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Fútbol Argentino (I): grandes personagens

Fabio Perina 25 de maio de 2020

O dia 8 de maio está eternizado na História como a conquista de Berlim pelos soviéticos, em 1945, como a maior derrota do fascismo em todos os tempos. Porém nessa mesma data o futebol em meio à atual quarentena teve a despedida, aos 74 anos, do gênio Tomás Felipe “Trinche” Carlovich.

Com passagem ‘relâmpago’ por Rosário Central e Colón, teve a admiração de todos os clubes da província de Santa Fé. Principalmente do modesto Central Cordoba, o qual tinha vínculos mais íntimos com a comunidade do bairro Tablada. Terra fértil de outros gênios, com os pés ou a cabeça: Valdano, Bielsa, Messi ou Sampaoli. Sua morte se deu após uma agressão e uma covarde tentativa de roubo da bicicleta do Trinche pelas ruas de Rosário.

Quis o destino que somente no tão recente mês de fevereiro os caminhos de Trinche e Maradona finalmente se cruzassem. Maradona, treinador do Gimnasia La Plata, teve uma passagem hostil pela cidade pelos hinchas do Rosário Central por ter sido jogador do rival Newells. Era uma partida muito dura pela disputa contra o descenso, mas como contraste ficou um alento eternizado por um primeiro e último grande encontro. Com grande humildade, Maradona lhe regalou um autógrafo com as seguintes palavras: “Trinche, você foi melhor do que eu”. E por um capricho maior do destino o agradecimento de “Trinche” foi: “Agora posso morrer tranqüilamente”. Assim como vários outros imortais do futebol do país vizinho a ele se renderam nesses dias recentes de luto.

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Nos anos 1970, craques do futebol e craques da militância política compartilhavam incrível semelhança com cabelos compridos. Lutas pela liberdade nos campos e nas ruas. De vários futebolistas argentinos, jogadores ou treinadores, que em algum momento ganharam o apelido de “Loco”, certamente o mais celebre foi o recém falecido René Houseman. Contemporâneo de “Trinche”, campeão mundial em 1978 mas cujo apelido ficou eternizado por marcar um golaço para o Huracán campeão em 1973 completamente bêbado! Por coincidência, naqueles anos foram os dos nascimentos dos próximos companheiros folclóricos que apresento:

“Garrafa” Sanchez: quem entre as décadas de 1990 e 2000 teve um amor verde em cada divisão: Laferrere e Banfield. E no meio desse percurso perdeu a oportunidade de ser contratado pelo Boca Juniors por descumprir a clausula do clube de não poder andar com sua moto que tanto amava! Moto que o vitimou em um acidente em 2006. Sem capacete, vivia na mesma loucura em que jogava.

Dario Dubois: quem também teve um destino trágico e precoce. Certamente eternizado como o único jogador do mundo que insistia em entrar em campo com uma maquiagem ao estilo hard rock! O que foi mais do que um ato de vaidade exótica e pessoal, mas sua forma de protesto quando se transformava quando entrava em campo para amedrontar os rivais e mais ainda os dirigentes do futebol. Vide que chegou a desafiar um patrocinador ao borrar sua imagem com lama no uniforme e até mesmo abandonou o campo furtando uma nota de 500 pesos de um árbitro que, por coincidência, caiu no chão quando sacou o cartão vermelho para expulsá-lo! Nada convenceu Dubois que aquilo não foi um suborno arreglado para expulsá-lo! O vinculo visceral com a música e a noite foi seu remédio, seu ganha pão (já que no futebol semi-profissional do Ascenso não alcançava para sobreviver) e por fim seu veneno. Sendo baleado em 2008 na saída de uma casa noturna depois de trabalhar como operador de som.

Carlovich no Central Córdoba. Foto: El Gráfico/Wikipédia.

Por fim, cito o ex-centroavante Bazan “Indio” Vera. Uma homenagem coletiva ao Ascenso (segunda divisão nacional), essa categoria que encontra diversos ‘ciganos’ que por ela se apaixonam ao se entregarem a essa experiência entre jogo e vida, entre clube e torcida. “Índio” certa vez declarou, em uma entrevista há vários anos, que para sobreviver nessa selva que é o Ascenso a cabeçada é recurso fundamental que “me cobro mais se perder um gol com a cabeça do que com os pés”. Aposentou pelo modesto Tristan Suarez e pouco depois teve por lá a oportunidade de estrear seus primeiros anos como treinador. Rodando por diversas equipes da categoria, mas encontrou seu amor aonde sempre retornava no Almirante Brown. Justamente o grande rival do Nueva Chicago do meia “Gomito” Gomez. Onde lá iniciou sua carreira na maior parte dos anos 1990, estando depois em várias partes, para por fim retornar pela maior parte da década de 2010 e finalmente se aposentar poucos meses atrás aos 44 anos! Dessa nossa pequena lista, “Indio” e “Gomito” são os únicos ainda vivos.

“O maior jogador que EU VI jogar é…”. Para muitos torcedores a percepção individual ainda conta mais para eleger preferências do que critérios mais racionais como estatísticas. Lembrar do “Trinche” e vários outros é o resgate de um outro futebol de façanhas contadas de boca em boca. Suas anedotas como a ‘caneta dupla’ e até as fugas de treinos e partidas podem ser melhor desfrutadas nas leituras de apoio no final. Após essas poucas e singelas linhas acima para contextualizar a perda desse gênio esquecido, não poderíamos deixá-lo sozinho. Por isso não só apresentei como escalei a metade de uma equipe dessa legião de guerreiros/craques/loucos que, junto da outra metade que forma uma equipe, podemos jogar contra qualquer um…

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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Fútbol Argentino (I): grandes personagens. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 57, 2020.
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