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Futebol e BBB: quando o jogo sai do campo e entra na casa

Com a pausa no calendário futebolístico devido aos desdobramentos da pandemia do Covid-19 no Brasil e no mundo, o reality show BBB (Big Brother Brasil) virou um grande estádio e protagonizou uma competição com recorde de público e de votos. O famoso paredão, etapa semanal do programa que visa eliminar um dos participantes, foi composto por Felipe Prior, Manu Gavassi e Mariana Gonzales. Nesse contexto, aquilo que seria só mais uma etapa rotineira da edição ganhou notoriedade nas redes sociais, na grande imprensa esportiva e no interior de muitas casas brasileiras. O episódio foi palco de diversas discussões e, como uma partida de futebol, adquiriu um caráter polarizado e maniqueísta. Toda essa repercussão contou com a participação de vários personagens, como a atriz Bruna Marquezine, Neymar Jr., Gabriel Jesus e vários outros jogadores de futebol.

O povo brasileiro, em sua maioria, conhece o programa que já está na sua vigésima edição. A partir da nossa leitura e para os fins aqui pretendidos, o BBB mimetiza, na sua estrutura, uma micro sociedade. Geralmente quem o acompanha, se identifica com algum participante seja pelas atitudes, preferências e militâncias. Essa identificação gera um reconhecimento e uma espécie de pertencimento que pode resultar na defesa e torcida de um ou de outro jogador. Quem critica se pergunta como o programa faz tanto sucesso com uma ideia fútil e que não agrega muita coisa para o povo. Uma espécie de pão e circo que em nada contribui para o enfrentamento das discussões tidas como sérias e dignas de serem debatidas. Para responder essas perguntas, façamos uma reflexão: Quais critérios você utiliza para realizar aproximações com outras pessoas no seu cotidiano? Quais fatores você atribuiria para eliminar quem não te agrada? Como você se portaria?

No interior do jogo, os participantes realizam ações em busca de um milhão e meio de reais. A população brasileira, por sua vez, age como um juiz impiedoso, analisa as ações e vota para retirar, semanalmente, os participantes. Contudo, há nessa edição, de forma mais evidenciada, uma tematização de lutas e bandeiras sociais, como a questão do feminismo, da masculinidade tóxica e do racismo. Todavia, percebemos, como em uma partida de futebol, uma defesa excessiva do seu time, aqui compreendido como uma dessas bandeiras, e uma certa desconsideração do outro time. Uma polarização, uma departamentalização como se essas questões não fossem imbrincadas, assim como comentou a feminista preta Angela Davis que encara essas temáticas como um tripé composto pelo gênero, raça e classe. Ademais, o outro é tido como um adversário a ser combatido, ou melhor, a ser excluído.

No último paredão, como já supracitado, houve uma intensa e fervorosa movimentação de muitos jogadores de futebol em prol da permanência do arquiteto Felipe Prior. Para conquistar esse feito, começaram um ataque arquitetado para a exclusão da atriz Manu Gavassi que contou com o apoio da amiga Bruna Marquezine, grupos feministas entre outros setores sociais que vestiram a camisa da participante e também entraram em campo no jogo da casa.

Manu Gavassi é uma personagem pacífica com extrema coerência, sensatez e cuidado com os outros. Se pôs em situações conflituosas e buscou solucionar de forma apaziguadora e dialógica. Por essa postura, foi criticada e taxada de politicamente correta. No time de Manu, como justificativa para a saída de Prior, havia uma queixa veemente de algumas condutas do brother durante o jogo que expressava comportamentos agressivos e se aproximou de um grupo de homens que proferiam frases machistas além de conversas polêmicas e desrespeitosas. Além disso, Prior se mostrou com dificuldades para aceitar opiniões contrárias. Contudo, foi um jogador muito observador, astuto e atento às dinâmicas do jogo. Quando seus amigos foram eliminados por manifestarem essas ações machistas, ele percebeu que era o próximo e, se vendo desfavorecido no jogo, mudou sua estratégia. Essa alteração resultou em uma aceitação significativa por parte dos demais jogadores e da torcida.

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Uma das ações responsáveis pela modificação da imagem do brother foi a amizade com o ator Babu Santana, no qual o jogador Gabriel Barbosa é fã declarado. Com essa situação de eliminação envolvida entre Prior e Manu, o atleta Gabigol resolveu se posicionar com o objetivo de não deixar Babu sem amigos na casa e iniciou uma movimentação online para a retirada de Manu do programa. Essa ação foi rapidamente aderida por vários outros jogadores de futebol e seus seguidores, na sua maioria homens. A justificativa para a retirada de Manu foi uma declaração em que ela afirmava que odiava futebol.

Percebemos dessa forma uma certa intolerância ao diferente. Uma incapacidade de lidar com opiniões contrárias, uma espécie de micro fascismo que insiste em rondar diversas das nossas ações diárias. Como contraponto, observamos um certo corporativismo com os iguais. Um espírito de pertencimento e fidelidade inquestionável que me impede de agir de outra forma que não seja a anuência. Independente do que é feito, eu concordo. Diante disso, indagamos: se fosse outro esporte, como o vôlei ou demais modalidades sem tanta representatividade na mídia, teríamos o mesmo engajamento e repercussão?

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Defender Felipe Prior não era fácil dada a sua conduta no início do programa, porém, como ferramenta argumentativa o ligaram a Babu, pois os dois eram amigos e com a possível saída de Prior, Babu ficaria sozinho na casa. Poucos ousaram defendê-lo por seus méritos, a maioria tinha plena consciência da situação que estava envolvida no programa. Entretanto, voltaremos ao início do texto quando afirmamos que o BBB é uma representação da sociedade e que cada um se encontra em um personagem e quer que ele vença. Seria essa movimentação mesmo para não deixar Babu sem amigos? Ou uma movimentação em defesa dos valores sociais que estão muito presentes no futebol? Por qual motivo a Manu foi o alvo? Por que não votaram na Mari para manter Prior e Manu no programa?

A população futebolística se movimentou em massa e fez com que Felipe Prior após todas as ações nesse programa quase eliminasse a atriz Manu Gavassi, confronto esse que era posto não só contra a Manu, mas contra a torcida de muitas mulheres presentes no programa. Vivemos em uma sociedade que estrutura nossa forma de ser, de pensar e de agir e, caso o indivíduo não perceba como ela atua, passa a agir de forma automatizada e não reflete sobre si mesmo. Sendo assim, um programa de TV pode mobilizar diversos sentimentos e sensações que podem expressar comportamentos velados.

Momentos como esse parecem dizer muito sobre nossas condutas e expressam uma estrutura ainda forte e vigente. Além disso geram interrogações. Quando nos perguntamos sobre a popularidade do esporte feminino, talvez devêssemos partir de momentos como esses para buscar saídas e problematizar a lógica hegemônica. Qual a formação que foi dada aos apaixonados por esporte para se apaixonar pela jogada e não pelo gênero? Até quando vamos idolatrar somente o homem que compete? Quais critérios estabelecemos para buscar o melhor jogador?

Pensamos que diante desse episódio, muitos elementos e fatores sociais podem ser problematizados. O time que levanta a bandeira da raça e da classe mais uma vez ficou no banco de reservas e perdeu visibilidade. As discussões sobre masculinidades se resumiram ao conceito de masculinidade tóxica. As questões sobre o feminismo, por mais coerentes que aparentam ser, foram atacadas e classificadas de classistas e racistas. Além disso, talvez a militância e a discussão tenham se perdido pela lógica do consumo. Mais uma vez o debate entre homens e mulheres possui uma forma competitiva. Um enfrentamento rigoroso e, ao nosso ver infértil. Não estamos aqui desconsiderando a representatividade na saída de Prior. Certamente isso pode indicar uma vitória simbólica importante. O que aqui problematizamos é a lógica espetacularizada que movimentou esse paredão e principalmente os valores que o mobilizaram. A discussão sobre gênero é séria e também não deveria ser considerada como entretenimento e diversão, haja vista que muitas vidas são violentadas e até ceifadas. Enfim, pensamos que enquanto houver esse tipo de relação sobre essa temática, talvez não haja vencedores.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Vitor Freire

Mestre em Educação Física na FEF-UNICAMP, amante de Esportes, são Paulino desde sempre.@vitordfreire@camisa012

Fidel Machado

Bacharel em Educação Física pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Estética do Movimento (GPFEM - Unicamp).

Como citar

FREIRE, Vitor; MACHADO, Fidel. Futebol e BBB: quando o jogo sai do campo e entra na casa. Ludopédio, São Paulo, v. 130, n. 3, 2020.
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