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Era uma vez… um clube grande (III): a encruzilhada botafoguense


E aí, você acha possível fazer o caminho inverso ao texto que abriu a série? Dá pra dizer que um clube grande pode se apequenar? Em alguma medida, esse foi o exercício de um dos autores deste texto ao escrever a tese “‘Era uma vez um grande’: o mito da decadente aristocracia americana”, na qual ele discute “os fatores que contribuíram para a inadmissão do América Futebol Clube, de Belo Horizonte, no restrito grupo dos grandes clubes do futebol brasileiro”.

Você pode até não acreditar, mas o título desta série não se inspirou naquele outro. Aliás, quem o sugeriu foi a outra autora deste texto. Como uma boa flamenguista, ela se encantou com a – de fato encantadora – tese “Um Flamengo grande, um Brasil maior: o Clube de Regatas do Flamengo e a construção do imaginário político nacionalista popular (1933-1955)”, de Renato Soares Coutinho, que discute a construção da grandeza do clube carioca e sua transformação em “o mais querido do Brasil”. Dessa leitura, é bom lembrar, escrevemos um texto/resenha para este mesmo portal, intitulado “Por que o Flamengo?”. E quando ela leu parte do segundo capítulo de “‘Era uma vez um grande’”, ainda sem título, para um dos encontros mensais do Fulia, ela ficou pensando se a história do Botafogo, rival de seu rubro-negro, não se aproximava da do “decadente” América, de Belo Horizonte, time do coração de seu parceiro de escrita. Daí nasceria, não apenas o título, mas a própria ideia desta série. E como já vamos para nossa segunda aparição, hoje falaremos um pouco justamente do time da estrela solitária.

Antes de mais nada, é bom deixar claro: não somos nós que estamos colocando em cheque a posição do Botafogo entre os grandes clubes brasileiros. Recentemente o PVC, renomado comentarista de futebol da SporTV, usou uma pesquisa da Ibope Repucom, e a fala do diretor da empresa, para sustentar a tese de que o Glorioso alvinegro carioca está diante de uma encruzilhada. Se ele voltar a ganhar, sua torcida “rejuvenesce” e ele se agiganta. Caso contrário, ele põe tudo a perder e se apequena, tornando-se, quem sabe, um América do Rio. 

A base argumentativa de PVC e de seus interlocutores era a seguinte: “dentre os 12 grandes” do Brasil, o Fogão é o clube com o com maior número de torcedores mistos. Aqueles que torcem pra mais de um time. De acordo com eles, a cada dez botafoguenses, quatro também torcem pra outro time. Aliás, é mais do que isso: de cada dez torcedores alvinegros, dois são Flamengo e um ou outro é Vasco.

Loucos pelo Botafogo. Fonte: Wikipédia

De fato, esses números não são nem um pouco alvissareiros para as pretensões botafoguenses. Quem tem mais simpatizantes que rivais, ou um grande número de simpatizantes entre aqueles que deveriam ser rivais, corre o risco de ver seu séquito minguar ao sabor dos resultados. Para o torcedor misto, se seu time não lhe satisfaz, ele vai logo correndo pro amante. Se ele ganha eventualmente, ele vira, quando muito, o queridinho do povo. Um clube simpático, bem quisto por todos, inofensivo, que não faz mal a ninguém. 

E como, nos últimos anos, a vida do Glorioso alvinegro vem sendo mais marcada por duras perdas, dentro e fora de campo, paulatinamente ele tem se tornado o segundo time de coração de muitos torcedores. Só pra relembrar, desde os anos 1970 ele viveu vinte longos anos sem grandes conquistas, perdeu sua sede social e seu estádio por conta de dívidas fiscais, foi rebaixado duas vezes para a segundona do Brasileiro nas duas últimas décadas (2002 e 2014) e se habituou a jogar a Série A pra não cair. Os títulos de expressão, bastante efêmeros, como o da Copa Conmebol de 1993 e o Brasileiro de 1995. 

Não por coincidência, o Botafogo chega a essa nova década do século XXI em uma posição meio indefinida, que, em alguns aspectos, muito se aproxima do caso athleticano que trabalhamos em nosso último texto. Muitos simpatizantes, crises político-administrativas recorrentes e, no último ranking de pontuação acumulada do Brasileirão construído pelo Uol, ocupou a 12ª posição; ou seja,  ele ficou no “limite” dos “12 grandes” (o Athletico, por exemplo, ficou no décimo lugar).

Mas será que esses argumentos fazem mesmo sentido? Será que essa leitura não seria  apenas um pretexto para que alguns defendam a inclusão de novos clubes, como o Athletico, no rol dos grandes? Ou não seria este um discurso sustentado por grupos políticos do Botafogo interessados em modificar seu modelo de gestão? Afinal de contas, o diretor da Ibope Repucom, botafoguense esperançoso na volta dos títulos, acredita que o “início da transformação” do clube passa pelo “nascimento” do “Botafogo S/A”. Será que o “velho” Botafogo não cabe mais no “futebol moderno”, dos clubes-empresas?

Se o Botafogo corre ou não o risco de se apequenar – se é que isso é possível – só o tempo dirá. De todo modo, acreditamos que ele está longe de ser um clube pequeno. De acordo com as últimas pesquisas Datafolha e Lance!, ele faz parte dos 20 clubes mais populares do país. No plano nacional, ele está ao lado de Bahia, Fluminense, Sport, Santa Cruz, Fortaleza, Vitória e Ceará, com cerca de 1% de torcedores no país. Enquanto, no Rio ele fica em quarto lugar com quase 13%.

Marcas que estão longe de serem inexpressivas e que, provavelmente, se explicam pelo seu passado glorioso. A ponto da Fifa reconhecê-lo, no início dos anos 2000, como um dos maiores daquele século. E não é pra menos.

 

Time do Botafogo, década 1930. Fonte: Wikimedia

Até hoje o Botafogo é o clube que mais cedeu jogadores para a Seleção. Depois de conquistar o tetracampeonato carioca nos anos 1932, 1933, 1934 e 1935, seu time serviu de base para as seleções brasileiras nas copas de 1930. Em 1934 foram nove e em 1938 cinco. Mas seria mesmo no fim década de 1950 que o clube revelou sua principal jóia: Mané Garrincha, que ao lado dos companheiros de clube, Nilton Santos, Didi e Zagallo ajudaram a Seleção Brasileira a conquistar sua primeira Copa do Mundo em 1958. Na Copa de 1962 o “gênio das pernas tortas” comandou a Seleção rumo ao bicampeonato mundial. Com ele, mais quatro jogadores do Botafogo: Nílton Santos, Didi, Zagallo e Amarildo. Também no início da década 1960, o Botafogo de Mané foi bicampeão carioca (1961 e 1962) e conquistou dois torneios Rio-São Paulo (1962 e 1964). Não seria, portanto, um exagero dizermos que o Botafogo será, eternamente, o time que revelou Garrincha e seu venerado “futebol-arte” para o mundo. 

Mesmo com o fim precoce de sua carreira, o Glorioso continuou revelando craques que conquistaram novamente um bicampeonato carioca em 1967 e 1968, além da Taça Brasil de 1968. Mais uma vez o clube da estrela solitária torna-se base da Seleção Brasileira, campeã do mundo em 1970 com os craques botafoguenses Jairzinho, o “Furacão da Copa”, Paulo Cézar Caju e Roberto Miranda.

Talvez seja esse passado que, ainda hoje, permita o Botafogo viver alguns momentos espetaculares, mesmo que efêmeros, como a campanha que lhe garantiu o quarto lugar no Brasileirão de 2013, as participações na Libertadores de 2014 e 2017 e a contratação de estrelas do quilate de Seedorf, Honda e Kalou. E que lhe possibilitaram administrador o moderno e grandioso estádio olímpico de Engenho de Dentro, que, carinhosamente, foi rebatizado com o nome de um dos maiores ídolos de sua história.

Trocando miúdos, o Botafogo é, sem dúvida, um dos mais tradicionais do futebol brasileiro. Sua história é vitoriosa, especialmente no século passado, e sua torcida ainda deve ser considerada como uma das maiores do país. Talvez, seu principal desafio para ver de vez afastada as especulações em relação à sua grandeza seja voltar a conquistar títulos; ao passo que o do Athletico, por outro lado nos parece ser a nacionalização de sua torcida. 

E aí? Em quem você apostaria? Nosso interlocutor do texto sobre o clube paranaense, Julio Gomes, depositou suas fichas no Athletico. E você o que pensa sobre o assunto?

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Letícia Marcolan

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas. Participa do FULIA/UFMG e do Memória FC.

Marcus Lage

Bacharel, Licenciado e Doutor em História. Mestre em Ciências Sociais. Pós Doutor em Estudos Literários. Professor do Instituto de Educação Continuada da Puc Minas. Torcedor-militante do América! Se aventurando pelo mundo da crônica!

Como citar

MARCOLAN, Letícia; LAGE, Marcus Vinícius Costa. Era uma vez… um clube grande (III): a encruzilhada botafoguense. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 50, 2020.
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