88.11

Estrangular a violência

Gabriel Moreira Monteiro Bocchi 26 de outubro de 2016

A mídia esportiva, ao falar em “violência de torcedores”, não se priva de repetir cenas impactantes, como o pé que é afundado nas costelas de um policial em serviço, nas cadeiras do Maracanã – imagem amplamente divulgada nas horas que sucederam a partida Flamengo vs. Corinthians, no último domingo. Repete-se essa cena, elevando-a a um fato, apesar de tratar-se de um fragmento que durou alguns segundos em meio a um confronto que se alongou por, no mínimo, uma dezena de minutos – ou, em uma leitura alargada do que representa “ser torcedor visitante” no futebol brasileiro, perdura anos.

Há, no repetir desta imagem, o claro intuito de justificar a ação policial após a partida: todos os torcedores do Corinthians presentes no setor visitante do Maracanã tiveram de permanecer sentados e sem camisa por cerca de duas horas e meia, para que policiais identificassem seus agressores. Este retrato de “violência aos torcedores” soa tão impactante quanto as cenas de “violência dos torcedores” de um time contra os de outro, ou de torcedores contra policiais.

Em termos de ignorar “direitos humanos”, rapidamente pode-se comparar a ação protagonizada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro com retratos de presidiários reprimidos após rebeliões: um bloco de homens inertes, cercados, acuados, cuja tonalidade da imagem é construída pelos múltiplos tons de peles desnudadas. O Maracanã, Arenizado e Multiuso, inaugurou, assim, neste domingo mais uma função: a de Centro de Detenção Provisória.

https://www.youtube.com/watch?v=nki_rp_askM

Já tarde na noite de domingo, em um canal de TV por assinatura, vibrou-se com a medida contra os “culpados de sempre”: “vândalos disfarçados de torcedores”; “bandidos que foram ao Rio de Janeiro apenas para brigar”. É comum, em conversas com torcedores (organizados ou não) que viajam para acompanhar seus times em jogos do Campeonato Brasileiro, ouvir menções à hostilidade com que são recepcionados em outros estados. Antes de se citar qualquer problema com “torcidas rivais”, o que se ouve são relatos de abusos por parte de policiais: tratar-se-ia de “violência para torcedores”? Amostra grátis do poderio do estado caso “os de sempre” resolvam agir “como sempre” ainda que o “de sempre” não tenha se consumado ou sequer sido esboçado enquanto ação?

Voltemos alguns segundos para trás o vídeo do confronto no Maracanã. Tomemos nota que a primeira atitude violenta no embate “torcedores vs. policiais”, na verdade revela um conflito “policiais vs. torcedores”: o spray de pimenta desferido por um oficial é o estopim da “confusão” – termo brando, utilizado para amenizar a força da “madeira de lei” dos enormes cacetetes policiais.

Na televisão, ainda no canal por assinatura, o Promotor Público diz que é necessário tomar medidas para “estrangular as torcidas organizadas”. No repertório de ações possíveis ao Estado, a fim de garantir o bem estar de seu cidadãos, será que as únicas medidas passíveis de serem praticadas nos estádios e seus arredores é combater violência com violência? Um sistema de segurança encantado pelo agir violento não se percebe como criador de um círculo vicioso pautado pela sanha de querer controlar (ou “estrangular) a violência com violência?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

BOCCHI, Gabriel Moreira Monteiro. Estrangular a violência. Ludopédio, São Paulo, v. 88, n. 11, 2016.
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