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Futebol, Bolsonaro e bolsominions em campo! – As armadilhas da suposta ingenuidade política dos jogadores

Max Filipe Nigro Rocha 18 de dezembro de 2017

As frequentes manifestações de apoio de jogadores renomados ao deputado de extrema direita Jair Bolsonaro causam preocupação aos defensores dos princípios mais básicos da democracia e da cidadania, e essa questão não nos parece uma mera trivialidade a ponto de não ser analisada, criticada e também combatida.

Os apoios ao político fascista não se restringem a um clube ou à uma torcida em especifico. Os casos que receberam maior destaque foram do volante Felipe Melo do Palmeiras, do meio-campo Jadson do Corinthians, do atacante Roger do Botafogo e, ao que tudo indica, da possível candidatura de Ronaldinho Gaúcho pelo PEN (futuro Patriotas), partido que o referido político se associará em 2018.

Caberia a nós então destrinchar as estruturas argumentativas usada por esses jogadores já que se posicionam como atores no campo político. O senso comum tende a subjugar as manifestações dos atletas esportivos ao considerar que as suas capacidades de análise social são limitadas.

Foto: Reprodução

Ação ingênua essa! A infantilização das falas dos jogadores protege esses atores políticos da crítica contundente e do debate público. O enaltecimento e idolatria de figuras que – merecidamente – receberam destaque no campo esportivo como Afonsinho, Sócrates e, mais recentemente, Alex e Paulo André, são legítimas na medida em que se propõe a romper com as estruturas autoritárias que cercam o mundo do futebol. Mas nunca é demais relembrar que esses mesmos personagens foram massacrados cotidianamente pelo status quo futebolístico e por parte da imprensa esportiva que insiste em reafirmar que “jogador deve apenas jogar futebol.” O exílio de Paulo André parece ser um dos melhores exemplos da atualidade.

Por outro lado, as manifestações de apoio de atletas aos defensores do regime civil-militar brasileiro, das práticas de tortura, de estupro, de LGBTQfobia são relatados pela imprensa e recebidos pela torcida com uma complacência preocupante.

Ao se posicionar politicamente, qualquer jogador de futebol assume a condição de portador de um discurso autorizado. A imprensa especializada – repercutindo ou não as declarações dos atletas – indica o seu posicionamento e seus limites, que pode ir desde o mero relato do fato ocorrido até a crítica contundente e pontual, caso de Julio Gomes[1] e Casagrande[2].

No entanto, esses personagens esportivos ocupam uma posição de destaque, seja pelo apoio silencioso dos meios de comunicação ou por conseguir a amplificação de seu discurso autoritário por meio do suporte oferecido pelas identidades clubísticas. Além do mais, eles servem de porta-vozes para práticas autoritárias sistemáticas que estão disseminadas em alguns setores das arquibancadas.

Transformam-se assim em porta-vozes de concepções de mundo que nos tempos atuais são anunciadas sem nenhum constrangimento, sob a tutela de uma ampla e conveniente interpretação do conceito de liberdade de expressão do indivíduo. Conceito esse que legitima e autoriza manifestações misóginas, classistas, racistas e, sobretudo, conservadoras.

Agora cabe nos perguntar por quais motivos o questionamento implacável projetado sobre figuras à esquerda como Sócrates, Afonsinho, Alex e Paulo André, não se estendem as expressões autoritárias de Felipe Melo, Jadson, e Ronaldinho Gaúcho.

A interpretação de que essas manifestações políticas recentes dos jogadores de futebol são fruto de uma ingenuidade reforçam a conivência e a omissão em relação à essas bandeiras políticas, além de ofuscar o fato de que o que está em jogo é uma disputa mais ampla entre as classes sociais.

Muitos desses jogadores de renome reproduzem o discurso das classes dominantes, seja por terem sido cooptados ou por serem legítimos integrantes desse grupo social mais favorecido.

Se parte da massa torcedora os considera como ídolos em campo, eles se transformam em adversários no campo político ao reproduzir essas visões de mundo autoritárias. Se assim não fosse, qual seria o sentido da seguinte fala de Felipe Melo no último primeiro de maio, Dia do Trabalhador:

“Deus abençoe a todos os trabalhadores e pau nos vagabundos. Bolsonaro neles!. […] Quando eu falo de vagabundos, me refiro às pessoas que querem tumultuar (sic) o nosso país.”[3]

Não seria pertinente que algum repórter ousasse perguntar a quais grupos ele se referia como “vagabundos”? O que significa exatamente tumultuar? Ou qual a visão do jogador sobre as manifestações contrárias às reformas trabalhista e previdenciária?

Jadson também deveria ser questionado sobre o que ele entende pelo conceito de família diante de tal afirmação: ““Já vi algumas entrevistas do Bolsonaro […] Se ele se candidatar a presidente, eu votaria nele, porque é um cara que briga pelos valores da família (sic) e isso é fundamental”[4]

Por fim, embora a política não se limite ao campo institucional, Ronaldinho Gaúcho deveria ser inquirido sobre a sua suposta filiação e candidatura pelo partido de Bolsonaro[5]. Quais seriam suas propostas políticas? Por quais motivos resolveu se aproximar do deputado de extrema direita? Quais as concordâncias que levaram você a se aliar ao referido político?

ronaldinho
Foto: Reprodução site O cafezinho

Mesmo que a questão da candidatura ainda não tenha sido definida, talvez essa cobrança mostre ao jogador que, assim como no futebol, a política é um jogo árduo e aqueles que se dispõe a entrar em campo devem estar preparados para a disputa.

Portanto, se a competição acontece tanto no campo esportivo quanto no campo político, não podemos deixar de disputá-las em todas as instâncias.

 

[1] https://blogdojuliogomes.blogosfera.uol.com.br/2017/05/01/sobre-felipe-melo-bolsonaro-e-a-truculencia-que-nao-leva-a-nada/?mobile

[2] http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/10/13/casagrande-e-criticado-apos-condenar-jogadores-que-apoiam-bolsonaro-311477.php

http://gq.globo.com/Colunas/Walter-Casagrande/noticia/2017/05/bolsonaro-o-que-felipe-melo-jadson-e-eu-nao-temos-em-comum.html

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/02/deportes/1493749827_224767.html

https://www.youtube.com/watch?v=VAyojQRZmW4&feature=youtu.be

https://www.youtube.com/watch?v=HCYwJIbCL9E

[4] https://veja.abril.com.br/placar/jadson-do-corinthians-manifesta-apoio-a-bolsonaro/

https://www.youtube.com/watch?v=cD7B1K9xjmU

[5]http://espn.uol.com.br/noticia/750243_com-apoio-de-bolsonaro-ronaldinho-gaucho-se-candidata-a-senador-por-minas-gerais

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Max Filipe Nigro Rocha

É graduado e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realiza pesquisa de doutorado sobre futebol e política pela USP. Editor do site Ludopédio (www.ludopedio.com.br)e pesquisador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) que integra pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e Unifesp.

Como citar

ROCHA, Max Filipe Nigro. Futebol, Bolsonaro e bolsominions em campo! – As armadilhas da suposta ingenuidade política dos jogadores. Ludopédio, São Paulo, v. 102, n. 18, 2017.
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