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Você sabe para que serve o Fair Play Financeiro? O que o caso do Manchester City nos ensina e um vislumbre da situação brasileira

Equipe Ludopédio 21 de agosto de 2020

Vamos começar com o termo “Fair Play”. Você sabe o que é e para que serve? Significa “jogo limpo”. É um conceito (acompanhado de uma série de ações) desenvolvido e levantando como uma bandeira pela Fifa, entidade responsável pela organização do futebol no mundo todo. Tenho certeza de que você já viu a bandeira azul e amarela com essa inscrição (ou alguma frase de efeito do momento) em algum duelo internacional. 

O ato de “entrar em campo” junto dos times e da arbitragem, geralmente carregado por crianças, não parece à toa. Talvez para chamar a atenção de todos e tocar a consciência de cada um. Para aquele duelo, em especial, justamente para incentivar o respeito dos jogadores um pelo outro dentro de campo. Seja evitando entradas violentas ou desleais (afinal, tratam-se de colegas de profissão), como atuando coletivamente pelo esporte, com gestos nobres, de exemplo para quem assiste. E, claro, numa atualização necessária das últimas décadas, sem qualquer gesto discriminatório de racismo, homofobia ou mesmo xenofobia. E, de forma geral, que nem todos captam de imediato, como símbolo do que a Fifa quer passar de mensagem: nós jogamos limpo e convidamos todos a fazerem o mesmo.

(Se isso acontecesse, de fato, é outra história)

Agora ficou fácil entender a expressão “Fair Play Financeiro”, não? Trata-se de atuar da mesma maneira que no campo esportivo (ou simbólico), mais especificamente na questão financeira. Em outras palavras, que os clubes cuidem das próprias contas de forma idônea, sem jogar sujo, querendo valer-se de qualquer irregularidade contábil para suplantar os rivais, primeiro, do lado de fora, por meio de transações (de jogadores, principalmente) e, em seguida, no gramado, tendo ao seu dispor plantel de melhor qualidade técnica.

Em 2020, o Fair Play Financeiro virou manchete no planeta inteiro porque um dos times da moda não teria praticado seus princípios básicos. Ou melhor: não teria atendido às suas regras (o que já é uma realidade na Europa), com aportes ilegais e camuflando receitas. A UEFA puniu o Manchester City como nunca tinha acontecido na história. Baniu o clube inglês de suas competições (as europeias, portanto: Liga Europa e Champions League) por duas temporadas. 

Foto: Pikrepo

Considerado um dos maiores treinadores da atualidade, Pep Guardiola recebeu as garantias dos dirigentes que a situação se resolveria e não havia nada de errado. O catalão confiou e viu, meses depois, a Corte Arbitral do Esporte (CAS) reverter a punição. Eliminado no último sábado (15 de agosto) na fase de quartas-de-final da Champions League 2019/2020, diante do francês Lyon, os Citizens terão nova oportunidade de conquistar a “orelhuda”, como é chamado o troféu do torneio, na próxima edição. A equipe está liberada para competir e já garantiu vaga (com o vice campeonato na Premier League, o Campeonato Inglês). Ainda terá de arcar com uma multa de 10 milhões de euros, um terço do valor previsto inicialmente. A sanção por não ter (supostamente) ajudado nas investigações – e não por irregularidades.

A solução do caso desperta dúvidas. Não poderia ser diferente. Afinal, a ideia não seria punir severamente quem sair da linha? Em entrevista ao time da Betway, site de apostas esportivas online, os especialistas entendem que não. “O Fair Play Financeiro não foi criado para punir ninguém, nem criar sanções. Ele visa apenas o desenvolvimento sustentável, sem lavagem de dinheiro”, esclarece Pedro Daniel, diretor-executivo da Ernst & Young. “Os donos têm permissão para fazer aportes de até 30% da receita do clube. Se não passar disso, não há por que punir”.

Aqui no Brasil, infelizmente, o Fair Play Financeiro sequer foi implementado. Existem apenas orientações e recomendações. O que, cá entre nós, é o mesmo que nada. Otimista, Maurício Corrêa, presidente da Comissão de Direito Esportivo do Instituto de Advogados Brasileiros, acredita que pode sair uma regulamentação ainda neste ano.

Diferentemente do que se discute nas mesas redondas, quando isso acontecer (e se acontecer, assim esperamos), não necessariamente (ou ainda de imediato) veremos um maior equilíbrio esportivo. Não. A finalidade do Fair Play Financeiro não é esta. E sim, exigir que os clubes cumpram com a obrigação mínima de gastar apenas o que tem em caixa. Sem criar dívidas que, no fim da corda, estourem em quem mais precisa: funcionários de todo tipo (não os jogadores milionários, gente que depende de seus empregos), comissão técnica e jogadores (que, em sua maioria, não são milionários!).

“A partir do momento que você tem uma gestão eficaz, com a visão de que as despesas não podem superar as receitas, cresce a possibilidade de atrair os investidores”, acrescenta Maurício Corrêa. E aí, bem, quem tiver mais, pode gastar mais. Quem tiver menos, gasta menos. E todos terão de se valer, sobretudo, de criatividade. Só assim para usar o caixa da melhor maneira possível. Se todos jogarem limpo, todos ganham. A longo prazo, quem sabe, mais equilíbrio, mais estabilidade nos elencos e, logo, melhores times, melhores jogos. Não será apenas por causa do Fair Play Financeiro, que fique claro, mas é uma das medidas que dará as bases para um futebol brasileiro melhor.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

LUDOPéDIO, Equipe. Você sabe para que serve o Fair Play Financeiro? O que o caso do Manchester City nos ensina e um vislumbre da situação brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 48, 2020.
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