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Esporte é entretenimento. E Jornalismo? É esporte?

A saída do apresentador e editor-chefe do Globo Esporte São Paulo, Tiago Leifert, nesta última semana [06/07/15], traz uma reflexão sobre o estilo idealizado por ele e que diversos meios de comunicação aderiram. Fazer jornalismo esportivo é fazer entretenimento? Esporte, na sua concepção, seria mais – e apenas – divertimento e lazer? Jornalismo combina com humor? Confesso que penso diferente do que vi nesses últimos anos no telejornal da Rede Globo. Talvez esteja eu errado, já que a mudança de linguagem veio justamente no desgaste do formato anterior – mais sisudo, frio, sério, de bancada e que despencou a audiência.

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O jornalista Tiago Leifert. Foto: Celio Messias – VIPCOMM.

Não sou dessa nova geração, mesmo que tenha “apenas” 34 anos, sinto-me velho diante das novidades de linguagem do Jornalismo Esportivo. Sou da época de esperar o Fernando Sasso dar a sua lição de moral diária, com a saudosa “palavrinha final”, no Globo Esporte Minas. Um opinativo rápido, sem graça, mas contundente. Isso era o máximo. Hoje, vejo que algumas reportagens são exageradas no humor. Sinto falta de mais informação. O artigo “Padrão Globo de Jornalismo Esportivo”, de Mariana Corsetti Oselame, coloca algumas questões sobre a mesa que sempre levo para as salas de aula. Segundo a autora, os riscos de se assumir esse estilo são a banalização da notícia, o descaso com as técnicas jornalísticas, a exacerbação do humor, reinterpretação do conceito de criatividade, o empobrecimento do texto e a tendência a transformar o jornalista em notícia. Se analisarmos os vídeos selecionados pelo apresentador, Tiago Leifert, na página do Globo Esporte, como os favoritos nesses anos a frente do programa, concluímos que um ou dois, no máximo, trabalham a notícia, valorizam informação e as técnicas jornalísticas. Tudo isso apenas serve para aproximar o telespectador.

Não concordo, Leo Batista não era estrela, personagem principal das reportagens, mas,  mesmo assim, conquistou minha confiança. Passa credibilidade. Não quero saber se o Mauro Naves é galã, quero entender como foi a partida, o dia a dia do meu time. Programas “especiais” sobre música como o Globo Esporte de Ouro, são puro humor.  Além de piadas com Richarlysson, Barcos e Valdívia desrespeitosas, perdendo a ética em alguns momentos. Sempre ficava encucado com uma situação: como seria a cobertura, se em um programa que faz toda uma edição sobre mentira, como a do dia 1º de abril de 2011, ainda que de brincadeira e no dia seguinte tivesse que noticiar a prisão do presidente da CBF, na época Ricardo Teixeira? Teixeira não chegou de fato a ser preso, mas Marín sim. E aí? Como fica a credibilidade do seu telejornal?

Ao pedir um programa de radiojornalismo como trabalho aos alunos da disciplina de Jornalismo Esportivo, na Universidade Federal de São João del-Rei, me deparei com um grupo que apresentou um conteúdo puramente humorístico. Sem informação, só com graça. Eles não têm culpa. Estão apenas, como dizem hoje, “seguindo o fluxo”. Sempre fazemos isso: nos espelhamos nos modelos que mais acompanhamos. Por todas essas nuances, digo: não é fácil fazer, nem ensinar Jornalismo Esportivo. “Futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. Sim, o esporte no Brasil é modelador de identidade, elemento fundamental da nossa cultura. As derrotas marcam “síndromes”, seja do “vira-lata” ou do 7×1. As vitórias nos tornam o país do futebol, ao som do tema de Senna, nos colocam como melhores em algo perante as demais nações do mundo, motivo de orgulho a cada vinheta “BRA-SIL-SIL-SIL!”.

O “esporte visto como espetáculo” e entretenimento que – a meu ver – leva o jornalismo a entrar numa cilada que pode apagar suas virtudes, desmerecer os profissionais e levar uma editoria que historicamente brigou para sair do cantinho da redação a ser novamente alvo de preconceito. “Morreu o jornalismo!”, bradam alguns. Não, ele está vivo. E alimentado em reflexões como essa. Obrigado, Tiago, por nos apresentar algo novo e nos fazer repensar a nossa relação com essa área que envolve tantos jornalistas e tanta paixão de grande parte do país. Concorde comigo ou com Leifert e assim o Jornalismo Esportivo sairá fortalecido – Tiago Leifert se emociona em despedida do Globo Esporte São Paulo.

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Chico Brinati

Professor de Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Pós-doutor em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Como jornalista, atuou como produtor e editor na TV Integração, afiliada Rede Globo em Juiz de Fora-MG. Foi repórter de campo e plantonista da Rádio Panorama FM. Escreveu a coluna "Caneladas & Canetadas" no jornal "JF Hoje". Autor do livro "Maracanazo e Mineiratzen: Imprensa e Representação da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1950 e 2014".

Como citar

BRINATI, Chico. Esporte é entretenimento. E Jornalismo? É esporte?. Ludopédio, São Paulo, v. 73, n. 4, 2015.
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