Teresa perguntou dos meus planos. Reparou que fiquei um bom tempo olhando o calendário nas últimas semanas. Ele fica ao lado do retrato de família, à frente da tela do computador, para não perder a conta dos dias. Por aqui, esse tipo de foto é sinal de normalidade e ajuda nas promoções e aumentos.
Ela não muda o mês das férias há mais de cinco anos e anda resistente para trocar os dias de descanso. Num almoço da semana passada, não entendeu meus motivos. Não vou viajar, nem terei a visita de familiares, tampouco vou organizar uma festa de aniversário de crianças, dessas em que pais e mães estão preocupados com a reação de outros pais e mães.
Podia perfeitamente explicar que a culpa é da Rússia. Mas, no escritório ninguém gosta de futebol. Quando não é taxado de ópio do povo, é tido como um costume de gente humilde e seus eufemismos. Nós, engravatados em escritórios, viciados em planilhas, tabelas e controles de orçamento, não somos disso.
Nessas cadeiras confortáveis, ninguém está muito preocupado com os 64 jogos entre seleções. Não ouço e nem ouso falar de bolão, chaveamento, partidas históricas ou mesmo um bom churrascão quando a seleção brasileira estiver em campo. Nada disso.
E olha que eu acumulei bons números no banco de horas, entreguei trabalhos com antecedência e tentei ser bem visto no último ano, para não perder uma partida que fosse. Aí vem o RH daqui, uma troca de datas dali, outra alteração de setor acolá e já viu: precisei negociar o mês da Copa, meu maior medo desde que assinei aquele contrato.
Na época de escola, tinha certeza de passar um mês no sofá em frente à TV e era capaz de soletrar nomes de zagueiros do leste europeu. Nos antigos empregos, quando os serviços braçais pagavam minhas contas, todo mundo parava na cantina e só voltava à labuta após o apito final. Agora, o desespero toma conta de mim.
Nunca entreguei atestados, jamais respondi desaforos e mesmo quando precisei ficar até depois do expediente, encarava o sacrifício como um investimento para a Copa do Mundo. Depois de décadas anotando tabelas, preenchendo álbuns de figurinhas, pintando ruas e gravando histórias na memória, não posso romper a tradição. Questão de princípios.
Esses desalmados vão aproveitar as ruas vazias para fazer compras no mercado, enquanto funcionários descontentes miram um celular escondido, em busca de informações dos resultados. Chegarão a suas casas mais cedo e ainda vão criticar a gritaria e os fogos se houver gols do Neymar ou do Gabriel Jesus.
Teresa está intransigente, é a funcionária mais antiga da casa. Não quer, de jeito algum, trocar seus dias de férias pelas minhas folgas pendentes. Disfarça, diz para conversarmos sobre isso depois. Como sou o mais novo daqui, vou ter que aceitar ver a Copa do Mundo por WhatsApp, me contentando com melhores momentos e programas noturnos.
Pensando bem, acho melhor pedir demissão. Tenho um dinheiro guardado, depois da Copa entrego uns currículos por aí.