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Existe o 6º grande clube argentino?

Fabio Perina 20 de outubro de 2022
Argentina
Propaganda dos cigarros Imparciales que coloca o Huracán entre os grandes. Fonte: Wikipédia

Estudiantes, Huracán, Velez Sarsfield, Newell’s Old Boys e Rosário Central. São clubes importantes por seu número de torcedores e/ou de títulos que buscam ‘cavar’ seu lugar entre os grandes do futebol argentino. Uma evidência considerável para essa reclamação foi a tão singular conjuntura na virada 2000/2010 que descrevi em texto anterior, e a retomarei no final dessa crônica. Pela qual havia uma articulação de fatores de fora para dentro de campo: uma repartição das cotas de televisão igualitária permitiu menos títulos para os grandes e mais títulos para os pequenos e médios. Tanto é que nessa época para 5 dos 4 citados (exceto para o Central quando esteve vários anos no Ascenso) foram anos mais positivos do que outros anteriores ou posteriores. Vide Huracán acariciou a copa mas não a tocou e sobretudo Velez, Newell’s e Estudiantes disputaram pelo menos um título entre si e seus respectivos treinadores mostraram evolução com novos cargos em seleções: Ricardo Gareca no Peru, Gerardo Martino no Paraguai e México e o recém falecido Alejandro Sabella na Argentina com uma final mundialista. Ao já tratar em crônica anterior da dupla rosarina, com sua própria cosmovisão binária, ela reivindica um lugar entre os grandes por ter imensas torcidas. Porém de pouco potencial para irem além de sua cidade conquistando novos torcedores e por consequência novos títulos. Vejamos um pouco da história de cada um dos outros 3 clubes portenhos (da província de Buenos Aires) com seus critérios e credenciais para esquentar essa discussão ao contar estórias pouco conhecidas em que os destinos desses 3 se cruzaram…

Estádio Jorge Luis Hirschi
Estádio Jorge Luis Hirschi. Fonte: Wikipédia

O Estudiantes fica na cidade de La Plata, conhecida como a cidade das ruas diagonais, a menos de uma hora de Buenos Aires. Na qual divide a rivalidade com o Gimnasia y Esgrima. Tem seu próprio estádio, o pequeno e recém modernizado Luis Hirschi. O seu apelido de “pincharrata” leva um sentido ambíguo: tanto pelos estudantes de medicina espetarem ratazanas nos laboratórios como a lenda que torcedores e até jogadores do clube espetavam seus adversários durante as partidas com alfinetes! A sua melhor equipe que muito contribuiu para essa fama era treinada por Osvaldo Zubeldía e tinha como craque Juan Ramón “Bruja” Verón.

Em 67, a Argentina além da ruptura política fundamental de um golpe militar no ano anterior teve também uma ruptura futebolística na hegemonia de títulos e de estilos. Uma equipe que não se fixa facilmente em um rótulo de revolucionária ou pragmática sem se considerar um ao outro. Histórica por ser a primeira equipe no profissionalismo que rompeu a hegemonia de quase 40 anos de títulos apenas entre os 5 grandes. Quando o Estudiantes foi campeão nacional em cima do Racing (que desde então entrou em longo jejum cortado apenas em 2001) e daí despontou para ser o primeiro Tri da Libertadores. Dessa forma naquela virada de década 60/70 foi a equipe que melhor representou tanto na Argentina quanto no continente a nova vanguarda europeia de “futebol-força”. Uma equipe inovadora fora de campo com as concentrações e dentro de campo com a tática da linha de impedimento e jogadas ensaiadas em bola parada.

Se a taça Libertadores é tão invejada e venerada por todos, os “pinchas” tem como seu lema: “Não se chega à glória por um caminho de rosas”. Outro fato pouco conhecido que torna o Estudiantes esse clube tão indecifrável é que foi o único a quebrar a taça para repurifica-la! Uma “cabala” (superstição) ao vencê-la em 70 contra o Peñarol diante da memória da perda traumática da Copa Intercontinental contra o Milan no ano anterior em que a confusão foi tanta que alguns jogadores ficaram por meses presos! Uma equipe que tinha Carlos Bilardo como um volante mediano, porém ele próprio na prática um treinador informal dentro de campo. Muito observador dos detalhes da cancha e das lições do treinador Zubeldia para depois quando assumiu a função nos anos 80 o aperfeiçoou, chegando a duas finais mundialistas em 86 e 90 e vencendo a primeira.

O Estudiantes esteve por cerca de duas décadas em jejum de títulos até que voltou a ter uma meia década gloriosa ao vencer os Aperturas de 2006 e 2010, e principalmente a quarta Libertadores em 2009 virando a partida contra o Cruzeiro em pleno Mineirão. Foi um momento de renovação tanto pela volta ao clube de Juan Sebastián “Brujita” Verón após destacada carreira na Europa e na seleção argentina. Quem mesmo depois de se aposentar seguiu os passos de idolatria do pai e se tornou presidente do clube. Mais renovação ainda foi o trabalho do treinador Alejandro Sabella cortando o cordão umbilical do Bilardismo ao conseguir fazer os títulos voltarem, mas dessa vez sem depender exclusivamente do “futebol-força”. Inclusive, o recém falecido Sabella também guarda o mérito da linhagem “pincharrata” ter contribuído para o retorno das finais mundialistas em 2014. (Obs: vide ao menos uma anedota recente da equipe de 2009 para mostrar a inspiração da equipe dos anos 60: o jogador Cellay, tal como antes fez Aguirre Suárez, após se lesionar jogou mordendo uma rolha com a boca para disfarçar as expressões de dor e seu adversário em campo não perceber! Além da “cabala” amplamente difundida, inclusive em outras equipes, de gritar “kiricocho” diante de um pênalti a favor do adversário para que o batedor o perca!).

Em suma, em que pese estar em uma cidade bem menor que a Capital Federal e, portanto, um potencial de torcida e mídia de impacto nacional menor, o Estudiantes reivindica seu lugar entre os 6 grandes por possuir a grande marca de 4 Libertadores.

Estádio Tomás Adolfo Ducó.
Fachada externa do Estádio Tomás Adolfo Ducó. Fonte: Wikipédia

Por sua vez, entrando nos clubes bonaerenses (da cidade de Buenos Aires), o Huracán fica no bairro de Parque Patricios onde tem seu estádio Antonio Tomaz Ducó (ou “El Palacio”). Tem como apelidos “Globo” (pelo escudo tão singular em formato de balão) e “Quemero” (pela antiga função do bairro de depósito de lixo que era queimado). Por ser vizinho ao bairro de Boedo tem como rival o San Lorenzo. Por muito tempo carregou com prestígio um lugar inquestionável como o sexto grande por dois critérios contundentes. Primeiro, devido a ter 4 títulos no amadorismo nos anos 20, conforme ilustra a primeira imagem dessa crônica com uma publicidade bastante recordada. Segundo, principalmente o inesquecível título de 73, alçando depois o treinador Cesar Luis Menotti e alguns jogadores como Ardiles e Houseman para o título da Copa do Mundo de 78. Ora, se o rival San Lorenzo quase sempre foi identificado com o peronismo, como já tratado em crônica anterior, o Huracán em seu auge também. Principalmente pela figura pessoal de Menotti com posições comunistas, embora nunca afiliado. O que reforça a tese que a mistura de politização polarizada com clubismo não é automática no continente diante de tantos clubes massificados.

Como sempre no futebol os melhores conceitos são respaldados pelos melhores resultados. Essa contribuição para a seleção ser campeã gerou uma reputação duradoura de ser o clube que mais se aproximou do “futebol-arte” (ou “futebol criollo” como se fala por lá). Além do fato de Menotti ser peronista também por muito tempo se associou a preferência ideológica com a preferência futebolística. Naquele momento para os defensores desse estilo foi um alívio após meia década do Estudiantes com seu estilo de força ter sido o mais vencedor. Conforme o artigo a seguir, seria muito cômodo polarizar o menottismo na “esquerda” e o bilardismo na “direita”. Porém também há a réplica mais inusitada e refinada pela qual um estilo de “futebol-arte” pode exagerar no talento individualista enquanto o “futebol-força” dá abrigo ao coletivismo que pode também forjar equipes vencedoras mesmo na falta de talentos individuais. O que eu acrescento que essa é mais uma lição que no futebol não é tão simples fixar uma ideologia a um personagem e muito menos a um clube tradicional como superficialmente parece.

Voltando ao Huracán, seu prestígio também se deve a um terceiro critério contundente: por ter permanecido mais tempo ininterrupto na Primera do que os grandes San Lorenzo e Racing, quem foram rebaixados primeiro, no início dos anos 80. Porém dos anos 90 em diante no clube “quemero” as dificuldades esportivas se somaram com dívidas financeiras, vindo rebaixamentos e principalmente o jejum prolongado de títulos.

Até que em 2009 a equipe treinada por Angel Cappa encantou o país ao devolver a mística de um futebol bem jogado. A espera de 35 anos por sair da fila esteve próxima de seu alívio de acabar na última rodada contra o Velez, justamente o vice-líder. Tendo a vantagem de segurar um empate. Um “partidazo” com direito a pênalti perdido, confusão, expulsão, gol mal anulado e até foi interrompido por chuva de granizo. Mas o lance transcendental foi nos últimos minutos com uma possível falta de Larrivey do Velez no goleiro Monzón do Huracán, que depois Maxi Moralez aproveitou o gol vazio para decretar o título do Velez. Mais do que um definição agônica daquele campeonato, se esboçou uma espécie de tira-teima para a discussão dessa crônica como uma disputa direta entre o “novo grande” se impondo sobre o “velho grande”. Afinal, dentre os 5 clubes destacados nessa crônica a reivindicar seu lugar como o 6o grande, pois o Huracán é quem mais argumenta com seus vários títulos nas primeiras décadas e o Vélez é quem mais argumenta com seus vários títulos nas últimas décadas.
Em suma, ainda na fila por um título do torneio argentino, o Huracán ao menos de consolo voltou a erguer uma taça em 2014 com a Copa Argentina.

Falando por último do Vélez Sarsfield, que fica no bairro de Liniers, na zona oeste da capital, e joga no seu estádio José Amalfitani (ou “El Fortín”). Tendo como tradicional rival o Ferro Carril Oeste do bairro Caballito, embora também reivindique rivalidade secundária com clubes da zona centro-oeste como All Boys e Argentinos e até da zona centro-sul como o San Lorenzo. Tem como apelido “La V” pelo desenho no escudo e na camiseta em azul e branco. Durante muito tempo teve apenas um título argentino, o de 68 (justamente no auge do Estudiantes conforme já comentado), conquistado em um emocionante triangular de desempate contra River e Racing, e tendo como destaque o artilheiro e ídolo do clube Carlos Bianchi. Depois nos anos 90 foi quando finalmente o clube despontou, aproveitando as muitas oscilações do Boca, a fila do San Lorenzo em metade da década e principalmente do Racing nela inteira. E com isso, sendo junto do River os clubes mais vencedores da década. Um período que pode ser chamado de “era Bianchi” pela maior concentração de troféus em poucos anos quando armou uma equipe muito competitiva com peças discretas. Foram o Clausura de 93 e depois a Libertadores de 94 contra o São Paulo em pleno Morumbi e no mesmo ano a Copa Intercontinental contra o Milan. Mas também pode ser a “década de Chilavert”, pois além dos títulos anteriores o goleiro paraguaio também venceu o Apertura e o Clausura de 96 e por fim o Clausura de 98. Além de ter alcançado seu recorde pessoal provisório como goleiro artilheiro. Desde então com a virada do século os títulos ficaram menos frequentes: 2005, 2009 e 2013, porém algumas boas campanhas na Libertadores se destacaram e principalmente por não ter corrido riscos de rebaixamentos.

Já que nessa crônica se tratou do duro embate de estilos de jogo em Huracán x Estudiantes nos anos 60/70 representando “futebol-arte” x “futebol-força”, essa disputa teve sua versão mais recente nos anos 2000/2010 com Vélez x Estudiantes quando disputavam “libra por libra” os títulos. E agora em 2022 por coincidência retomaram ótimas campanhas na Libertadores (e melhores que os demais grandes).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Existe o 6º grande clube argentino?. Ludopédio, São Paulo, v. 160, n. 20, 2022.
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