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Futebol, ativismo e ocupação da cidade

Felipe Vinícius de Paula Abrantes 1 de dezembro de 2017

Que o futebol é uma paixão compartilhada por milhões de brasileiros não há dúvidas. Que os grande clubes do país são capazes de mobilizar milhares de pessoas em prol de um objetivo único, também conseguimos ver com certa facilidade. Mas e quando não é o futebol espetáculo a forma utilizada para mobilizar as pessoas? Você já imaginou o futebol de rua assumindo este papel? Pois é exatamente o que observamos em Belo Horizonte, Minas Gerais. A iniciativa de um grupo de mulheres que se reúnem para jogar, ocupar as ruas e serem sujeitos políticos de transformação na cidade. Estamos falando do BAixo BAhia Futebol Social, carinhosamente apelidado de BABA.

Antes de falar do BABA é interessante explicar um pouco o contexto social e político que a cidade de Belo Horizonte vivia na época de surgimento do time. No mandato do então prefeito Marcio Lacerda (2009 – 2016), a política de gestão adotada foi o modelo neoliberal que vê a cidade como uma grande empresa. Enxergando a cidade desta forma, Lacerda buscava enxugar os gastos públicos em diversas áreas e gerar lucros onde fosse possível. Partindo desta premissa, em sua gestão a PBH Ativos é criada com a seguinte missão, segundo nota da mesma: Prestar serviços de excelência à Administração Pública auxiliando-a na implementação de políticas inovadoras voltadas para o desenvolvimento econômico e social, por meio da captação de recursos financeiros, administração patrimonial e gestão de ativos”. Trocando em miúdos, a PBH Ativos é uma empresa pública do município que objetiva transformar vários imóveis e espaços públicos em ativos para a prefeitura. Praças, parques, campos de várzea e até mesmo ruas são vistos como forma de capitalizar recursos. (Atualmente, a criação e funcionamento da PBH Ativos é investigada em uma CPI da Câmara Municipal).

Em meio a este cenário que surgiu o BAixo BAhia Futebol Social. Além dele, surgiram vários outros movimentos e manifestações que reivindicavam o direito ao uso do espaço público da cidade, como o Sarau Vira-lata, o duelo de MC’s, a Praia da Estação (os cidadãos de BH iam tomar banho na fonte da Praça da Estação) e vários blocos e bandas de rua que culminaram no ressurgimento do carnaval de rua de Belo Horizonte. Mas voltemos ao BABA…

O nome BAixo BAhia faz referência a rua da Bahia. Uma das mais antigas e importantes ruas da cidade que fica localizada na região central. Na região da “parte baixa” desta rua se situa alguns dos locais de encontro e sociabilidade de um considerável grupo de belo-horizontinos. Nesta região temos a Praça da Estação, o viaduto Santa Tereza, a rua Aarão Reis, O grupo teatral Espanca, Centro Cultural 104… ou seja, um local de efervescência de cultura e lazer. A revitalização feita pela prefeitura da Praça da Estação fez com que o livre uso destes espaços ficassem ameaçados. A presença de muitas pessoas passou a ser um incômodo para o poder público. Daí a necessidade de resistência…

O BAixo BAhia começou a ocupar as ruas e praças no ano de 2011, realizando a famigerada pelada pelos locais por onde passa. A ideia é a mistura. Mesmo sendo um time formado por mulheres, na hora de rolar a bola, quem tiver disposição joga. O intuito é reunir as pessoas. Como o próprio BABA escreve em sua página: “o objetivo é transformar as ruas da cidade em campo aberto para práticas cotidianas de compartilhamento, através de um esporte de caráter coletivo e agregador: o futebol!”

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Futebol de rua. Foto: Caio Vilela.

Segundo Priscila Musa, uma das idealizadoras e jogadoras do BAixo BAhia, “o futebol é um dos esportes com a capacidade de unir, dentro e fora de campo, as diferenças sociais. É um dos mais acessíveis dos que conhecemos, pois basta uma bola, ou qualquer coisa que lembre uma esfera, para que o jogo aconteça. A esfera pode rolar em qualquer espaço, desde a rua, o quintal, as praças, embaixo dos viadutos, nos campos de várzea e até nos estádios. Diante da bola as diferenças se encontram…”  E com este ideal o BABA faz suas intervenções urbanas e futebolísticas por BH. Textos, palestras, oficinas e claro as peladas são as ferramentas de luta por uma cidade mais acolhedora, com espaços públicos que sejam de fato públicos e que possam ser vividos por todos(as) cidadãos e cidadãs.

Sobre os campos de várzea ameaçados pela PBH ativos a arquiteta Priscila Musa cita como exemplo o campo do Santa Tereza, bairro bastante antigo e tradicional de Belo Horizonte:

“os campos de várzea exercem um papel fundamental. São espaços de resistência do futebol pés no chão, são indutores de vida urbana e promovem o encontro que só acontece no espaço publico, coletivo, de festa. Estreitam relações sociais entre cidadãos que raramente se encontram, como é o exemplo do Campo de Santa Tereza, um bairro de Belo Horizonte. Ali jogam bola os meninos moradores dos casarões do bairro no mesmo time sem camisa do moradores das Torres Gêmeas” (ocupação urbana em dois prédios que tiveram a construção abandonada).

De fato a questão da festa, do lúdico estão sempre presentes nas ações do BABA, como é características muito comum quando tratamos do futebol. Pois, apesar da seriedade da luta encampada, a irreverência sempre faz parte deste contexto e desse movimento. Penso que é urgente que haja um processo de sensibilização e entendimento da realidade que se passa na cidade pelo seus cidadãos. E ações como a do BAixo BAhia ajudam bastante. Afinal, ocupar o espaço público e transformá-lo em um lugar de cultura e lazer é por si só um ato político de resistência muito importante e necessário. Quando a isso se soma uma sensibilização da população, principalmente jovens, esse fator transformador certamente é potencializado.

A história de iniciativas e times como este merecem ser contadas. Dar visibilidade aos outros futebóis que temos na nossa cidade é ao mesmo tempo um desafio, uma responsabilidade e um grande prazer. Pois nem só de Brasileirão vive a esfera de couro. E como já dizia o BABA: não há campo que não seja nosso chão”.

Compõem o BAixo Bahia:

Andreia Costa: Goleira
Ângela Guerra: Meio de Campo
Bárbara Schall: Zagueira
Bruna Piantino: Meio de Campo
Cláudia Vilela: Atacante
Joseane Jorge: Pivô
Luciane Oliveira: Atacante
Priscila Musa: Atacante
Sílvia Herval: Zagueira
Sara Cura, Paula Kimo, Talita Lessa, Clarisse Marinho (completam posições) 

Referências

https://terrorismobranco.wordpress.com/2012/01/11/futebol-e-cidade/
https://www.facebook.com/BAixoBAhia/
http://www.pbhativos.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Felipe Abrantes

Graduado em Educação Física, modalidade licenciatura, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre e doutor em Estudos do Lazer no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer - PPGIEL/EEFFTO/UFMG. Atua e tem interesse na área dos estudos do futebol e do torcer, do lazer e da Educação Física escolar. Atualmente é professor do ensino básico na Prefeitura de Santa Luzia - MG.

Como citar

ABRANTES, Felipe Vinícius de Paula. Futebol, ativismo e ocupação da cidade. Ludopédio, São Paulo, v. 102, n. 1, 2017.
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