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A FA Cup como um modelo para uma Copa Nacional

Marco Antunes de Lima 8 de maio de 2017

No próximo dia 27 de maio os rivais londrinos Chelsea Football Club e o Arsenal Football Club se enfrentam pela decisão da 136ª FA Cup, a Copa da Inglaterra. A competição, cujo o nome oficial é FA Chalenge Cup, é a mais antiga existente no mundo do futebol e um grande sucesso de marketing, público e audiência.

Para a edição de 2016/2017 participaram 736 clubes no total, sendo 644 na competição qualificatória e mais 124 que entraram na competição principal. Para entendermos essa questão das competições classificatória e principal é preciso ver como funciona o Sistema Nacional do futebol inglês e como a Associação de Futebol Inglesa (The FA) usa este sistema para dar elegibilidade às Copas existentes, principalmente a FA Cup.

O Troféu da FA Cup em Wembley.(Foto: Carlos Yo - CC BY-SA 4.0)
O Troféu da FA Cup em Wembley. Foto: Carlos Yo. (CC BY-SA).

O Sistema Nacional do Futebol Inglês, ou também conhecido como Pirâmide do Futebol, é um sistema, em forma de pirâmide que compõe todos os times existentes no futebol da Inglaterra e alguns do País de Gales. Atualmente são 22 níveis ou divisões, divididos em centenas de ligas e milhares de times. Entretanto a Associação Inglesa de Futebol apenas tem jurisdição e organização sobre as ligas que vão do 5° ao 11° nível – cerca de 84 ligas e mais de 1600 equipes.

Para a FA Cup a Associação Inglesa permite participar as equipes da Premier League (1º nível), da Football League (2° ao 4° nível) e do 5° ao 10° nível da National League. Ou seja, não são necessariamente todas as equipes que disputam todas essas ligas haja vista que a Associação de Futebol exige algumas condições para entrar na competição, como condições financeiras e estruturais adequadas do clube. Apesar de se possibilitar um grande número de participantes a FA Cup tem regras claras e exigentes para a sua participação. Entretanto o que consideramos interessante é que mais de 1600 clubes são elegíveis para entrar na competição, mostrando que a Associação de Futebol local privilegia a prática do jogo para todos os seus afiliados, função natural dela.

A Associação de Futebol Inglesa (The FA) além de proporcionar um campeonato para todos os seus afiliados também os premia de acordo com a fase em que conseguem chegar de maneira satisfatória. Para esta temporada as premiações vão desde 1500 Libras ao vencedor do Extra Preliminary Round a 1.800.000 Libras ao vencedor.

A FA Cup tem um calendário que dura toda a temporada. As fases preliminares iniciam-se em Agosto e, em 6 rodadas duram até outubro e as fases principais, divididas em 8 rodadas vão de Novembro ao final de maio. Conforme o regulamento, das fases qualificatórias, que possuem times do 5° ao 10° nível, saem 32 clubes que se juntam aos 48 clubes da 3ª e 4ª divisão inglesas e disputam a 1ª fase da competição principal. As equipes da segunda divisão e da primeira divisão (Premier League) só entram na competição a partir da 3ª fase, ou seja, em uma fase que podemos chamar de 32 avos de final. Todo esse regulamento sobre em que fase cada equipe entra na competição nos mostra que mesmo que seja possível que diversos clubes pequenos participem da mais importante taça nacional os privilégios para as melhores equipes nas Ligas da Inglaterra ainda permanecem, pois entram em fases adiantadas, além de já possuírem elencos mais competitivos.

Uma das características mais marcantes da FA Cup é o fato de que em cada rodada é apenas disputada uma partida entre dois adversários. Na Copa da Inglaterra não existe o jogo da ida e o jogo da volta, apenas “o jogo da ida”, definido o mandante em sorteio prévio. Por exemplo, o Manchester United, tradicional equipe inglesa pode enfrentar uma equipe da 4ª ou 5ª divisão em um jogo único fora de casa e até mesmo perder, sem a possibilidade do jogo de volta. Entretanto o contrário pode acontecer também: o sorteio pode definir o Manchester United como mandante contra um time da 4ª divisão, diminuindo em muito as chances de acontecer um resultado que chamaríamos de zebra.

Com apenas uma partida estipulada para definir quem prossegue na competição o que fazer em caso de empate? No caso da FA Cup se define que haverá outra partida, agora na casa do não mandante da primeira partida. O denominado “Replay” é a solução que existe desde as primeiras edições da Copa para descobrir quem deve se classificar à próxima fase. Se o “Replay” terminar empatado, aí a classificação é definida após 30 minutos de prorrogação e se houver empate, as decisões por penalidades. Atualmente só não há o “Replay” nas Semifinais e na Final, pois as partidas são jogadas em Estádios determinados pela Associação Inglesa de Futebol. Nesta temporada as partidas foram e serão jogadas no novo Wembley Stadium. Vale lembrar que até 1993 existiam os Replays nas partidas finais da FA Cup caso terminassem empatadas. Curiosamente a regra foi mudada no mesmo período da criação da Premier League, primeiras divisão do futebol inglês onde os clubes gerem a própria liga.

A FA Cup é sem dúvida um modelo bem sucedido e respeitado de Copa Nacional. O mais antigo torneio entre clubes do mundo sobreviveu às mudanças da história sempre com muito sucesso de público. Suas finais, passando pelo Kennington Oval no século XIX, pelo Crystal Palace no início do século XX, pelo Wembley Stadium original a partir de 1923, e agora no novo Wembley, entre outros estádios, sempre receberam públicos consideráveis vindo de todas as partes da Ilha Britânica. Público de mais de 30.000 pessoas em 1892, mais de 100.000 pessoas em 1901 e o público recorde de 1923 – oficialmente 126 mil pessoas, mas com quase 200 mil pessoas no estádio fazem da final desse torneio um fato que atrai toda a atenção dos ingleses, e agora, no século XXI, na era da globalização e da informação, de todo o mundo.

Um policial montado tenta conter o público recorde na Final da FA Cup em 1923(foto: Domínio Público)
Um policial montado tenta conter o público recorde na Final da FA Cup em 1923. Foto: Domínio Público.

A FA Cup pode ser comparada à tradicional democracia burguesa existente no mundo, principalmente desde meados do século XIX. Uma democracia onde todos os afiliados tem a possibilidade de participar do torneio, desde que sigam as leis pré-estabelecidas, mas onde alguns entram com algumas vantagens(entrando posteriormente em uma etapa mais avançada), e que dificilmente o título não ficará com as grandes forças técnicas e econômicas. Na história da FA Cup, desde a criação de um campeonato de clubes em 1888 apenas em 8 oportunidades o campeão não foi um clube da primeira divisão. Ou seja, apesar de extremamente competitiva e dar chances aos menores e mais fracos a chance de se ficar no topo é sempre maior daqueles mais fortes. Na FA Cup assim como no sistema democrático burguês político e econômico é necessário o fator sorte. Daí a questão do sorteio definir o mandante do único jogo de cada fase. Assim como na economia e na política, no futebol não é diferente: um clube jogar no lugar certo (em casa) pode facilitar a vitória.

Mas só pode haver um campeão e sabemos que a chance dele ser um time grande, da primeira divisão, é muito grande, correto? Sem dúvida. A Associação Inglesa também sabe disso. Por isso além da FA Cup ela promove outras competições em estilo copa, com as mesmas regras da FA Cup, para que seus afiliados tenham uma chance de conquistar um título e sempre com a final no principal palco do futebol inglês: o Wembley Stadium. A FA Trophy é jogada por clubes do 5° ao 8° nível do Sistema do Futebol Inglês, a FA Vase é disputada por clubes do 9° ao 11° nível do Sistema, além da FA Cup feminina. Os clubes da primeira à quarta divisão do futebol inglês também organizam uma Copa própria: a English Football League Cup (nesta temporada o Manchester United já se sagrou campeão). Ou seja, no futebol inglês, não faltam oportunidades para os clubes, da primeira à 11ª divisão, disputarem campeonatos e as equipes tem jogos o ano inteiro.

Copas Nacionais em outras potências do futebol

Dentre as grandes forças do futebol mundial constatamos que na maioria delas a Copa Nacional principal não segue o modelo com tantas equipes participantes como a FA Cup. O único país em que há um número de equipes participantes maior do que na Inglaterra é na França, com a Coupe de France, com milhares de equipes que participam do campeonato, nos mesmos moldes da FA Cup. França, aliás, berço maior da noção de República e democracia moderna. Nos outros grandes países europeus (no mundo do futebol) como Alemanha, Espanha, Itália, Holanda e Portugal o número não chega a ser tão grande, não chegando a nem 160 equipes na maior das competições.

Na Argentina, em 2011, se retornou depois de décadas a Copa Argentina, organizado pela AFA (Argentine Football Association), que propôs uma Copa Nacional com equipes de todas as divisões do futebol argentino, chegando a 270 participantes na edição 2014/2015, entretanto desde a edição 2015/2016 o número de participantes caiu para 75, descaracterizando uma Copa de abrangência nacional, em provável razão da crise econômica e política que passa o futebol argentino.

Uma proposta para a Copa do Brasil

Neste ano de 2017 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) efetuou algumas mudanças no regulamento da Copa do Brasil, essencialmente nas primeira e segunda fase do torneio. Na primeira fase com um sorteio direcionado para que o mandante da partida seja a equipe mais abaixo no Ranking da CBF em caso de empate a equipe visitante seria a classificada. Já na segunda fase, conforme o regulamento, o chaveamento já fora definido na outra fase, ou seja, não houve sorteio dos duelos, e, em caso de empate, as decisão seria pela cobrança de penalidades. Em minha opinião, a CBF se exaltou ao tentar mudar o sistema, aplicando o famoso “jogo único”, porém com critérios para quem passaria de fase totalmente absurdos. Dar ao visitante a vantagem do empate é realmente justo? Por que não em caso de empate, que se faça uma nova partida nos domínios do time de fora do primeiro jogo? Por que não decidir nas cobranças de penalidades apenas se houve empate após dois jogos? Achamos que a CBF quis mostrar que se inspira em campeonatos do exterior mas que não pode deixar de confundir um pouco as regras.

Taça da Copa do Brasil(foto: Lucas Figueiredo - CBF)
Taça da Copa do Brasil. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Por isso aqui venho propor um novo sistema para a Copa do Brasil. Acho até que seria necessário que se fosse criado uma Pirâmide para o futebol brasileiro, aos moldes de outras nações, para melhor organizar os clubes em divisões nacionais e regionais, entretanto a existência de uma Copa do Brasil mais abrangente já seria um grande passo e vantagem para os clubes e para o futebol brasileiro.

Conforme os últimos balancetes apresentados pela CBF, a Confederação que cuida do futebol brasileiro apresentou superávit de R$ 44 milhões em 2016 e de R$ 72 milhões em 2015. Valores muito bons para uma empresa que cuida de campeonatos e de uma seleção nacional de futebol. Por isso proponho que a CBF monte uma Copa do Brasil verdadeiramente brasileira, que possa abranger todos os clubes filiados à Confederação e às Federações regionais e que todos possam participar se assim escolherem e puderam comprovar que pagam suas contas e tem condições estruturais mínimas para uma partida.

Acredito, que, assim como na FA Cup poderia haver algumas fases qualificatórias e a competição propriamente dita. Proponho que os 60 clubes da primeira, segunda e terceira divisão se juntem a outros 68 clubes vindos da fase qualificatória (que chegariam até ali a partir de confrontos regionais e depois nacionais) e que a partir de então fossem diminuindo até chegar a grande final com 2 clubes. Atualmente vejo que a Copa do Brasil reflete uma democracia oligárquica brasileira onde apenas alguns privilegiados, maiores podem participar e que os ainda maiores entram em fases mais adiantadas do que os outros.

O modelo dos confrontos seria o mesmo da FA Cup: uma partida no campo do sorteado como equipe 1. Em caso de empate, que se jogue o “Replay”, e aí sim, com novo empate a decisão por penalidades. E sem a história do gol fora de casa, que acho privilegia de forma injusta um adversário que fez o mesmo número de gols em duas partidas que o outro adversário. Quanto a final, deixo a dúvida se ela poderia ser jogada em um campo neutro decidido anteriormente ou em duas partidas, haja vista que no Brasil realmente não temos nenhum estádio como Wembley que realmente represente-se como um real campo neutro.

A CBF, além de lucrar com o torneio, poderia usar parte de seu lucro anual para bancar a premiação nas primeiras fases da competição, que, sem dúvida, terão menor audiência e assistência do público. Entretanto essa é a função da federação de futebol de qualquer país: prover que a prática do jogo exista para com todos os seus clubes filiados. Ou não?

Além de uma Copa do Brasil realmente abrangente a CBF poderia promover Copas para os clubes de divisão menores. Já faz isso de certa forma com as Copa do Nordeste e Copa Verde, entretanto acho que essas poderiam ter mais clubes das regiões. Ora, uma das mais importantes reclamações dos clubes de menor expressão nacionais e também dos movimento de jogadores Bom Senso é que os clubes não tem calendário e um número de jogos insuficientes para se manterem durante o ano. Copas regionais e uma Copa do Brasil mais abrangente poderia aliviar essa situação para os clubes. Para os clubes grandes, que já tem um calendário cheio não seria muita diferença, pois atualmente um clube da primeira divisão que está na Copa do Brasil desde a fase inicial fará 14 jogos até a final, já no modelo proposto faria no mínimo 7 jogos e no máximo 14 se jogasse replays em todas as fases. Ou seja, seria no máximo o mesmo número do que atualmente.

Acredito que seja possível sim criar uma Copa do Brasil interessante e que todo clube brasileiro, filiado à Confederação nacional possa participar e se sentir realmente participante de um sistema de futebol nacional brasileiro. Está aí a FA Cup na sua 136° edição para mostrar que é possível.

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Marco Antunes de Lima

Graduado em História pela USP e editor do Ludopédio.

Como citar

LIMA, Marco Antunes de. A FA Cup como um modelo para uma Copa Nacional. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 10, 2017.
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