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Fernando Diniz e a máquina de moer gente

Gabriel Said 18 de janeiro de 2021
Fernando Diniz e Igor Julião, após jogo do Fluminense pela Copa Sul-americana 2019. Foto: Reprodução Twitter

Dou início aqui a uma série de três textos dedicados a pensar o Fernando Diniz, atualmente treinador do São Paulo Futebol Clube. Pretendo partir de um ponto distante e ir me aproximando da pessoa a cada texto, por isso este primeiro apesar de tê-lo como foco de atenção, não será necessariamente sobre ele, mas da imprensa. Na segunda parte vou me aproximar do treinador mas ainda dialogando com o que é externo para tentar entender um pouco como ele pensa o futebol. Por fim, a última parte será uma espécie de antropologia do indivíduo, indo mais fundo o que posso sem conhecê-lo pessoalmente para entender quais valores movem o treinador. Apesar dos textos serem publicados nesta ordem, a ideia é que no final seja possível ler também na ordem reversa.


Fernando Diniz é um treinador à parte no futebol brasileiro. Não porque normalmente seus times tenham mais posse de bola, porque grita muito na beira do campo ou qualquer outra característica que o possa definir quase como exótico, o quê mais me chama atenção nele é sua visão e compreensão da vida. Mas se tratando da imprensa, a sensação que tenho ao acompanhar o comportamento dela ao redor de Diniz é que não existe um ponto de equilíbrio sobre o treinador, configurando uma situação quase como aquela máxima famosa dos tempos de ditadura; “ame-o ou deixe-o”.

“Não dá mais para o Diniz. Vejo arrogância no trabalho, incapacidade de entender a realidade e incapacidade de fazer os ajustes que não raro levam aos péssimos resultados. E o pior de tudo: a postura que em alguns momentos leva a gritos estranhos e em outros à cabeça baixa e à reza”, escreveu o jornalista Joza Novalis em seu Twitter no dia 23 de setembro de 2020, após derrota do São Paulo para a Liga Deportiva em Quito na fase de grupos da Libertadores.

Diniz nunca está fazendo um trabalho de avaliação razoável, sempre é colocado entre o espetacular e o horrível, o céu e o inferno. Costumo pensar que parte das críticas ao treinador são oriundas expectativas criadas em cima dele de ser o “novo Guardiola”, seja lá o que isso queira dizer, uma vez que ambos treinadores têm origens e ideias bem diferentes.

Pouco tempo atrás o treinador estava com a corda no pescoço, era entendido como incapaz de aplicar suas ideias. Em entrevista após a derrota por 4×2 para a Liga Deportiva, quando perguntado se os jovens que entraram no intervalo tinham jogado bem, Diniz disse que sim e argumentou que a vitória parcial do segundo tempo da partida ajudava a mostrar isso. A reação que vi à resposta era que ele estava “maluco”, “passando pano pra derrota”, que para ele bastasse ganhar um tempo ao invés da partida inteira ou que estava arrogante e incapaz.

Após a goleada contra o Flamengo por 4×1 no Brasileirão, falava-se em atuação de gala, mas ele falou na coletiva pós-jogo que não foi nem uma das melhores exibições do time no campeonato, que teve muito desequilíbrio de ambos os times, mas enquanto o São Paulo fez 4 gols o Flamengo perdeu 2 pênaltis e meteu uma bola no travessão. Ainda na semana deste jogo, após sua elogiada participação ao programa Bem Amigos! do SporTV, quando falou da importância de olhar além do placar final, o site do GE estampou “Outro vexame!” após a eliminação na Sul-americana.

Há naturalmente um conflito de interesses entre os diversos profissionais de diversos ramos envolvidos com o futebol, mas deve existir uma forma de se relacionarem melhor, sem mudar rótulos dos treinadores de gênios para idiotas em questões de dias, como o Domenéc Torrent, massacrado como o responsável por tudo de ruim na Gávea nos meses que lá esteve. Os ventos também mudam rápido para os jogadores. Como Diniz já falou várias vezes, no futebol se você vai bem é visto como uma boa pessoa e merece respeito, se vai mal não é digna de ser uma pessoa respeitada.

Ouvi recentemente a história de um garoto que herdou a paixão por futebol do pai e foi matriculado numa escolinha de futebol. O pai não pôde acompanhar o filho no primeiro dia, então perguntou durante o jantar como havia sido. O menino contou que o treinador mandou duas crianças se revezarem como goleiros enquanto as outras chutavam alternadamente dez vezes para o gol. Quem marcasse dez gols não iria correr nenhuma volta no campo depois. Quem marcasse nove, daria uma volta. Se marcasse oito daria duas e assim em diante. O pai ficou horrorizado, estava sendo ensinado que quem chutava bem era um jogador melhor, então não precisava correr. Enquanto os outros eram “penalizados” com corrida. Os processos e conceitos se internalizam de forma errada. Não distante está quem avalia somente os placares para pensar o treinador.

Fernando Diniz, treinador do São Paulo. Foto: Evaristosouza83/Wikipédia.

Mas voltemos ao Fernando Diniz. No São Paulo, seja por qual motivo, o clube pouco contratou este ano. Até onde sei só Luciano chegou e às custas da saída de Everton. Brenner, que vem tendo destaque voltou para o clube após empréstimo no Fluminense. A dupla conheceu Diniz no Fluminense e, apesar do bom futebol de Luciano não ser surpresa para a torcida do Flu, o grande momento de Brenner tem o treinador com papel fundamental. É difícil que o atacante mantenha a grande fase por muito tempo, por isso proponho pensar além dela. O atacante parece ter confirmado seu talento como artilheiro já conhecido dos tempos de base, mesmo que o desempenho oscile. Brenner, que pode ter subido para os profissionais cedo demais, queimando etapa, pensava até pouco tempo atrás em desistir do futebol e foi conversando com Fernando que reencontrou o prazer em ser jogador. Tchê Tchê, também no São Paulo e Allan, hoje no Atlético Mineiro, são outros dois exemplos entre vários que passaram pela mesma situação com Diniz.

É importante destacar o Tchê Tchê, que em jogo contra o Bragantino foi destaque pelo o quê ouviu do treinador. Talvez fosse engraçado se o time tivesse vencido a partida, assim como teve graça quando os gritos eram para Luciano. Mas acho que se deve pensar ainda além disso: acredito que justamente pela boa relação entre o Diniz e estes jogadores que há liberdade para falar algumas coisas que não seriam ditas para a maioria. Ainda temos muito a aprender sobre como lidar com contradições e paradoxos.

Como bem escreveu João Túbero em seu blog em A Cidade On, a imprensa precisa de uma autocrítica por sua volatilidade em construir mitos com a mesma facilidade que os destrói. Não distante, PVC também já defendeu a ideia. Neste texto foquei em Fernando Diniz, Túbero falou de Rogério Ceni, mas poderíamos escrever sobre quantos outros?


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

SAID, Gabriel. Fernando Diniz e a máquina de moer gente. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 29, 2021.
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