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Estádios cheios de incontáveis histórias: estamos prontos para voltar?

Anselmo Munir 23 de junho de 2020

Já não cabe nem no Mangueirão. Essa é a régua utilizada pela Revista Corner em seu perfil no Instagram para mensurar a dimensão, a quantidade do número de vítimas dessa pandemia de coronavírus no Brasil. São mais de 46 mil pessoas. Um estádio lotado. Um estádio lotado a menos no mundo. Incontáveis histórias.

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Escrevo no dia da primeira partida oficial de futebol no país, após a paralisação forçada pela Covid-19. Se já não bastasse a gradual volta precoce das atividades na cidade do Rio de Janeiro, o prefeito Crivella autorizou o retorno do Campeonato Carioca e ainda garantiu a presença do presidente Bolsonaro nas arquibancadas do Maracanã. O estado do Rio já passou das 8 mil mortes pela doença.

Em São Paulo os treinos devem voltar apenas no dia 1° de julho, mas as medidas de isolamento físico social já foram amolecidas. O estado atingiu o recorde de casos fatais em 24 horas no dia 17 de junho, com 389 óbitos.

Após a abertura de shoppings e do comércio de rua, cenas de aglomerações foram registradas e o faturamento do varejo paulista cresceu 33%, no dia 11 de junho – uma quinta-feira, véspera do Dia dos Namorados. Esse aumento é baseado dentro de um comparativo válido a partir do dia 20 de março, quando os primeiros passos da quarentena foram dados.

+ Carta Manifesto do Ludopédio: o futebol não pode voltar!

Em recente participação no programa ‘Bem, Amigos!’, Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, foi questionado por Casagrande sobre essa correria para o retorno do calendário: “Por que a pressa?”. Além da indagação, vieram os alertas: “Se der alguma coisa errada, o senhor foi o líder da coisa errada” e “Nem todo mundo é o Flamengo”.

Em que momento nós deixamos de gostar do que é simples? Essa pergunta é o título de uma crônica de Ruth Manus, ela escrevia para o Estadão, em 2017, quando publicou esse texto. De lá foi demitida após emitir opiniões contrárias a um candidato à presidência futuramente eleito.

Ela conta sobre o dia em que passearia com a enteada dela e, ao pedir sugestões de passeio, se espantou com a sugestão da garota: andar de ônibus. Sem rumo, sem um lugar específico. Simples assim. A ideia, a diversão, era apenas essa.

+ Carta ao presidente do meu time

Lá pra maio, no meio do Jornal Nacional, William Bonner iniciou uma fala sobre nossa capacidade de assimilar com normalidade a quantidade de infectados pela Covid-19: “Os números vão aumentando desse jeito cada vez mais rápido. E a gente vai se acostumando, porque são números” […] Eram vidas de pessoas, amadas por outras pessoas”. Incontáveis histórias.

A necessidade da volta ao trabalho, à rotina, pode ser pelos boletos vencidos, para colocar comida na mesa. Pode ser pela inquietude e agonia por tantos dias em casa, isso aos que tiveram o privilégio de enfrentar uma quarentena dessa maneira. Pode ser por qualquer motivo.

A volta da economia é necessária, sim. Assim como a preservação das vidas. Estar limitado a tantas coisas nos ajuda a valorizar pequenas alegrias da vida adulta – como canta Emicida em uma de suas poesias. Alegria que na realidade são a nossa  maior felicidade.

Quero muito andar despreocupado na rua. Não vejo a hora de jogar futebol de novo com os amigos. Mas precisamos evitar expor a nossa casa. As casas das outras pessoas. E infelizmente nem todo mundo tem essa escolha.

Se nós somos os culpados? Não diante da ausência de incentivo de quem está à frente do nosso governo. As coisas poderiam começar a voltar ao normal exatamente agora? Talvez. Mas o que foi feito para isso acontecer?

Já não cabe nem no Maracanã. Uma pena, mas possivelmente será essa a notícia dos próximos dias. O futebol retornará com os portões fechados como medida preventiva contra aglomerações. E enquanto houver irresponsabilidade de quem está à frente das tomadas de decisão, pessoas perderão a oportunidade de retornar a uma arquibancada quando tudo isso acabar.

Estádios cheios de incontáveis histórias.

 

Referências:

Estadão. Em que momento nós deixamos de gostar do que é simples? (Texto disponível também no livro abaixo)

MANUS, Ruth. Um dia ainda vamos rir de tudo isso. Rio de Janeiro: Sextante, 2018

Revista Fórum. Saída de Ruth Manus do Estadão

Gazeta do Povo. Casagrande e Rodolfo Landim no programa ‘Bem, Amigos!’

Hypeness. Bonner sobre a gravidade da pandemia

G1. Casos de Covid-19 em São Paulo

G1. Casos de Covid-19 no Rio de Janeiro

Extra. Crivella fala sobre retorno do Campeonato Carioca

Globo Esporte. Retorno do Futebol Carioca

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anselmo Munir

Jornalista e Produtor de Conteúdo no @papodebancada

Como citar

MUNIR, Anselmo. Estádios cheios de incontáveis histórias: estamos prontos para voltar?. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 55, 2020.
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