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Futebol é coisa de museu

Daniela Alfonsi 28 de março de 2017

Por que museus de futebol?

No tumultuado início de 2017, uma notícia de quase nenhuma repercussão, relatou que o Ministro do Turismo, Marx Beltrão, em reunião com a Confederação Brasileira de Futebol – CBF no dia 24 de janeiro, propunha que a entidade fosse parceira do Ministério, de governos estaduais e municipais, além da iniciativa privada, na abertura de novos museus de futebol nos estádios brasileiros. Seguindo a matéria, a inspiração para o Ministro foi sua recente visita ao Estádio Santiago Bernabéu, do clube espanhol mundialmente conhecido Real Madrid, cujas cifras arrecadadas em 2016 superaram os gigantes museológicos Museu do Prado e Museu Reina Sofia, na capital espanhola: “estamos no país do futebol. Por isso, nada mais justo que trabalhar os estádios turisticamente, atraindo visitantes do país e de todo o mundo para conhecer mais a fundo nosso futebol. Acredito que temos um potencial enorme a ser explorado nesse campo“, declarou o Ministro.

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Vista do museu do Real Madrid. Foto: Daniel.

Também circulou na imprensa, no início do ano, o estado de completo abandono do Parque Olímpico e do Estádio do Maracanã, menos de seis meses depois do término dos Jogos Olímpicos de 2016. Os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro não entram em acordo para a utilização do estádio mais emblemático do país, na cidade que mais atrai o turista estrangeiro.

Devem ter sido poucos os ingênuos que acreditaram que os 12 estádios da Copa do Mundo e as instalações esportivas para as Olimpíadas deixariam algum legado ao país. Era difícil comprar essa ideia, mesmo no auge de nosso crescimento econômico e aumento de renda no Brasil na primeira década do século XXI. Mas, quem poderia imaginar que o Maracanã, com todo o seu “potencial turístico”, para ficar na chave do Ministro, chegaria a tal situação?

Ocupar estádios nos seus tempos ociosos, isto é, fora do tempo do jogo, não é ideia nova do atual governo. Em 2011, o então recém-criado Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), autarquia do Ministério da Cultura, declarava haver um projeto chamado “Legado da Copa que envolve as doze cidades que irão receber o evento e as cidades com 200 km de distância delas ou cerca de 2 horas, das sedes. Neste raio de ação, possuímos cerca de 700 museus. Junto com o Governo Federal, o Ibram irá melhorar a qualidade desses museus, além de coordenar a construção dos novos museus dentro das arenas que serão construídas ou reformadas”. Contudo, ao contrário do contexto atual, o anúncio de 2011 vinha em meio ao momento em que se começavam a circular na imprensa e também nos diálogos cotidianos as tais “exigências FIFA”: autoridade que regeria da arquitetura dos novos estádios ao que se comeria e beberia durante um jogo de futebol. Criar atrações nas novas arenas fazia parte das tais “exigências” FIFA que entravam no debate naquele momento.

A Copa e as Olimpíadas passaram, a crise econômica e política assolou o país e confirmou-se aquilo que todos temiam: o tal legado – investimento na prática esportiva para a geração de novos atletas, o aumento do número de turistas internacionais ou mesmo o desenvolvimento local próximo aos novos estádios – nunca existiu como política pública consistente. E, no contexto de crise, a área cultural no Brasil assistiu à redução drástica de recursos, demissões, rupturas de programas e vários museus diminuíram ou encerraram suas atividades em 2016. Mas, nesse início de 2017, eis que o atual Ministério do Turismo buscar resgatar os museus, como potenciais geradores de receita para os estádios (e as cidades), à luz do modelo espanhol.

Trabalhando no Museu do Futebol que fica no Estádio do Pacaembu em São Paulo, acompanho o debate de modo bem dirigido: o assunto motivou a realização de uma pesquisa de doutorado a que me dedico no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo. A pergunta que persigo desde então é: por que museus? Com tantas possibilidades de ocupação de áreas e tempos ociosos das arenas – centros comerciais, escritórios, restaurantes, estacionamento, jogos de campeonato amador, de categorias de base, de outros esportes – por que se direciona aos museus a recuperação de prestígio e atração de público das falidas arenas?

Não quero dizer que o futebol ou o esporte não mereçam mais museus. Pelo contrário, o conhecimento e o acesso aos arquivos e coleções sobre o esporte no Brasil carece de instituições que tenham a missão de agrupá-los, conservá-los e, principalmente, dar acesso público a documentos e coleções. Mas, é difícil vislumbrar que seria a “preservação da memória do esporte” a motivação principal.

Museu, no suposto plano de salvação das arenas, entretanto, parece ser acionado como parte de um espetáculo de consumo fácil e, principalmente, um gerador de receitas. Quando não há política esportiva consistente, capaz de investir em formação de atletas, quando o futebol que interessa é apenas o da ponta da pirâmide (o profissional, masculino e de primeira divisão), quando o acesso ao espetáculo esportivo é barrado à maioria da população devido aos preços dos ingressos ou ao horário das partidas, quando a vocação dos Estádios se dirige somente ao turismo questionar o porquê de novos museus de futebol é importante. É preciso criar uma agenda pública de discussão sobre quanto custa fazer e, principalmente, manter um museu de qualidade. E, se, para o caso do esporte no Brasil, isso seria uma opção para a vocação turística dos estádios.

Entre a matéria de 2011 e a de 2017, pude conhecer alguns museus que se dedicam ao esporte, no Brasil e exterior. Aqueles que não pude visitar, colecionei catálogos e matérias, com o olhar curioso por compreender como cada espaço vive o seu futebol, tornando essa experiência um objeto de museu.

A ideia dessa coluna é contar ao leitor um pouco dessas experiências, refletindo, à luz de cada uma delas, como, porque e para quem são feitos os museus de futebol.

E, como museus importam e são potentes máquinas transformadoras de coisas e afetos, convido o leitor para assistir ao vídeo do Museu do Futebol criado na comunidade quilombola de Tiririca dos Criolos, no sertão pernambucano. Pode ser uma boa inspiração para se pensar e ocupar nossos estádios com mais afeto e amor ao futebol!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.

Como citar

ALFONSI, Daniela. Futebol é coisa de museu. Ludopédio, São Paulo, v. 93, n. 30, 2017.
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