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Futebol e elitização: um estudo de caso com clubes catarinenses e cearenses

Com a globalização dos esportes americanos, vimos a chegada de um diferente modo de experiência de jogo. Os esportes americanos transformaram a vivência no estádio, pois começaram a introduzir elementos de espetacularização que não havia antes, como shows e ambientes de visita no estádio. Isso trouxe aos esportes americanos um mercado de turismo muito maior do que o antigo, já que cada vez menos você precisava conhecer o esporte e os times para aproveitar aquele momento.

Essa experiência chegou ao Brasil transformando o valor signo (Baudrillard conceitua o valor signo como o prestígio que traz por ter o objeto) da experiência do estádio e deixando alguns times e alguns estádios desvalorizados no mercado. A Copa do Mundo no Brasil em 2014 inseriu o futebol brasileiro dentro do processo de arenização do estádio (SIMÕES, 2017), supervalorizando alguns estádios, como a Arena da Baixada (que era uma das poucas arenas do país), e desvalorizando outros, como o Morumbi, que era um dos estádios mais badalados do país, mas, com a concorrência do Allianz e da Arena Corinthians, foi deixado de lado e hoje tem um dos ingressos mais baratos do país, por não proporcionar essa vivência.

Com a aproximação da Copa e a reformulação dos estádios, houve um aumento considerável nos preços dos ingressos no início desta década. Sendo assim, com o passar dos anos essa elitização dos estádios foi se proliferando, medidas de segurança foram diminuindo a capacidade dos estádios, gerando mais conforto aos que estão presente e custos mais altos, até que chegamos aos dias atuais que vemos clubes como o Palmeiras, ganhando muito dinheiro com um estádio menor, lotando-o todo jogo, e tendo os ingressos com preços altos, impedindo a entrada das classes mais baixas.

Essa ação do Palmeiras nos últimos três anos, mesmo sendo um período curto de tempo, alterou muito a imagem do torcedor palmeirense no Brasil, pois o palmeirense que está indo ao estádio atualmente é um palmeirense ligado às classes altas ou média alta, e o clube comprou essa imagem com diversos movimentos que ligassem o clube a movimentos políticos conservadores que mostrasse o interesse do clube com as classes mais altas, ao contrário do Corinthians, por exemplo, que tem sua Democracia Corinthiana e a sua maior torcida organizada que defende os direitos das classes mais baixas e essas ações seriam repudiadas pela sua própria torcida.

Durante a Copa América de 2019, por exemplo, foram cobrados preços altos pelos ingressos, e isso gerou um esvaziamento dos estádios durante a competição. Entretanto, nenhuma ação foi feita para reverter esse caso, o que era visto como um problema pela mídia esportiva não era visto como um problema pela organização do evento. Os preços foram colocados intencionalmente, já que não era do interesse da competição ter pessoas de classes mais baixas, diminuindo o valor signo do ingresso, mesmo com o custo do esvaziamento dos estádios.

Para incentivar a discussão, vamos utilizar o exemplo de clubes catarinenses e cearenses no Campeonato Brasileiro de 2019:

Chama a atenção a comparação de clubes sulistas como Chapecoense e Avaí e clubes nordestinos como Fortaleza e Ceará. Nesses ambientes, o futebol é visto e gerido de maneiras diferentes, pois podemos dizer que nenhum desses quatro times viviam grandes expectativas antes do campeonato, já que todos tinham sua meta para evitar o rebaixamento. Mesmo sob essas condições, o Avaí e a Chapecoense mantiveram ingressos a preços altos, gerando as duas piores médias de público do campeonato, já o Fortaleza e o Ceará tiveram os ingressos mais baratos e entraram entre as maiores médias de público do certame.

Fortaleza – CE – 10/11/2019 – BRASILEIRÃO 2019 – ESPORTES – Rodada 32, Jogo 313 do Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino “Brasileirão 2019”, da Série A entre, Fortaleza E.C. X Ceará S.C., realizado na arena Castelão em Fortaleza, CE. Foto: JARBAS OLIVEIRA/ALLSPORTS

Não temos como saber se há a relação entre número de torcedores e rendimento do time em campo, porém os clubes sabiam do risco do rebaixamento e que mais torcedores poderiam ajudar a evitar essa queda, a diferença é que os clubes sulistas preferiram manter o preço dos ingressos, evitando classes mais baixas e mantendo o prestígio de estar no estádio torcendo para o clube.

Entretanto, no Brasil os ingressos são postos de formas diferentes para públicos diferentes. Caso o Fortaleza venha a cobrar ingressos mais caros, provavelmente haverá reclamações buscando um valor acessível e caso o Avaí cobre ingresso mais barato, talvez haja reclamações preconceituosas por conta do torcedor que está indo ao estádio.

Por fim, podemos concluir que, com o aumento do valor signo do futebol brasileiro, com a entrada de empresas que injetam valores altos de dinheiro no clube, há uma elitização do futebol, que torna cada vez mais difícil participar ativamente com o clube, seja indo ao estádio ou comprando produtos. Já que esta elitização está aproximando o futebol da legitimação cultural da elite e tornando-o mais um componente de exclusão na luta de classes.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Vitor Freire

Mestre em Educação Física na FEF-UNICAMP, amante de Esportes, são Paulino desde sempre.@vitordfreire@camisa012

Como citar

FREIRE, Vitor. Futebol e elitização: um estudo de caso com clubes catarinenses e cearenses. Ludopédio, São Paulo, v. 128, n. 22, 2020.
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