Futebol e política caminham lado a lado em toda a história, ainda que tentem te dizer o contrário
Bastava ir à casa dos nossos avós aos domingos para, em meio a uma garfada ou outra da macarronada, escutar algum ditado popular em tom professoral. Quantas vezes ouvimos aquelas sábias palavras de que “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, em tom de advertência, ou até de que “a fome é o melhor tempero”, para falar da saciedade na hora do almoço? Um pouco mais tarde, às 16h quase sempre, vinha algum parente resmungando que o “futebol era o ópio do povo”. Obviamente que queria evocar o caráter alienante que o esporte supostamente ganhou em nossa sociedade. Ao contrário dos outros, porém, esse não passa de um mito. E, como todo mito, é bem distante da realidade. O futebol, claro, é uma poderosa válvula de entretenimento Porém, está longe de ser um instrumento de total fuga da realidade. Na verdade, toda sua história é carregada de envolvimento social. E como todo e qualquer envolvimento social, é um objetivo político, ainda que alguns tentem desassociá-lo.
Nos últimos anos, com o recrudescimento de algumas pautas que passaram a ser discutidas em meio aos debates esportivos, muitos tentaram desassociá-las do futebol. Para eles, “política e futebol não se misturam”. O argumento de sustentação é que o esporte cresceu como uma mera figura de entretenimento, quase como uma representação imaginária. Na verdade, é justamente o contrário.
Lá em seu início, durante o longínquo Século XIX, na Inglaterra, operários fabris passaram a utilizar aquele esporte meramente lúdico para ganhar prestígio social. Com o passar dos anos, conforme ganhava territórios ao longo do planeta e se enraizou em sociedades completamente antagônicas, o mesmo modelo passou a ser usado: rapazes se associavam para se divertir e ascender socialmente.
Vendo o poder de penetração e mobilização de sentimentos, políticos das mais diversas esferas e círculos ideológicos passaram a se envolver e utilizar do esporte para utilizá-lo como instrumento de propaganda, controle e manutenção de poder. Reis, Rainhas, primeiros-ministros, presidentes e tiranos ditadores aproveitaram ao máximo de como esporte é uma máquina de potencializar sentimentos.
Duvida? Basta ver que desde 1914 o monarca britânico ou seu representante legal estão presentes na final da FA Cup, na Inglaterra. Na Espanha, a Copa do Rei, que já carregava o nome de vossa realeza, virou Copa do Presidente da República (1931-36) e Copa do Generalíssimo (1939-75), voltando a ter seu nome de origem após a ditadura de Franco sucumbir.
Se a presença ou associação nominal ainda parecem argumentos pouco convincentes, basta lembrar do trabalho feito pelos autocratas da Cortina de Ferro durante a Guerra Fria ao utilizarem do futebol como meio de propaganda. Tal qual a ditadura tupiniquim o fez, explorando ao máximo a Copa de 1970 para evocar um vago sentimento patriótico de uma população que vivia às discordâncias de seu duro regime.
Exemplos não faltam. De Videla a Pinochet, de Tito a Ceausescu, vários são os momentos que esse mutualismo volta à tona. Que fique claro que não só para reafirmar governos, mas, também, para resgatar sentimentos nacionais, como o orgulho alemão, que ainda vivia à sombra da “grande culpa nazista” ao hastear suas bandeiras, e viu no esporte um elemento para resgatar o nacionalismo ferido.
Ele é evocado até mesmo para tratar feridas, como os Argentinos na Copa do Mundo de 1986, ainda machucados pela Guerra das Malvinas. No Brasil, em 1994, o mesmo fenômeno curou as dores de um país que ainda sofria com uma economia cambaleante após um recente processo explosivo político, que culminou no impeachment de Collor. Não à toa, a France Football, ao ver o Carnaval que tomava as ruas brasileiras em julho, após o caneco que chegava dos Estados Unidos, cravou que “somente o futebol podia provar essa doce loucura de esquecer a dureza da vida de um país que vivia uma situação econômica delicada”.
Talvez por seu tamanho e por seu potencial de globalização de discurso, o futebol tornou-se um dos mais poderosos instrumentos para unir ou expressar os anseios de uma nação. É um espelho de uma comunidade. Quando explorado, como exaustivamente foi e continuará sendo, conseguirá exemplificar claramente as greves, divisões e dores de um povo.
Querer negar isso é um ato político daqueles que querem controlar o discurso. É negar o óbvio somente para se aproveitar dele quando lhe convém.