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Furacões, maremotos – e um relâmpago! Cenas do futebol Australiano

Para Cleiton Barbosa.

 

Aos poucos, o futebol profissional na Austrália vai retomando as suas atividades. Depois da A-League ter finalizado a sua temporada 2017-18 com a Grande Final do início de maio e dos jogadores dos 10 clubes profissionais entrarem em férias, em agosto estes clubes voltaram a entrar em campo para disputar a FFA Cup – uma espécie de Copa do Brasil local na qual clubes amadores e semiamadores participam, e os profissionais entram a partir das oitavas. Nas últimas rodadas, houve até clube grande sendo desclassificado por clube local, foi legal!

Mas enquanto os campos profissionais ficavam quietos, os bastidores do futebol australiano foram sacudidos por grandes furacões e maremotos – inclusive com a chegada de um relâmpago.

O primeiro furacão é a expansão da liga australiana, a A-League. Há anos a comunidade do futebol pressiona a Federação Australiana para que mais times entrem na Liga. Os 10 times (franquias) que atualmente disputam a A-League representam cinco estados da Austrália, mais um país vizinho. São eles: Wellington Phoenix (da Nova Zelândia!); Perth Glory FC  (de Western Australia); Adelaide United FC (de South Australia); Brisbane Roar FC (de Queensland); Melbourne City FC (pertencente ao City Football Group, dono do Manchester City entre outros clubes ao redor do mundo) e Melbourne Victory FC (ambos de Victoria); e quatro times de New South Wales – Sydney FC, Central Coast Mariners FC , Newcastle Jets FC e Western Sydney Wanderers FC. São 10 times jogando entre si três vezes durante a temporada de futebol profissional, entre Outubro e Abril/Maio. Um time joga duas vezes em casa, e uma vez fora contra um mesmo adversário – sendo que na próxima temporada isto se inverte, dois jogos fora e um em casa contra aquele oponente.

O fato é que este formato já cansou. Repetitivo, cansativo, monótono, e por diversas razões a Liga vem perdendo público nas arquibancadas e na audiência de TV também. Mais uma razão para tentar expandir. Assim, neste ano, após uma longa espera, a Federação abriu uma concorrência para que dois times novos entrem na liga a partir da temporada 2019-20. Mais de 15 times se inscreveram, sendo alguns clubes tradicionais, com raízes em suas comunidades locais ou étnicas, e com histórias quase centenárias, como o South Melbourne (comunidade grega) ou o Wollogong Wolves FC, que representa a região ao sul de Sydney e New South Wales. Outros inscritos são consórcios fabricados que tem nomes provisórios – tipo “Southern Expansion” ou “Team 11”, que são as fachadas para grandes grupos comerciais com dinheiro internacional.

No momento, sobraram nove candidatos, e tudo será decidido em algumas semanas. Apesar dos critérios futebolísticos envolvidos nas candidaturas (proposta de estádios, categorias de base e femininas, inserção na comunidade para arrumar torcida, etc), a decisão final certamente será baseada na grana. Isso mesmo, a proposta com mais condições de bancar a quota da franquia deve levar. Alguns falam em 15 milhões pela franquia. O mundo do futebol australiano está em polvorosa, alguns gritam contra estes consórcios comerciais e querem os times tradicionais na liga; outros clamam pela estabilidade financeira da coisa; terceiros apelam para que a expansão se radicalize e se aceitem quatro times novos, e ainda se crie uma segunda divisão; os mais exaltados querem critérios para acesso e descenso! Os clubes semiamadores já se organizaram em uma associação com cerca de cem membros para exigir seus direitos a terem uma segunda divisão, e a pressão apenas aumenta.

Os 10 times que disputam a Hyundai A-League 2017/2018. Foto: FFA Cortesia/Reprodução.

Em meio a este furacão de propostas de novos clubes, acordos de bastidores e contas bancarias sendo expostas, um maremoto vem deixando ainda mais turvas as aguas futebolísticas deste pais-continente – as quais nunca foram muito claras mesmo.

Há alguns anos a FIFA pressiona a Federação local (FFA) para expandir o seu congresso, dando lugar para que outras vozes (futebol de mulheres, mais clubes, segunda divisão, árbitros) sejam representadas no congresso. Atualmente, o poder de decisão do futebol australiano esta nas mãos de nove (isso, 9) membros do congresso da FFA – entre eles os representantes das sete federações estaduais, incluindo federações minúsculas, com poucos afiliados e sujeitas a enormes pressões vindas do gabinete presidencial da federação, comandado com mão de ferro pela família do bilionário Lowy.

Depois de centenas de idas e vindas, com comissões da FIFA e da Confederação Asiática passando semanas por estas praias aqui, se reunindo com as diversas partes interessadas,  como os clubes profissionais e semi, as representantes das mulheres, dos jogadores profissionais, técnicos, torcedores e outros tribos do futebol, um grupo de trabalho nomeado pela FIFA, depois de vários meses, fez uma recomendação para a expansão oficial do congresso da FFA.

A família Lowy e o presidente da FFA, Steve Lowy, são contra isso e fizeram de tudo para atrasar e boicotar os trabalhos deste grupo de trabalho. Mas parece que não vai ter jeito. O congresso da FIFA já aprovou os relatórios e propostas deste grupo, e o maremoto não cessa. Steven Lowy fez uma pressão enorme sobre os membros do atual congresso para não aprovarem a mudança da FIFA – o que provavelmente resultaria em uma intervenção direta da entidade máxima do futebol sobre a FFA ou até na suspensão da Austrália de competições internacionais. Mas ao final Lowy anunciou que vai sair do comando da FFA ao final do ano – curiosamente, no mesmo período em que expira, conforme as leis corporativas do país, o prazo para a FFA justificar e apresentar ao publico os documentos relativos aos 50 milhões gastos na candidatura fracassada da Austrália para a Copa de 2022. Precisa desenhar?

Não bastassem esses furacões e maremotos futebolísticos para agitar as coisas na terra australis, eis que aporta por aqui um relâmpago. Ele mesmo, Usain Bolt, o jamaicano mais veloz do mundo! Minha rara leitora deve estar se perguntando qual a relação disto com o futebol; afinal, o Bolt deve ter vindo aqui para a Austrália fazer algumas corridas para arrecadar fundos para a caridade… Mas que nada! Ele veio tentar uma vaga como atacante em um time da A-League, o Central Coast Mariners FC!

 

 

O clube, que nos últimos anos disputa a liga com muitas dificuldades financeiras, pouca torcida, sempre brigando para não terminar em último – sorte deles que não há segunda divisão – resolveu abrir espaço para que Bolt, o Relâmpago, participasse de sua pré-temporada – incluindo treinos e amistosos – e tentasse uma vaga e um contrato oficial com o clube.

A reação veio rapidamente. O clube nunca recebeu tanta atenção da mídia local e internacional desde o anuncio relampejante – até no Brasil estão falando da A-League! O desejo do Bolt de jogar futebol profissionalmente é antigo, ele falava em jogar no Manchester United e parece que já fez testes com o Borussia Dortmund.

Por outro lado, os fãs mais ‘raiz’ do futebol local estão revoltadíssimos com o circo criado em torno dele. Comenta-se que seu contrato chegaria a 3 milhões de dólares por temporada, pagos em parte pela FFA e Foxtel, que criaram um fundo para contratar grandes estrelas do futebol mundial que queiram jogar aqui. Já tivemos o Alessandro Del Piero, por exemplo…. mas o Bolt? A galera não se conforma, as redes sociais bombam com reclamações que ele esta tirando o espaço de jovens locais que poderiam estar evoluindo na liga profissional, que tudo isso é apenas uma palhaçada e somente envergonha o futebol australiano diante do mundo, entre outros ‘elogios’ a iniciativa dos Mariners…

Enquanto isso, Bolt é tratado pelo clube como um ‘jogador normal’, que estaria somente fazendo um teste assim como tantos outros. No amistoso do Mariners contra um selecionado local de jogadores amadores, um jogo que em condições normais de temperatura e pressão atrairia meia dúzia de torcedores em uma noite fria e passaria despercebido do resto do mundo, atraiu quase 10.000 pagantes e foi mostrado ao vivo pela TV fechada. Rojões e todo o circo foram armados para a estreia deste ‘jogador normal’. Tudo para o ‘deleite’ daqueles que acreditam na evolução do futebol australiano por meio do talento local, e gostariam de uma liga de futebol de verdade.

No seu tempo em campo, Bolt não impressionou; faltou velocidade (sério!) para chegar em algumas bolas e aparentemente cansou após 20 minutos em campo. Será que o Relâmpago não é mais o mesmo? Ou será que, em meio a tantos furacões e maremotos extracampo, ele perde a sua força?

Eu gostaria de vê-lo jogando na Liga local. Se ele der certo, também irei atrás do meu sonho e tentarei um lugar ao sol em algum time profissional destas bandas. Ao contrário dos atacantes daqui, me posiciono bem, entendo a regra do impedimento, e na cara do gol não tem pra ninguém! #BoltnaALeague #vamostodosrelampejar  #CleitonmandaoDVD.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Jorge Dorfman Knijnik

Nasci em Porto Alegre, cresci em São Paulo e brinquei carnaval em Pernambuco. Filhos, Frevo e Futebol. Tardes com meu pai assistindo o Pele jogar no Pacaembu. Recentemente publiquei o livro "The World Cup Chronicles: 31 days that Rocked Brazil", um passeio histórico e etnográfico sobre o Brasil antes, durante e depois da Copa de 2014 (https://amzn.to/2An9bWS). Atualmente moro em Sydney, na Austrália, onde sou professor da Western Sydney University - venha fazer doutorado comigo! Mas já aviso: continuo São Paulino! e um pouco gremista também.

Como citar

KNIJNIK, Jorge Dorfman. Furacões, maremotos – e um relâmpago! Cenas do futebol Australiano. Ludopédio, São Paulo, v. 113, n. 18, 2018.
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