105.5

Esporte e Política: Tudo a Ver

Marco Antunes de Lima 5 de março de 2018

No último dia 26 de fevereiro o jornalista e apresentador de televisão Tiago Leifert, das Organizações Globo postou em sua coluna no sítio da Revista GQ texto polêmico em que afirmava, já no título, que “Evento esportivo não é lugar de manifestação política

Um formador de opinião como Leifert, repórter experiente, ex-editor chefe do programa Globo Esporte, e apresentador de TV, se equivoca nas diversas afirmações que fez em sua coluna. Este autor que vos escreve acredita que é possível concordar muito pouco com o que fala Leifert, começando pelo fato de que, como dita Pierre Bourdieu, o esporte é um fato social total. Logo, o esporte, e consequentemente o Evento Esportivo, é um fato social que abrange as mais diversas esferas da sociedade, incluindo, e com grande ênfase a Política.

Jogador Sócrates, do Corinthians.
Jogador Sócrates, do Corinthians, com a camisa “Dia 15 vote”. Foto: Divulgação Filme Democracia em Preto e Branco.

Mas além de apontar as discordância que tenho com a coluna de Leifert pretendo, nessas poucas palavras que escrevo, tentar entender qual a razão do discurso e onde quer chegar o jornalista e apresentador. Obviamente, que após a publicação do texto diversos outras pessoas da área do jornalismo e do estudo do esporte já se pronunciaram sobre o tema; pessoas muito mais qualificadas que este simples historiador, com gabarito e experiências no mundo esportivo bem maiores. Não pretendo aqui chegar a verdade absoluta ou afirmar que o texto de Leifert é a mentira absoluta, mas sim analisar um pouco o discurso do jovem apresentador.

Leifert inicia seu texto com um ponto de vista que concordo. Ele afirma: “não gosto da obrigação de tocar o Hino Nacional antes de eventos esportivos… me incomoda também saber que (…) é uma lei estadual, uma interferência da Assembleia Legislativa no rito esportivo”. De fato, concordo com o autor que tocar o Hino brasileiro ou de qualquer outra nação no início de um evento esportivo seja algo necessário, unicamente, a meu ver, quando o evento não envolve disputas entre nações. Em casos como a Copa do Mundo, vejo, não com bons olhos, mas como parte do ritual do confronto este fato. Agora, me parece que para Tiago Leifert o que incomoda é o fato da execução do Hino ser algo imposto pela lei, pelo Estado.

Leifert inicia o segundo parágrafo de sua coluna com a seguinte frase: “quando política e esporte se misturam dá ruim”. Ora se espera, que quando alguém emite essa opinião é necessário que se detalhe mais, pois dizer que algo “dá ruim” é extremamente subjetivo, pois no caso é preciso detalhar quando política e esporte se misturam, correto? Para o jornalista não, pois segue escrevendo: “vou poupá-los dos detalhes, mas basta olhar nos últimos grande eventos para entender que essas duas substâncias não devem ser consumidas ao mesmo tempo”. Não compreendi. Me desculpe, caro leitor. Se algo seria ruim, para eu compreender porque seria ruim eu precisaria de mais detalhes para saber porque a tese é de algo seria ruim.

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Tiago Leifert. Foto: Universo Ufes (CC BY-NC 2.0).

Leifert segue seu texto utilizando o exemplo do jogador de futebol americano Colin Kaepernick, mas pretendo discutir seu ponto de vista mais pra frente nesse texto.

Leifert então questiona se um evento esportivo é um local apropriado para manifestações políticas. Para ele não. Para ele “olhando para todos os lados” não vê motivos para politizar o esporte. Acredito que quando Leifert diz “por todos os lados” queira dizer do lado político-partidário, do lado político-ideológico, do lado político financeiro, correto? Se for, discordo amplamente, pois o esporte é e deve ser sempre um espaço de expressão política, no momento ou não do jogo, dentro ou fora de campo, e sim, por todos os lados. Em minha concepção qualquer manifestação política é válida em um evento esportivo, exceto àquelas “do lado” que remetem à racismos e preconceitos, pois essas também são também políticas.

Leifert então critica os atletas que se posicionam politicamente, pois este atleta não deveria ter uma posição política-ideológica, pois ele “veste uma camisa que não é dele (…), que representa torcedores que caem por todo espectro político”. Sim, mas e daí? O atleta, seja ele de qual esporte for não é um ser humano que possui opinião? Se o jornalista pode ter opinião política porque um atleta não poderia? No meu ponto de vista uma visão um pouco autoritária e escravista de Leifert sobre os atletas. Segue aquela lógica infeliz e arcaica de há seres que servem para trabalhar e divertir e outros para pensar. Quem nunca ouviu de seu chefe que não estaria ali para pensar, mas sim para trabalhar? Tiago Leifert talvez não. Espero que também nunca tenha dito isto.

Agora retorno no caso Colin Kaepernick. Para aqueles não familiarizados com as notícias do Futebol Americano explico que  Kaepernick é um jogador, quarterback (o homem que coordena o ataque) que após alguns bons anos na Liga Norte Americana (NFL), em 2016, não se levantou, permanecendo ajoelhado durante a execução do hino norte americana em partidas da pré temporada da Liga. O jogador disse que não iria se levantar “para demonstrar orgulho sobre uma bandeira de um país que oprime pessoas negras e de cor”. Após um tempo, Kapernick encerrou o seu contrato com 49ers de São Francisco e se encontra sem clube até o momento. Leifert chama o jogador de “troublemaker”, ou seja, arranjador de problema, devido a sua posição política. Um pouco contraditório o jornalista brasileiro, haja vista, que no começo do seu texto se diz contra a execução do hino nacional em eventos esportivos, uma posição política. Talvez Tiago pense que ele, como jornalista, como representante da mídia possa ter uma posição política sobre o esporte e/ou o evento esportivo, mas o atleta, parte fundamental do evento, não. Um adendo, a mesma GQ, para qual escreve Leifert, escolheu, em sua versão americana, Colin Kaepernick como Cidadão do Ano de 2017, por suas manifestações e posições políticas.

Kaepernick
Kaepernick. Foto: Tom (CC BY-SA 2.0).

Leifert segue afirmando que “temos que respeitar os espaços destinados à diversão, senão nosso mundo vai ficar ainda mais maluco”. O jornalista esportivo trata, aparentemente, o esporte apenas como diversão, como entretenimento, como se não fosse um fato social que abrange as mais diferentes esferas da sociedade, como se não tivesse o seu valor econômico, político, cultural, social, etc. Quando o renomado também jornalista Juca Kfouri fala que o jornalismo esportivo passa por uma fase de Leifertização talvez esteja dizendo que o novo jornalismo esportivo é muito mais do que o jornalismo “engraçadinho”, que é “parça” de jogador e dirigente, mas é que está sendo tratado apenas como entretenimento, sem levar em conta seus outros aspectos. Triste, em minha opinião.

Fico pensando aqui para qual público Tiago Leifert está escrevendo e quem quer influenciar com a sua opinião. Ora, Tiago tem um programa sobre video-game na televisão, e apresenta um Reality Show, além de, por muitos anos, ter apresentado o Globo Esporte, com uma linguagem jovem e descontraída, goste ou não. Seu público, sem dúvida, são de jovens, tanto que usa os termos “dá ruim”, “pistola”, “hackear” e “lacrar” no seu texto. Penso que seu texto é feito para jovens até 25 anos de idade, mas a revista GQ é lida por homens um pouco mais velho, até 40 anos de idade. Mas Leifert é certeiro, pois sabe que escreve para adultos, mas aqueles com mentalidades de jovens, mas endinheirados. Sob meu ponto de vista é um problema, pois Leifert, de certa forma, como formador de opinião que é, propõe que um Evento esportivo deve ser um evento apolítico, mas vejo que nas entrelinhas está propondo mesmo que seja sim despolitizado. E há uma grande diferença entre um e outro. Leifert tem, como influenciador, a intenção de muito mais que apolitizar os seus leitores, mas sim despolitizá-los. E nada pior, em minha opinião, que uma massa despolitizada.

Felizmente, o jornalismo esportivo, que em alguns momentos sofre dessa “Leifertização” ainda possuem muitos profissionais que sabem que esporte é sim local para manifestação política, que atleta tem direito a opinião política, que esporte é entretenimento e é também negócio, mas é também, acima de tudo político. Profissionais que atuam na mesma emissora de Tiago Leifert, e também em outras, e que podem ser lidos neste Ludopédio.

O Evento esportivo, qualquer que seja ele, é um espaço de manifestação política, às vezes direto e claramente perceptível, ou indireto e pouco perceptível. A opinião jornalística sobre ele também.

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Marco Antunes de Lima

Graduado em História pela USP e editor do Ludopédio.

Como citar

LIMA, Marco Antunes de. Esporte e Política: Tudo a Ver. Ludopédio, São Paulo, v. 105, n. 5, 2018.
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