EuroGames: jogos esportivos europeus da diversidade sexual
Na semana passada aconteceu em Roma, Itália, os EuroGames, uma competição esportiva disputada por sujeitos LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros, intersexos e outros), que chega em sua 17ª edição neste ano de 2019. Organizados e promovidos pela Federação Europeia de Esportes para Gays e Lésbicas – EGLSF, os EuroGames realizaram cerca de quatorze esportes, dentre eles futebol, voleibol, atletismo e natação, sempre os carros-chefes destes tipos de torneios. Ao que parece, a lista de modalidades era maior, porém a organização italiana teve problemas técnicos com o sistema de inscrição e mesmo se viu face ao desinteresse por parte do público participante.
Em termos históricos, a ideia de organizar um evento multiesportivo que celebrasse identidades sexuais e de gênero veio ainda nos anos 1980, particularmente por inspiração dos Gay Games, que tinham sido realizados pela primeira vez em San Francisco, no ano de 1982. No entanto, a arregimentação entre os países europeus interessados, bem como a formação de um grupo organizacional capacitado, foram fatores que demandaram tempo e a primeira edição dos EuroGames aconteceu em The Hague, Holanda, no ano de 1992.
Tabela: Histórico de eventos – EuroGames
Daqueles tempos até hoje, os jogos europeus enfrentaram alguns percalços, como falta de recursos financeiros, oscilação de interesse por parte de atletas (o que reflete diretamente na arrecadação do evento e na rentabilidade geral), problemas de expertise organizacional (como ocorreu em Budapeste e em Estocolmo), entre outros, mas vêm acontecendo periodicamente. A ideia é desenvolver uma competição em dois níveis, dependendo das circunstâncias e do local (cidade/país): há os EuroGames de larga escala (realizados a cada quatro anos, sem limitação de número de inscritos) e os de pequena escala (realizados anualmente). Essa divisão menor foi pensada para possibilitar e habilitar pequenas associações a postularem candidaturas e mesmo organizarem eventos. Foram os casos, por exemplo, de Hannover, Copenhague, Utrecht, Antuérpia, Rotterdam, Estocolmo e, neste ano, Roma.
A competição funcionou (e ainda funciona) como um evento de visibilização de outras sexualidades no esporte e também como uma rede criada para dar suporte a clubes e associações esportivas. A Vorspielen (Associação Esportiva para Gays e Lésbicas de Berlim), a qual acompanhei de perto durante os anos em que vivi em Berlim, na Alemanha, nasceu neste contexto e é uma das associações europeias mais ativas, com um quadro de membros que ultrapassa 1500 pessoas atualmente.
A proposta dos EuroGames de construção de um ambiente seguro em relação a homo e transfobias, de suporte para potenciais coming out (saída do armário) de atletas e mesmo de criação de apoio mútuo para jovens e adolescentes no tocante à sexualidade, faz do torneio uma oportunidade única de combate ao preconceito e às discriminações explícitas ou veladas em pistas, piscinas, campos e quadras esportivas, mesmo no continente europeu onde se supõe tais discriminações não existirem. Não é de hoje que a Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) relaciona o tópico “esporte” em seu material anual de divulgação, resgatando as iniciativas de clubes, entidades e países no combate às formas de discriminação com base na orientação sexual. Lembro-me de assistir a uma palestra em Copenhague com uma representante da poderosa Deutscher Fussball Bund (Confederação Alemã de Futebol), em meados de 2009, a respeito da recém-lançada campanha continental “Fussball gegen Homophobie” (Futebol contra Homofobia).
Com o passar dos anos, os EuroGames ampliaram seu leque de ação, ajudando a desenvolver social e economicamente as cidades-sedes e suas regiões, seja por meio do fomento ao turismo local, dos eventos culturais relacionados ou mesmo dos incentivos para empreendimentos de nicho, diretamente vinculados à população em questão.
Não há como negar que os EuroGames são signatários do amplo movimento de luta pelos direitos de existência de pessoas LGBTI+ dentro dos espaços esportivos, lançado pelos pioneiros Gay Games, ainda no início dos anos 1980. No entanto, em que pese questionarem a matriz heteronormativa sob a qual o esporte (particularmente de competição) está assentado, são modelos de prática bastante distintos, que neste espaço não cabe detalhar. Para as pessoas envolvidas com ambos os formatos competitivos, todo desenvolvimento é sempre um ganho; para nós, brasileiras/os, resta entendermos que no esporte também há espaço para lutas políticas e que nele as sexualidades dissidentes devem estar presentes. Quem sabe se depois disso, e num processo de desenvolvimento local, atinjamos formas de participação esportiva em que as identidades sexuais e de gênero sejam pacificamente notadas e não se configurem como alvo de chacotas e preconceitos.