. Para tanto, tomaremos como base o caderno de esportes do jornal Folha de S. Paulo do dia 20 de janeiro de 2011.

Sob o título “Cartão de Visita – Arnaldo Tirone ganha a eleição no Palmeiras, realizada sob protestos”[1], o caderno trás em sua capa uma fotografia de membros de torcidas organizadas palmeirenses em frente ao Parque Antártica empunhando cartazes de protesto nos quais podia ser lido reivindicações de “abaixo à ditadura” (clique aqui e veja a capa da página de esportes do jornal). Vestindo camisetas com os dizeres “Diretas Já” em letras verdes, os torcedores exigiam o direito de interferir na disputa política que estava em andamento, as eleições presidenciais do clube2. Realizada em plano fechado e com uma lente grande-angular – recurso que permite ao fotógrafo enquadrar uma área maior do que aquela normalmente captada pelas lentes convencionais, inserindo mais elementos na imagem – a fotografia nos sugere que havia um grande número de torcedores no ato descrito. Além disso, o uso desse tipo de equipamento tende a distorcer os planos da imagem, o que gera a ampliação do tamanho da figura dos torcedores e das bandeiras retratados em primeiro plano, destacando a importância desses personagens no contexto da notícia.

Os rostos pintados de verde, a expressão corporal das pessoas evidenciando o pronunciamento de palavras de ordem e reivindicações, bandeiras, faixas, camisetas, rostos pintados de verde reforçados pela manchete do caderno – “Cartão de Visita – Arnaldo Tirone ganha a eleição no Palmeiras, realizada sob protestos” – todos esses elementos do discurso imagético induzem o leitor a considerar que houve uma ação que se aproximava das manifestações de rua e passeatas por um lado, já por outro reforçava o estereótipo do comportamento violento das torcidas organizadas.

A edição da capa, ao associar fotografia e manchete, sugere uma interpretação interessante uma vez que grande parte das manifestações das torcidas se limita a simular enterros simbólicos de cartolas, exigir contratações, incitar a violência contra jogadores ou dirigentes ou ainda realizar protestos pontuais em momentos de crise do time3. Já no caso aqui analisado é possível notar uma ruptura entre direção e uma parcela da torcida, que redireciona o confronto para as fronteiras internas do clube ao exigir participação no processo político. Deixando de lado o aspecto mercadológico e o padrão de elaboração das manchetes dos cadernos esportivos, que sempre buscam resumir as situações noticiadas com frases categóricas e taxativas, a capa do caderno de esportes da Folha de S. Paulo opta por destacar a ação política desse grupo de torcedores.

A surpresa ocorre quando o leitor, motivado pela construção simbólica alimentada pela fotografia de capa e manchete, não encontra eco nas páginas internas. O convite feito na primeira página não encontra respaldo informativo e muito menos analítico no restante do caderno. Em cobertura de três páginas, as matérias destinadas a retratar o processo eleitoral no clube palestrino restringem-se às questões dos bastidores da eleição que vão desde ao número de votos recebidos por cada candidato, passando pelo melancólico discurso de despedida de Belluzo até chegar à inusitada agressão do repórter fotográfico Thiago Vieira devido a um comentário infeliz postado pelo mesmo em um site de relacionamento durante a realização da cobertura jornalística, ou seja, assuntos absolutamente desconectados da mensagem sugerida pela capa do caderno. A única referência ao contexto apresentado pela capa é a tímida passagem do texto a seguir:

Durante a chegada dos conselheiros, segundo informações da Polícia Militar, cerca de 200 integrantes da Mancha Verde protestaram na frente do CT. Eles entoavam gritos contra os três candidatos, diretoria e conselheiros. Pediam ter direito a votos à presidência e criticavam a desorganização do clube. Porém, antes mesmo de começar a votação, a maioria dos torcedores já tinha saído da porta do CT4.

Nesse contexto, a participação dos torcedores perde seu caráter “revolucionário” e questionador anunciado na primeira página e assume um caráter ilustrativo e pitoresco que serve de pano de fundo para a disputa nos bastidores. Como não há entrevistas ou referências às razões que impulsionam esses manifestantes torna-se impossível avaliar as motivações do protesto. A mobilização, enaltecida na capa, perde o seu caráter político e contestatório ao analisarmos o texto subseqüente. Embora não se cobre uma postura analítica do jornal, seria de extrema valia que o mesmo se mostrasse mais sensível às manifestações da torcida, dando-lhes espaço para participação do debate, quando o meio de comunicação se propõe a destacar as reivindicações da mesma.

Diretas Já
Vista parcial do comício do Vale do Anhangabaú, São Paulo, em 16 de abril de 1984. Foto: Jorge Henrique Singh.

Dessa forma constatamos uma incongruência entre a imagem e o discurso do jornal, o que acaba por empobrecer a compreensão do ocorrido pois nem os colunistas do caderno se preocuparam em avaliar o peso da manifestação da torcida durante a eleição no Palmeiras.

Poderíamos considerar a exigência da torcida organizada do Palmeiras por participação democrática como um momento de inflexão? Quais as motivações desses setores que conduziram esse protesto? Qual sua leitura de mundo?

A partir disso, qual seria o sentido das frases anunciadas e entoadas pelos manifestantes?

– Diretoria, presta atenção, palmeirense também tem opinião. Diretoria, pode esperar, a ditadura vai acabar. (sic)5

– Palmeiras é de todos povos, não mais uma colônia! (sic)6

Por fim, quando esses torcedores serão reconhecidos como agentes políticos legítimos pela crônica esportiva?

____________
[1] Na primeira versão desse artigo, afirmo que o título da reportagem analisada é “Revolução Verde” e devido a isso o título apresenta a pergunta “Onde está a revolução?”. Tal desencontro, acredito, se deve às diferentes versões/edições dos jornais. No caso da Folha de S. Paulo, há diversas tiragens, entre elas a nacional e a destinada à São Paulo, que, ao que tudo indica, são portadoras de discursos distintos em alguns momentos. Muito comum é a diferença da edição e disposição das imagens nas versões impressas e virtual. A escassez do tempo não permitiu tal confrontação das edições embora eu pretenda fazer isso em breve. Para acessar na íntegra a edição de esportes da Folha de S. Paulo do dia 20 de janeiro clique aqui.
[2] A reivindicação ao direito de votar nas eleições presidenciais já podia ser constatada desde o dia 12 de janeiro quando a torcida estende uma faixa durante o jogo amistoso contra o XV de Piracicaba. http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2011/01/em-faixa-torcida-pede-eleicoes-diretas-no-palmeiras.html acessado em 18/02/2011.
[3] http://esportes.r7.com/futebol/fotos/veja-protestos-de-torcida-no-comeco-da-temporada-20110129-4.html#fotos acessado em 18/02/2011.
[4] Área de acesso exclusivo para assinantes. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk2001201102.htm acessado em 18/02/2011.
[5] http://esportes.r7.com/futebol/times/palmeiras/area-publica/noticias/torcida-faz-protesto-em-eleicoes-no-palmeiras-20110119.html acessado em 18/02/2011.
[6] http://esportes.terra.com.br/futebol/estaduais/2011/fotos/0,,OI144771-EI17147,00-Torcida+protesta+e+pede+Diretas+Ja+no+Palmeiras.html acessado em 18/02/2011.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Max Filipe Nigro Rocha

É graduado e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realiza pesquisa de doutorado sobre futebol e política pela USP. Editor do site Ludopédio (www.ludopedio.com.br)e pesquisador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) que integra pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e Unifesp.

Como citar

ROCHA, Max Filipe Nigro. Entre a fotografia e o discurso – Onde está a revolução?. Ludopédio, São Paulo, v. 21, n. 5, 2011.
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